Excusez-moi, monsieur Olivier Blanchard

Chegar a um país como Portugal e recomendar que se fure os limites do défice para acelerar o crescimento é como oferecer uma caixa de fósforos a um pirómano.

O francês Olivier Blanchard, ex-economista-chefe do FMI, esteve esta sexta-feira em Lisboa para apresentar o seu estudo How to strengthen the Portuguese recovery. A mensagem, surpreendente, que fica da visita de Blanchard é a de que “pode fazer sentido furar os limites do défice” das regras comunitárias, se isso servir para acelerar o crescimento da economia.

Dizer isso num país com o passado recente de Portugal e onde a dívida pública ultrapassa a fasquia dos 130% do PIB, é no mínimo perigoso. A lógica do francês é semelhante àquela que levou o país à bancarrota.

O raciocínio de Olivier Blanchard é mais ou menos este: se uma descida ligeira do endividamento ou um corte no défice ainda não mudou de forma significativa a avaliação externa que é feita do país, então uma subida ligeira, pelos bons motivos, também não deve mudar.

“Se subirmos de 130% de dívida pública para 133%, se o que justificar forem coisas úteis aos olhos dos investidores… os investidores não são parvos”, garante Blanchard.

Os investidores não são parvos. Parvos somos nós se seguirmos esse caminho. Já o fizemos nos primórdios da crise, quando José Sócrates em 2009 (a mando de Angela Merkel, diga-se a bem da verdade) desatou a fazer investimentos públicos para espevitar o crescimento de curto prazo. E não é que resultou! Em 2010, a economia saiu da recessão e até cresceu 1,9%.

O problema é quem 2011 estávamos a pedir um resgate à troika porque a dívida pública disparou, e em 2012, a economia já estava a afundar 4%.

Então qual é o caminho?

O caminho para Portugal é aquele que foi feito por Passos Coelho e que tem sido seguido por António Costa, embora este não o assuma de forma explícita para não assustar os seus parceiros mais à esquerda: baixar o défice a todo o custo – porque sabem que em dezembro termina o programa de compras do BCE, – e criar condições para atrair investimento empresarial (como o da Bosch anunciado esta semana) e para que a economia cresça de forma saudável.

No arranque deste ano, a taxa de crescimento foi de 2,8%, mesmo depois de o governo ter cortado em 2016 o investimento público para valores de há 20 anos. “Um pássaro não faz a primavera”, foi o comentário de Olivier Blanchard quando confrontado com os 2,8%. É melhor um pássaro na mão, do que dois a voar, monsieur Blanchard.

Música para Mariana Mortágua

Claro que as palavras de Olivier Blanchard são música para os ouvidos de Mariana Mortágua. Hoje, no Parlamento, a deputada do Bloco de Esquerda fez questão de dizer que “até Olivier Blanchard” já reconhece que a prioridade da política económica não pode ser a redução do défice orçamental.

O problema é que “até Olivier Blanchard” erra, não obstante ser um economista conceituado. Para quem já se esqueceu, na altura das contas mal feitas do FMI na polémica dos multiplicadores, quem estava em Washington era um senhor de seu nome Blanchard. Que teve, diga-se a bem da verdade, a humildade de reconhecer o erro da instituição.

O problema é o do trabalho

O estudo How to strengthen the Portuguese recovery diz que Portugal deve ter como prioridade resolver o problema do crédito malparado na banca e reformar o mercado do produto. Isso é novamente olhar para o curto prazo sem perceber que o grande problema da nossa economia, além da dívida astronómica, está mais a jusante e é o mercado de trabalho e não o do produto.

Portugal é o país da União Europeia com maior proporção da população ativa com, no máximo, o 3.º ciclo do ensino básico (50%), mais do dobro da média europeia de 19,8%. Somos o quinto com a mais baixa proporção de população ativa com ensino superior (24%).

Resultado, a nossa produtividade é das mais baixas. O estudo do próprio Blanchard mostra que a produtividade do trabalho em Portugal representa 38% da alemã na indústria, 54% na construção e 81% no comércio. Face a Espanha, os números são 43%, 37% e 80%, respetivamente.

E então? Então, trabalhamos mais horas por semana (42,4 horas contra a média da União de 41,4) e recebemos metade, o que naturalmente tem consequência no mercado do produto, pela via da procura. Segundo os números do INE, um trabalhador por conta de outrem em Portugal ganha 17.297 euros brutos, muito longe dos 33.774 euros da média europeia.

Uma recomendação bastante válida de Blanchard para os portugueses é que copiem aquilo que o seu conterrâneo Emmanuel Macron vai fazer em França: “reformas nos programas de formação, para estarem mais perto das necessidades das empresas”. Macron que, ao contrário do que Blanchard sugere para Portugal, ganhou as presidenciais com a promessa de cumprir as regras comunitárias e baixar o défice para 3% este ano.

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