• Entrevista por:
  • Ana Petronilho

“De Sines para baixo muito pouco acontecerá, muito pouco”

No verão de 2024, o grupo Pestana inaugura em Porto Covo o quarto projeto na zona de Troia. E José Roquette lembra que abaixo de Sines 80% da costa é reserva natural, o que impede novos projetos.

A península de Troia tem sido uma das apostas do grupo Pestana, que já conta com quatro projetos de apartamentos turísticos na região. Ao Troia eco resort, junta-se agora um novo projeto na Comporta com 75 unidades num investimento de 25 milhões – que vai abrir portas no verão de 2024 – e, em Brejos da Carregueira, o maior grupo hoteleiro nacional comprou, em hasta pública à Câmara de Alcácer do Sal, um terreno por “cerca de seis milhões de euros” que está a ser vendido em lotes para a construção de residências turísticas.

Um pouco mais a sul, em Porto Covo, está a nascer um outro projeto que conta com um investimento de 50 milhões de euros e das 174 unidades do condomínio “faltam vender cinco”, conta José Roquette. Este terreno que fica à saída da vila piscatória alentejana foi comprado à Caixa Agrícola, que era a proprietária do imóvel depois de um promotor ter entrado em incumprimento.

Em entrevista ao ECO, o administrador responsável pela área de desenvolvimento do grupo Pestana conta que a aposta em Porto Covo resulta de dois fatores. Com o boom de grandes projetos na região, “entre Troia e Sines as coisas já estão a ficar todas ocupadas” e “já não havia mais oportunidades” e foi então que o olho estratégico de Roquette parou em Porto Covo, tendo em conta que “é das zonas da Costa Alentejana que menos vai sofrer com a sazonalidade”.

Além disso, lembra ainda Roquette, “de Sines para baixo, temos 80% da costa como reserva” que faz parte do parque natural da Costa Vicentina. Por isso, “é bom ter a noção que de Sines para baixo, muito pouco acontecerá, muito pouco”.

De todos os projetos, o eco resort de Troia – o primeiro do país que contou com um investimento acima de 100 milhões – foi “o mais desafiante de todos” e só para conseguir o licenciamento demorou oito anos.

José Roquette, administrador responsável pela Área de Desenvolvimento do Grupo Pestana, em entrevista ao ECO Henrique Casinhas/ECO

Tem três projetos na região de Troia, na Comporta, em Brejos da Carregueira e em Porto Covo. Quando vão chegar ao mercado?

São projetos que vieram no seguimento do Pestana Troia, que foi o primeiro grande projeto ali na zona [o primeiro eco resort do país que contou com um investimento de 100 milhões]. E já chegaram ao mercado. Ou seja, Brejos e Comporta estão completamente vendidos. As obras ainda não acabaram, mas os projetos estão completamente vendidos. No caso de Porto Covo as obras começaram há cerca de seis meses e já está quase todo vendido. Vendemos em planta. Das 174 unidades faltam vender cinco.

Qual foi o investimento nestes três projetos?

No caso de Porto Covo foram cerca de 50 milhões de euros, com a compra do terreno [à Caixa Agrícola] e a obra. Na Comporta foi menos, aproximadamente 25 milhões, e em Brejos foi cerca de dez milhões.

Essa zona está a sofrer um boom de projetos de turismo. Ainda há ali espaço para mais investimento?

Portugal não é um país assim tão grande. Se olharmos para a Costa Alentejana temos dois grandes eixos, que é entre Troia, portanto, entre Setúbal e Sines, e depois de Sines para baixo até Sagres. Temos duas regiões completamente diferentes do ponto de vista do desenvolvimento. Na primeira, é onde aconteceu, até agora, todo o desenvolvimento, em toda aquela zona de Troia, Comporta, Melides e depois de certa forma parou em Sines. De Sines para baixo, temos 80% da costa como reserva, é parque natural da Costa Vicentina. É bom ter a noção que de Sines para baixo, muito pouco acontecerá, muito pouco.

Há uns anos Troia também era zona de reserva.

