O aeroporto tem de ficar em Lisboa
Do relatório podem tirar-se quatro ideias que facilitarão uma tomada de decisão rápida sem o adiamento por mais anos.
Esta semana chegou finalmente o relatório da Comissão Técnica (CT) sobre o alargamento das infraestruturas aeroportuárias na região de Lisboa. É bom que haja análises custo-benefício sobre obras pagas pelos contribuintes porque disponibilizam informação sobre as vantagens e os inconvenientes associados a serviços que se destinam às famílias portuguesas.
Apesar disso não devemos esquecer que a decisão política não tem de ser a que é proposta no relatório e este artigo explica porquê. O relatório serve para fazer o levantamento de custos e benefícios em cada alternativa. Esse papel está cumprido. Do relatório podem tirar-se quatro ideias que facilitarão uma tomada de decisão rápida sem o adiamento por mais anos.
1 – Os custos devem ser vistos na sua totalidade
Os custos de todas as variáveis devem ser considerados em conjunto. Isso inclui o custo e a rapidez de construção, os danos ambientais, os custos das acessibilidades rodoviárias, marítima e ferroviárias e o custo económicos das diferentes alternativas.
Neste âmbito, há duas coisas que o relatório não faz e que deveria ter feito. A primeira é incluir os custos da não construção do aeroporto. A segunda é considerar o custo de oportunidade da sua construção. Julgo que, em ambos os casos, se iria reforçar a necessidade e a urgência do alargamento da oferta aeroportuária.
Mas mesmo sem esta informação, os custos são essenciais porque Portugal tem uma divida pública enorme e que está sempre a crescer, uma carga fiscal brutal para a pagar e, por isso, continuará a ter escassez de capital nas próximas décadas. O aeroporto pode trazer dinheiro ao país se for bem feito, mas devem ser considerados os aspectos económico-financeiros na sua globalidade pois são todos os portugueses, e não o governo, que vão suportar os custos.
O relatório só inclui parte da informação, destacando-se 8 mil m€ para a construção em Alcochete, e um prazo de 7 anos para a conclusão da primeira pista. Como a CT aponta para uma construção flexível, de acordo com a evolução da procura, o custo será mais elevado e, conhecendo-se a realidade portuguesas, é fácil prever que a entrega será posterior a 2031.
Para além deste valor, é necessário considerar os custos da mudança da Força Aérea, das acessibilidades, como a construção da terceira ponte sobre o Tejo, ferrovia de alta velocidade, acessos marítimos e outros encargos. Qual o custo total para os portugueses? O relatório não dá esta informação, mas ela é essencial para a decisão pois terá de ser compatibilizada com outros projectos que requerem elevados investimentos, como os previstos para o Porto.
Segundo o relatório, entre as alternativas a que parece fazer mais sentido é o Montijo. É a mais barata, porque já existe uma pista e o custo da construção será suportado pelos franceses da Vinci, no âmbito do acordo assinado em 2012 para a privatização da ANA. A participação da Vinci na construção em outros locais como Alcochete terá de ser negociada, sendo certo que os portugueses vão suportar uma parte significativa se for essa a opção.
O Montijo não é vantajoso apenas porque a sua construção é mais barata. É a opção que mais rapidamente disponibiliza uma segunda pista e permite ultrapassar o actual constrangimento ao crescimento do número de passageiros, que também aumenta os custos. A Confederação do Turismo de Portugal apresenta uma perda de 6 mil M€ até 2034 só em receitas fiscais. Se aceitarmos este valor, o custo da escolha de Alcochete sobe para 14 mil M€ (construção mais perda de receita), um valor elevado para os portugueses e muito superior ao do Montijo, que seria inferior a 3 mil M€ porque é disponibilizado mais cedo e é pago pela Vinci. Mesmo que os valores sejam menores, a CT deveria ter feito uma avaliação porque o custo será elevado.
