Quando e quanto é que o BCE vai baixar os juros em 2024?
Os mercados estimam seis cortes de juros em 2024, os economistas aguardam três reduções e o BCE esconde o jogo. Será a trajetória da inflação a definir o ritmo de alívio da política monetária na Zona.
No início de um ano que se prevê pleno de incertezas, o ECO vai divulgar nos próximos dias 6 trabalhos que tentam responder a questões que mais irão afetar a economia e os mercados, tanto a nível nacional como internacional. Os preços das casas, as descidas nas taxas de juro, o peso do abrandamento externo na economia portuguesa, a evolução dos preços do petróleo, onde investir o seu dinheiro e, claro, o impacto da instabilidade política no país são os temas que serão abordados.
Os investidores apontam a março, os economistas estimam para o início do verão e o Banco Central Europeu (BCE) considera ser prematuro discutir cortes de juros. Mas restam poucas dúvidas de que 2024 será o ano em que o banco central vai inverter a política monetária depois de um endurecimento muito agressivo. Resta saber quando vai surgir o primeiro corte e o ritmo das descidas de juros.
A resposta estará na evolução dos dados económicos, sobretudo a inflação, que permanece teimosamente acima da meta há 26 meses. Foi em julho de 2021 que a inflação na Zona Euro superou os 2%, o BCE começou a subir os juros um ano depois e só parou em setembro de 2023. Neste período, a taxa dos depósitos subiu por 10 vezes, passando de -0,5% para os atuais 4%.
A tendência de alta fulgurante da inflação só terminou em outubro de 2022, com a taxa já nos dois dígitos, um máximo na história da Zona Euro. Desde então, com o BCE já a aumentar os juros a toda a velocidade e várias subidas “jumbo” (75 pontos base), a inflação encetou também uma trajetória descendente muito célere. Em novembro de 2023, a inflação regressou ao patamar que se situava em julho de 2021, ainda acima da meta dos 2%, mas num nível que permite ao BCE estabilizar os juros e sinalizar que o fim do ciclo de subidas terá chegado ao fim.
Investidores 6 – Economistas 3
Embalados pela mudança de discurso da Fed, os investidores estão a estimar cortes agressivos de juros do BCE em 2024, confiando que a inflação vai continuar a aliviar e o ritmo de atividade económica permanecerá fraco. Mesmo depois de Christine Lagarde revelar que o corte de juros não foi tema na reunião de dezembro do Conselho do BCE e que a autoridade não vai baixar a guarda no combate à inflação, as estimativas dos investidores praticamente não sofreram alterações.
O mercado de futuros está a apontar para 150 pontos base de cortes de juros em 2024 (seis reduções de 25 pontos base), com uma probabilidade em redor de 50% da primeira descida acontecer já em março. “Os mercados estão com expectativas demasiado elevadas para 2024. Especialmente o início” do ciclo de cortes “em março parece improvável”, diz ao ECO Bas van Geffen, senior macro strategist do Rabobank.
“Se olharmos para as próprias projeções macroeconómicas do BCE e para o momento em que os novos dados vão estar disponíveis, existe a possibilidade de o BCE reduzir as taxas em junho”, refere Bas van Geffen. Contudo, por estimar uma desinflação mais lenta, o Rabobank mantém para já a previsão de apenas dois cortes de juros em 2024, com o primeiro a surgir só em setembro.
A previsão de início do ciclo de cortes de juros em junho bate certo com o consenso dos economistas e com as notícias publicadas depois da última reunião do BCE. Citando sete fontes do banco central, a Reuters avançou com o guidance não oficial de que os governadores do BCE não devem alterar o seu discurso antes de março e não é previsível que o alívio da política monetária surja antes de junho.
A próxima reunião de política monetária do BCE acontece a 25 de janeiro. Na seguinte (7 de março), o staff do banco central volta a atualizar as projeções para o PIB e inflação, munindo o Conselho do BCE com mais argumentos para inverter a política monetária. Enquanto os investidores estão a apostar que será o momento para cortar logo os juros, os economistas acreditam que nessa altura serão apenas sinalizados cortes nas reuniões seguintes (11 de abril ou 6 de junho). No último mês do segundo trimestre será mais provável, pois o BCE já terá na sua posse a maioria dos dados das atualizações salariais no ano.
Os inquéritos efetuados pelas agências de notícias Bloomberg e Reuters mostram que o consenso dos economistas aponta para junho como a data que pode ser chave. No que diz respeito ao resto do ano, também existe um consenso de mais duas reduções. A confirmar-se esta previsão dos economistas, o BCE descerá os juros por três vezes em 2024, com um corte de 25 pontos base em cada um dos três últimos trimestres.
Os mercados estão com expectativas demasiado elevadas para 2024. Se olharmos para as próprias projeções macroeconómicas do BCE e para o momento em que os novos dados vão estar disponíveis, existe a possibilidade de o BCE reduzir as taxas em junho.