Sim. Mas se pensarmos assim… vamos então falar da zona onde houve desenvolvimento, em Troia. Do ponto de vista comparativo, a densidade construtiva entre a região de Setúbal até Sines, é mais ou menos 20% a 15% da densidade do desenvolvimento que teve, por exemplo, o Algarve. Claro que me dirá que o Algarve foi excessivo.

Bom, o Algarve é uma das regiões turísticas de maior sucesso do mundo e assegura emprego a uma parte da população no sul do país, que não sei o que faria se não tivesse o turismo. O Algarve tem três ou quatro pontos que, de facto, tiveram excessos, como Quarteira ou talvez Portimão. E depois tem zonas excelentes.

Ainda assim, se compararmos o Algarve com o sul de Espanha, que é um dos maiores players mundiais do turismo, o Algarve tem um terço de densidade de construção do sul de Espanha. Portanto, veja, o Algarve tem um terço da necessidade da construção do sul de Espanha e a Costa Alentejana tem, mais ou menos, 15% da densidade do Algarve. Mesmo neste trecho que teve mais desenvolvimento.

De Sines para baixo, temos 80% da costa como reserva, é parte natural da Costa Vicentina. É bom ter a noção que de Sines para baixo, muito pouco acontecerá, muito pouco.

José Roquette

Administrador responsável pela área de desenvolvimento do Grupo Pestana

Então ainda vê ali espaço para crescer?

Espaço não há muito, porque as restrições ambientais, e bem, são muito fortes. O maior projeto que ali fizemos, até agora, o Troia eco resort, é um projeto que tem 100 hectares e onde só tivemos autorização para construir em metade do terreno. Portanto, há 50 hectares que são completamente protegidos e mesmo aí tivemos um índice de desenvolvimento que foi de 1%. Mas qual era a alternativa? Era não se fazer nada. E então, que não sou presidente da Câmara de Grândola, nem de Alcácer ou de Sines, pergunto o que teríamos se não fizesse nada? O que estes autarcas teriam para oferecer à população, do ponto de vista de emprego ou de receita fiscal para os municípios?

Quando vão ficar concluídos estes três projetos? Em 2024?

Sim. Brejos está a acabar a obra. Na Comporta acaba em 2024, antes do Verão, mais ou menos em junho/julho. Porto Covo vai acabar, uma primeira fase, no Verão de 2024 e uma segunda fase no Verão de 2025.

Quanto tempo demorou a licenciar cada projeto? É um ponto preocupante para quem investe?

Claro. O mais desafiante de todos foi, sem dúvida, Troia.

Porquê?

Porque era um projeto de grande dimensão, numa zona também da reserva natural e obviamente, esteve sujeito a enormes restrições ambientais. Demorou cerca de oito anos a licenciar o projeto de Troia, desde o dia em que comprámos o terreno até ao dia em que tivemos a licença. Mas isso foi positivo.

Foi?

Porque isso levou-nos numa direção. Todas as restrições ambientais que foram colocadas ao grupo, motivaram-nos a ir na direção de fazer o primeiro grande eco resort do país. Se não tivéssemos tido as mesmas restrições, não teríamos tido também tanta ambição no conceito. Fomos descobrir o conceito por força das restrições ambientais do lugar. Isso foi talvez o mais difícil, mas é um projeto de maior escala, de maior dimensão.

O projeto da Comporta foi licenciado com alguma rapidez. Não é um projeto muito ambicioso, com 75 unidades, e demorou talvez um ano a ser licenciado, o que é absolutamente normal. O projeto de Brejos também foi relativamente rápido. Eram só obras de infraestruturas, depois fomos vender lotes. E o projeto de Porto Covo também correu muito bem do ponto de vista do licenciamento.

Há algum detalhe, alguma peripécia destes novos projetos que nos possa contar?