O prazo indicado para a conclusão no Montijo é de 3 anos, mas deverá ser superior dados os atrasos habituais. O facto de ser um privado a pagar a construção é um incentivo para que a obra seja concluída o mais rapidamente possível. Apesar disso, a CT considerou na análise que o prazo seria o dobro, 6 anos, e apenas menos 1 do que Alcochete, onde nada existe, o que adensa as suspeitas de preferência de alguns dos seus membros por esta segunda opção.
2 – O aeroporto tem de ficar em Lisboa
O que não há dúvida é que o aeroporto deve continuar a funcionar em Lisboa. Todo o relatório económico-financeiro e a análise custo-benefício concluem pelas vantagens da solução dual Portela + 1, especialmente em termos financeiros e de impacto económico. A CT aceitou a solução dual, mas apenas temporariamente.
O relatório síntese tem uma incongruência relativamente à análise económico-financeira porque defende que a solução dual é menos eficiente pois não permite aproveitar economias de escala em todos os serviços. As economias de escala aproveitam-se até uma determinada dimensão, sendo depois anuladas pelos custos da maior complexidade de gestão. É verdade que existem aeroportos muito grandes, mas também é verdade que o tempo de demora para embarque aumentou significativamente e que as grandes cidades possuem vários aeroportos.
O que é mais importante é que a localização do Aeroporto da Portela é uma vantagem decisiva para a cidade de Lisboa, pela proximidade e poupança de tempo, de custos e até ambiental para chegar ao centro e aos locais de interesse para os viajantes. Numa altura em que realizar uma viagem é cada vez mais complicado, requer cada vez mais tempo de deslocação de e para o aeroporto e de tempo de espera, e tem cada vez mais procedimentos burocráticos, esta é uma vantagem decisiva que não pode e não deve ser desperdiçada. Infelizmente esta não é a conclusão da CT apesar da evidência que apresenta em contrário.
Para além dos benefícios na atracção de turistas, viajantes de negócios, de congressos, etc., a localização na cidade é também muito benéfica em termos de emprego e de todos os proveitos económicos directos, indirectos e implícitos que daí resultam. O estudo não apresenta valores para estes benefícios, limitando-se a indicar que o custo de renaturalização dos terrenos do aeroporto seria de 342 M€ (com um elevado grau de risco especialmente por causa da descontaminação dos terrenos). Da mesma forma também não considera o custo de relocalização das actividades aeroportuárias, apesar de o qualificar como muito elevado.
A CT tenta mudar esta percepção negativa, propondo construção nos terrenos da Portela e a receita por ela originada. Mas a cidade de Lisboa perdeu população na última década e o problema da habitação não se deve a falta de espaço, deve-se à necessidade de construir e recuperar edifícios. Não há dúvida de que os terrenos do aeroporto são muito apetecíveis, mas não são necessários para resolver o problema da habitação em Lisboa.
3 – A opção Portela + Montijo deve ser seriamente reconsiderada
Os dados do relatório são conclusivos sobre a vantagem da escolha da opção Montijo por ser a solução mais rápida, de menor custo e melhor em termos económico-financeiros e de acessibilidades marítima, rodoviária e ferroviária. O parecer da Agência Portuguesa do Ambiente de 2019 confirma também que as questões ambientais não a impedem.
Contudo, esta solução é desconsiderada com o argumento de que tem uma capacidade de expansão limitada. O relatório prevê que a procura anual de 28 milhões de passageiros em 2022 (80% tráfego internacional, com 70% da Europa, e 20% nacional, em que a grande maioria procura a área metropolitana de Lisboa) cresça para 85 milhões em 2050, uma taxa de crescimento anual média de 4,03% ao ano (que o relatório erradamente indica ser de 3,77%).
Note-se que esta taxa de crescimento é muito superior a qualquer uma das apresentadas por companhias aéreas ou organismos internacionais referidos no estudo e que variam entre 1,9% e 3,3%, com uma média de 2,7%. A razão indicada é que o número de passageiros em Lisboa cresceu mais rapidamente do que em outras cidades europeias nos últimos anos (certamente porque a base de partida era mais baixa e pelo boom do turismo), e por isso o estudo assume que o diferencial de taxas de crescimento evoluirá do dobro em 2023 até ser igual em 2050.
