A pré-campanha das polémicas chegou por correio
Concordo com Pedro Nuno Santos numa coisa: temos de fazer combate político como adultos. Discordo, no entanto, com a segunda parte, que não há nada extraordinário neste processo das ações dos CTT.
É pouco ou nada surpreendente que uma pré-campanha eleitoral que resultou de uma repentina demissão motivada por uma investigação da Justiça seja marcada por polémicas. A Operação Influencer deverá marcar o caminho até ao voto de 10 de março, com os socialistas a tentarem defender que o culpado pela crise é Marcelo Rebelo de Sousa por ter convocado eleições, enquanto os partidos da oposição tentam passar a mensagem que já está mais que provado que não se pode entregar as chaves do Estado no Largo do Rato.
Infelizmente, a acrescentar a este debate sobre a legalidade dos papéis de António Costa e companhia no projeto do data center Start Campus, vamos assistir a uma campanha ensombrada por casos e ‘casinhos’, acusações e defesas, e muita, muita manipulação da agenda noticiosa. Este cenário já ficou claro nos últimos dias de 2023 e nos primeiros de 2024.
A semana e o ano começaram com o que parecia um ‘casinho’, mas que rapidamente se mostrou maior, principalmente pela forma como foi tratado pelos socialistas. Falo, claro, da compra de ações dos CTT pela Parpública em 2021, a mando do Governo.
A revelação do Jornal Económico falava de uma tentativa de obter o voto do Bloco para aprovar o Orçamento do Estado para 2022, mas o foco rapidamente passou para o PCP. Entretanto, assistimos às clássicas 24 horas de não-respostas, que qualquer pessoa que lida com a comunicação das instituições portuguesas conhece perfeitamente bem. Finalmente foi confirmado que a compra se limitou a 0,24% do capital do operador postal e que houve parecer prévio da UTAM antes de João Leão mandar comprar as ações.
Tudo by the book, podem dizer os socialistas., mas não convence. O Executivo pode até ter feito tudo de forma legítima, mas num caso destes as questões de ética são mais importantes do que as de processo burocrático.
Se se confirmar que o Governo usou recursos do Estado para convencer um aliado político a aprovar uma lei (do OE), seria grave. Seria um abuso do poder governativo para benefício partidário.
António Costa e Pedro Nuno Santos já vieram negar esta hipótese, dando outras razões (divergentes) para a operação. Segundo o ainda primeiro-ministro, a participação nos CTT daria influência e força negocial ao Estado na renovação da concessão do serviço postal universal. Além de ser duvidoso o Estado ter de comprar ações para esse efeito, acabaria por ser irrelevante, pois o Governo chegou a acordo com o operador sobre a nova concessão. A via negocial tinha sempre de ser a prioridade, sem recorrer a jogos de bolsa difíceis de explicar, como se prova agora.
A explicação de Pedro Nuno Santos é ainda mais dura de perceber. O novo secretário-geral do PS disse que a participação do Estado na empresa permitia acompanhar o cumprimento do contrato. Esperem aí, então para que serve o regulador, a ANACOM? O Estado tem de ter parte de todas as empresas com as quais tem ligações para garantir acompanhamento? Na REN, na EDP, na Altice, na ANA? Não parece muito exequível, nem recomendável.
Além disso, a realidade mostra que as coisas não funcionam assim de forma tão simples. Um exemplo. O Estado, através da Parpública, detém 7,5% da Galp Energia, uma das empresas mais importantes do país. Esta posição ajudou Costa na sua tentativa de reverter a decisão da petrolífera de encerrar a refinaria de Matosinhos? Zero.
A venda dos CTT foi um processo longe de consensual. Fruto da ânsia de privatizações no período da troika, passou logo por anos de problemas, perdas, dividendos excessivos. A receita acabou por resultar num doloroso plano de restruturação e importante novo foco de negócios, estratégia que nos últimos trimestres começou a mostrar resultados. Na esquerda, no entanto, foi provavelmente a privatização mais difícil de ‘engolir’, pelo número de pessoas que emprega e pela importância no país inteiro. A reversão da venda foi sempre tema de conversa, e até debate parlamentar.
Confesso-me dividido sobre o assunto, mas uma reversão, a ocorrer, não podia ser assim, de forma parcial, com interesses partidários e na calada da noite. Por muito que António Costa queira dizer que a operação não foi mantida em segredo, não é bem assim. O primeiro-ministro disse que forma mais pública do que em bolsa não há. Há, sim, em bolsa e declarada, até que nem seja via as contas da Parpública.
Obviamente que percebemos que a compra não podia ser divulgada na altura, para não influenciar o preço das ações, mas a operação acabou em outubro de 2021 e nunca mais ninguém disse nada sobre o assunto, portanto foi, sim, mantida em segredo.
Isso leva a uma questão ainda mais importante: porque é que deixou de ser segredo de repente, agora? Porque estamos em pré-campanha e é precisa guiar os olhos.
No fim de semana, o foco estava na investigação a alegadas irregularidades no negócio da casa de Luís Montenegro em Espinho, mas já não está. Uma coisa pode até não ter a ver com a outra, mas dá que pensar. É uma investigação importante e que se concluir que há matéria para mais passos jurídicos poderá ter um impacto gigante nas eleições.
A mais de dois meses da ida às urnas, irão certamente surgir mais polémicas. Esperemos é que não atropelem por completo o debate sobre temas cruciais numa altura complicada para o país: a economia, a saúde, a habitação, a educação.
Concordo com Pedro Nuno Santos numa coisa: temos de fazer combate político como adultos. Discordo, no entanto, com a segunda parte da frase, que não há nada extraordinário neste processo das ações dos CTT.
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