O projeto de Brejos tem uma peripécia interessante. O terreno já tinha sido posto à venda pela Câmara Municipal de Alcácer do Sal e comprámos o terreno à câmara em hasta pública, depois de a primeira ter ficado deserta. A câmara quis fazer uma segunda hasta pública e tinha muito receio que ficasse novamente deserta. Hoje, quando as pessoas passam lá e questionam como conseguimos comprar o terreno, dizem que tivemos sorte de conquistar este lugar. Apenas participámos numa hasta pública que não teve mais ninguém a participar. Ninguém quis participar. Agora dizem que temos sorte. O que tivemos foi visão a longo prazo.

Quanto custou o terreno em hasta pública?

Cerca de seis milhões de euros. A vizinhança de Brejos tem capital mais do que suficiente para tomar conta daquele lugar, e assim não foi. Não aconteceu. Mas não sabemos mais do que ninguém.

O terreno de Brejos já tinha sido posto à venda pela Câmara Municipal de Alcácer do Sal e comprámos o terreno à câmara em hasta pública, depois de a primeira ter ficado deserta. Comprámos por cerca de seis milhões de euros.

José Roquette

Administrador responsável pela área de desenvolvimento do Grupo Pestana

Quem eram os proprietários dos outros terrenos?

O de Troia, o grupo comprou há 20 anos. O da Comporta era de particulares e o de Porto Covo era de um banco [Caixa Agrícola] que tinha ficado com o terreno depois de um promotor ter entrado em insolvência. Mas o caso de Porto Covo é interessante.

Porquê?

Porque não descobrimos propriamente Porto Covo. É uma região que já tem algum turismo há algum tempo, embora com muito baixa densidade. E este terreno estava simplesmente disponível lá. Portanto, mais uma vez, não fizemos nada de muito arrojado. O banco tinha o terreno, estava a tentar vendê-lo, não conseguia vender e nós simplesmente conseguimos pensar naquela localização.

José Roquette, administrador responsável pela Área de Desenvolvimento do Grupo Pestana, em entrevista ao ECOHenrique Casinhas/ECO

O que vos atraiu?

Fizemos um raciocínio que foi, sentimos que entre Troia e Sines as coisas já estão a ficar todas ocupadas, não digo saturadas, mas já não havia mais oportunidades. Então pensamos assim: o que virá a seguir? Bom, o que vem a seguir é Sines, que é um polo industrial. E a primeira localização que vem depois de Sines é Porto Covo.

Com algumas particularidades, é uma vila que beneficia muito da atividade económica intensa que Sines tem e que vai ter cada vez mais. Vai ter acessibilidades muito melhores, porque com o PRR vai haver uma autoestrada que vai até Sines. Portanto, claramente é das zonas da Costa Alentejana que menos vai sofrer com a sazonalidade. Esta é a nossa grande preocupação. É uma preocupação de hoteleiro, ou seja, de uma empresa que tem de assegurar atividade durante 12 meses, porque se queremos assegurar emprego durante 12 meses, temos de ter receita durante 12 meses.

E quem está a comprar os apartamentos? São portugueses, são estrangeiros?

95% são portugueses.

Recorrem a crédito?

Muito pouco a crédito. E mesmo com o aumento das taxas de juro, não sentimos uma quebra nas vendas.

Não?

Não, não sentimos. Diria que é uma classe média, média alta, portuguesa que tem respondido. Isto porque também temos a preocupação de tentar criar um produto que não seja excessivamente elitista. Ou seja, queremos um produto que tenha uma ótima relação preço-qualidade e que tenha um ticket [um patamar de preços] bastante acessível, à volta dos 500 mil euros um T3.

Não estamos a vender casas de milhões em Porto Covo, estamos a tentar chegar a um preço acessível. Esse foi, talvez, o maior achievement que conseguimos: levar ao mercado um produto acessível ao mercado nacional e, ainda assim, com uma relação preço-qualidade excelente, numa localização a 300 metros do mar.

95% do compradores são portugueses. Mesmo com o aumento das taxas de juro, não sentimos uma quebra nas vendas.

José Roquette

Administrador responsável pela área de desenvolvimento do Grupo Pestana

Como conseguiram isso numa altura de subida generalizada dos preços?