O que é bizarro no relatório é que nada disto é justificado e os números de evolução da procura são apresentados sem nenhum argumento para que a tendência se mantenha no futuro, como o relatório prevê. A p. 50 do Relatório Ambiental limita-se a referir que «ainda que se reconheçam fatores externos capazes de poder modificar as tendências de procura observadas nas últimas décadas, e assim reduzir taxas de crescimento da procura, não se afigura provável que a tendência se inverta, pelo que é fundamental ajustar a oferta da capacidade da infraestrutura aeroportuária». Não é apresentada qualquer razão para que não seja provável que a tendência se altere (não é necessário que se inverta). Porquê?
O modelo de previsão da procura tão elogiado pela coordenadora-chefe do estudo pega no passado e estende a tendência verificada para o futuro, reduzindo paulatinamente a diferença na taxa de crescimento. Ninguém adivinha o futuro, mas a evolução da população residente e do uso do avião em viagens, a expectativa do crescimento do número de visitantes estrangeiros, o uso da ferrovia ou o impacto ambiental da aviação deveriam ser considerados e incluídos nas estimativas. Para o estudo são irrelevantes na previsão da procura.
Num segundo cenário mais realista, com uma taxa média anual de crescimento de 3,1%, o valor previsto para 2050 reduz-se para 66 milhões de passageiros. Na Síntese de Avaliação por Área Temática (p. 170 do Relatório Ambiental) é escrito que «estas projeções apontam para a necessidade de projetar uma oferta aeroportuária suportada num mínimo de 2 ou 3 pistas ao longo do período de projeto». Mas o Montijo pode ter 2 pistas e Lisboa tem 1. Porque é que a falta de margem para expandir é uma justificação para recusar esta opção?
Em 2019, o aeroporto de Lisboa recebeu 31 milhões de passageiros e a Portela tem margem para crescer mesmo sem obras, pois apenas está congestionada nas horas de ponta. A outras horas do dia o tráfego é menos intenso. Se a isto juntarmos as obras de alargamento a realizar na Portela pela Vinci e o funcionamento de duas pistas no Montijo, não parece haver dúvidas de que as necessidades até 2050 estão cobertas. Mais do que isso, a pág. 29 do Relatório Ambiental explicita que a capacidade máxima de 80 movimentos hora será suficiente para cobrir a procura até 2084, quando poderá atingir cerca de 110 milhões de passageiros por ano.
Perante estes factos, só se pode estranhar que a CT tenha desconsiderado o Montijo. Isto tem de ser esclarecido porque senão ficará sempre a ideia de que a CT, com tanta independência, teve medo de contrariar os lobbies ambientalistas e quis beneficiar Alcochete. O que o próprio relatório mostra, sem o reconhecer, é que a solução Portela + Montijo deve ser reconsiderada.
4 – O que andou o PS a fazer desde 2015?
Um dos factores críticos do aumento da capacidade aeroportuária é a rapidez de uma resposta dados os custos para Portugal da não decisão em viagens perdidas por falta de slots e receitas para a economia e para o Estado. Dada esta urgência, a pergunta que se impõe é porque é que o processo esteve parado durante 8 anos e não avançou com os governos socialistas?
O atraso e a indefinição socialistas terão custado aos portugueses cerca de 3 mil M€, a acreditar nos cálculos da Confederação do Turismo de Portugal. Em 2015m havia uma solução e o processo poderia ter-se iniciado. Passados 8 anos, estamos no mesmo ponto. O PS já propôs tudo e não fez nada. Desde Beja, da OTA, do Montijo até à proposta sui generis de Pedro Nuno Santos, Montijo e depois Alcochete, e agora só Alcochete, tudo foi referido pelos socialistas como solução, mas nada de positivo foi feito. É altura de fazer o que os socialistas não fizeram.
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