BCE só reage a recessão mais profunda
Como ficou evidente nos últimos meses, as expectativas de investidores e economistas podem sofrer alterações pronunciadas num curto espaço de tempo, sobretudo mediante a publicação de dados económicos que mostrem que a inflação está a aliviar de forma mais ou menos rápida.
Dado que o BCE deixou de fornecer indicações sobre o rumo da política monetária (forward guidance) e a incerteza sobre a evolução dos preços é muito elevada, entre os economistas as previsões são bastante amplas. Enquanto o Rabobank estima apenas duas descidas de juros em 2024, o Deutsche Bank alinha com os mercados e antevê seis cortes, por considerar que a inflação vai baixar de forma mais célere.
O Capital Economics é um pouco mais contido, apontando para cinco descidas de juros no próximo ano, com a primeira a surgir em abril. Jack Allen-Reynolds, vice-economista-chefe da consultora, destaca os sinais de que a estagnação da procura está a enfraquecer o poder de fixar preços das empresas e nota que o enfraquecimento do mercado de trabalho está a causar um abrandamento no crescimento dos salários.
O ABN Amro também estima que a taxa de depósitos do BCE baixe para 2,75% no final de 2024, mas aponta a primeira redução em junho, altura em que a inflação subjacente (exclui alimentos e energia) já deverá estar nos 2%.
“O enfraquecimento da procura por bens e serviços na Zona Euro e a nível global vai diminuir a pressão do lado da procura, enquanto o impacto ascendente dos custos energéticos vai continuar a diminuir”, assinala Aline Schuiling. A economista do ABN Amro estima que o “crescimento dos salários vai abrandar visivelmente em 2024, uma vez que já vemos sinais claros de que o mercado de trabalho da Zona Euro está a deteriorar-se”.
Se as perspetivas para o alívio da inflação forem reforçadas, em conjunto com uma travagem mais acentuada da economia, o BCE pode acelerar a inversão da política monetária. Caso a inflação persista em níveis elevados e acima da meta dos 2%, o banco central pode protelar o início do ciclo da redução de juros mais para o final do ano.
Depois de em 2021 ter “arrastado os pés” na luta contra a inflação, o BCE já sugeriu que agora prefere errar por excesso face a precipitar-se na inversão da política monetária. Mesmo que tal custe uma deterioração desnecessária da atividade económica na Zona Euro. Bas van Geffen destaca que “a estabilidade de preços é o único mandato do BCE”, pelo que “por si só, uma recessão moderada não será suficiente para o BCE considerar um corte imediato nas taxas de juro”.
“A recessão teria de ser muito profunda, o que parece improvável nesta fase, e ter um grande impacto sobre a inflação”, refere o economista do Rabobank. “Enquanto a recessão não for grave, o BCE provavelmente irá aguardar, até que alguns trimestres de crescimento baixo/ligeiramente negativo comecem a afetar significativamente a procura interna e, portanto, a inflação”, acrescenta.
“O enfraquecimento da procura por bens e serviços na Zona Euro e a nível global vai diminuir a pressão do lado da procura, enquanto o impacto ascendente dos custos energéticos vai continuar a diminuir. Ocrescimento dos salários vai abrandar visivelmente em 2024, uma vez que já vemos sinais claros de que o mercado de trabalho da Zona Euro está a deteriorar-se”.
À procura do “novo neutral”
Numa perspetiva de mais longo prazo, este ciclo de redução de taxas de juro que se aproxima traz o desafio adicional de os bancos centrais encontrarem o novo neutral, ou seja, em que nível as taxas de juro não contribuem para arrefecer nem estimular a atividade económica.
Com a taxa dos depósitos em 4%, o nível atual é claramente restritivo. Mesmo que se cumpram as expectativas agressivas dos investidores, é provável que os juros na Zona Euro contribuam para restringir a atividade económica durante todo o ano. Acresce que existe um desfasamento entre a fixação das taxas de juro e o impacto na economia, pelo que o efeito restritivo da política monetária do BCE deverá perdurar em 2025.
Antes da crise inflacionista, estava convencionado que o nível neutral estava alinhado com a meta da inflação nos 2%. Os economistas apontam agora para níveis superiores, embora não seja fácil calcular o novo patamar.
“É bastante incerto saber qual é o nível do ‘novo neutral’”, diz Bas van Geffen, salientando que a “economia sofreu diversos choques estruturais”, como a pandemia; o “envelhecimento da população também está a afetar o mercado de trabalho”; e existe ainda o “impacto da crise energética e da transição verde”.
Ainda assim, o economista do Rabobank arrisca um patamar em torno de 2,5%. A confirmar-se, será para este nível que o BCE deverá baixar a taxa de depósitos quando concluir o próximo ciclo de alívio da política monetária, caso a economia esteja numa posição equilibrada. Será um nível bem superior ao registado no início do ciclo de subida das taxas de juro, pois em 2021 a taxa dos depósitos estava em terreno negativo (-0,5%).
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