Tínhamos uma empresa nossa, do grupo, que já construía. Mas construía apenas pequenas obras. Depois da pandemia começámos a sentir o galope nos preços e pensámos que tínhamos de dinamizar essa empresa de construção que é quem hoje constrói para o grupo, em Portugal.

Como se chama a empresa?

Carvoeiro. A empresa trabalha com subempreiteiros que trabalham para grandes construtoras. Esses subempreiteiros, que trabalharam connosco na Comporta, foram trabalhar connosco em Brejos e depois em Porto Covo e continuarão a trabalhar connosco. Dessa forma, conseguimos ter um custo de construção – porque o nosso negócio não é construção, portanto construímos para nós próprios – em que não estamos preocupados com a margem que ganhamos. Ganhamos muito pouco na margem da construção, mas conseguimos chegar a um produto final a custos muito competitivos.

Sofreram derrapagens nos orçamentos iniciais?

Sim, claro que sim. Os custos de construção cresceram entre 20% e 25%. Tentámos encontrar uma forma de contornar isso com a relação privilegiada com alguns subempreiteiros. E percebemos, também, que havia alguma especulação no mercado. É claro que houve um aumento dos custos dos materiais e que houve falta de mão de obra, que gerou também um aumento do custo de mão-de-obra, mas também houve algum aproveitamento no mercado. Foi isso que tentámos contornar.

José Roquette, administrador responsável pela Área de Desenvolvimento do Grupo Pestana, em entrevista ao ECOHenrique Casinhas/ECO

Entre os estrangeiros que estão a comprar, quais são os mercados com maior peso?

dois mercados a destacar, porque começaram a mostrar sinais e vão ter cada vez mais potencial. Um é o mercado francês, que é uma novidade em Portugal. Há dez anos era quase inexpressivo na procura turística em Portugal e hoje é um dos principais mercados. E, obviamente, o mercado norte-americano, que também tem vindo a mostrar, cada vez mais, interesse no mercado português.

Qual foi a subida do mercado norte-americano, em termos de investimento?

Não tínhamos vendido rigorosamente nada a americanos e hoje já representam talvez 10% dos compradores da área imobiliária. Já é bastante significativo. Mas temos a noção que é apenas o princípio. O mesmo aconteceu no turismo. Por força das ligações aéreas, cada vez mais relevantes, o mercado americano vai crescer muito em Portugal, tanto no turismo como na área imobiliária.

Como surgiu a aposta no imobiliário?

O grupo tem 50 anos de experiência e de história no setor do turismo e foi descobrindo alguns negócios complementares. A área imobiliária nasceu daí. Há cerca de 20 anos, tínhamos os hotéis do Algarve que sofriam muito com o problema da sazonalidade e então investiu-se no golfe para combater a sazonalidade. O grande objetivo era combater a sazonalidade. Mas o investimento no golfe abriu a porta a um novo negócio, que foi o imobiliário. Temos vindo a aprender nos últimos 20 anos como estes negócios têm enormes sinergias entre eles, e como a marca Pestana, que era já muito forte na área turística, também se tem vindo a afirmar na área imobiliária. Ao ponto de ter dado origem a uma marca nova, a Pestana Residences que hoje já representa cerca de 25% a 30% dos resultados do grupo.

Um peso que querem subir, não é?

Sim, e tem tudo que ver com a estratégia do grupo como um todo, que é a diversificação. Esta será sempre a ideia fundamental de todos os projetos de investimento do grupo Pestana. Gosto sempre de recordar que o grupo nasceu numa ilha e depois deu um passo de diversificação quando comprou os hotéis do Algarve.

O primeiro passo foi esse. Mas depois já teve muitos outros. Quando começou a entrar nos hotéis urbanos – antes era um grupo fundamentalmente de resorts –, quando investiu nas Pousadas e quando começou a internacionalizar-se. É na diversificação que se constrói a solidez e esta é a grande obsessão do Dionísio Pestana, que é crescer com muita ambição, mas com muita solidez. A única forma de crescer com muita ambição e com solidez é diversificando.

  • Ana Petronilho
  • Jornalista

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