Na busca das origens de um Portugal pobre
Uma investigação à história económica do país permite perceber que o século XIX foi, para Portugal, uma autêntica desgraça.
Em 1800, o rendimento por pessoa em Portugal era superior ao sueco ou ao alemão. Mas apenas um século depois, Portugal tinha o segundo rendimento por pessoa mais baixo da Europa Ocidental. Só a Grécia estava pior.
O rendimento português era, em 1900, menos de metade do que existe atualmente em Cabo Verde. Apenas alguns dos países mais pobres do mundo de hoje, como a Costa do Marfim, têm rendimentos reais inferiores, em termos reais, ao que Portugal tinha em 1900. Mesmo Marrocos agora tem mais de três vezes o rendimento real médio por pessoa que Portugal tinha nessa atura. Moçambique tinha em 2014 quase o dobro.
Sem dúvida, estas comparações são apenas aproximadas. Mas há duas conclusões que se podem inegavelmente tirar. Primeiro, ainda há pouco mais de um século, Portugal era um país verdadeiramente pobre. Segundo, o século XIX foi, para Portugal, uma autêntica desgraça.
Quais são as razões que podem explicar porque é que o século XIX correu tão mal para Portugal? O processo de divergência em relação ao resto da Europa não teria começado anteriormente? Estas são questões fundamentais para compreendermos toda a evolução da economia, da sociedade e da política portuguesa desde então. A discussão que será feita neste e em próximos artigos vai basear-se num novo trabalho científico, que poderão encontrar aqui.
Até há pouco tempo, não era possível saber quando é que Portugal se tinha tornado mais pobre que os outros países europeus. Teria sido sempre assim? Será que na época dos Descobrimentos, por exemplo, Portugal não teria estado melhor? Não era possível saber. É por isso que foi necessário calcular estimativas quantitativas de longo prazo que pudessem ser comparadas com as de outros países.
Quais são as razões que podem explicar porque é que o século XIX correu tão mal para Portugal? O processo de divergência em relação ao resto da Europa não teria começado anteriormente? Estas são questões fundamentais para compreendermos toda a evolução da economia, da sociedade e da política portuguesa desde então. A discussão que será feita neste e em próximos artigos vai basear-se num novo trabalho científico, que poderão encontrar aqui.
Neste novo trabalho, com Jaime Reis, calculamos o PIB português entre 1500 e 1850. É a primeira vez que isto é calculado. E temos estimativas anuais, o que se tornou possível graças aos trabalhos desenvolvidos no âmbito do projeto Preços, Salários e Rendas.
Em próximos artigos tentarei retomar vários aspetos deste trabalho, mas ficam aqui, para já, algumas conclusões importantes. Por exemplo, mostramos que existiu um período de cerca de 200 anos, aproximadamente entre 1550 e 1750, em que se registou um claro crescimento económico per capita.
De facto, na altura do terramoto, em 1755, o PIB per capita estava cerca de 70% acima do seu nível de 1530, o que corresponde a um crescimento de 0,24% ao ano. Esta taxa pode parecer baixa à luz do que estivemos habituados na segunda metade do século XX, mas era muito alta para a época.
O facto dessa taxa de crescimento ser bastante boa, no contexto de economias pré-modernas, é ilustrado por comparação com o trabalho de Gregory Clark, historiador económico escocês que trabalha numa universidade da Califórnia.
Num trabalho que está traduzido em português com o título “O Adeus às Esmolas”, este autor afirma que as economias pré-modernas não cresciam, a não ser por pequenos períodos de tempo, logo revertidos.
Clark insurgia-se assim contra as bem conhecidas estatísticas de Angus Maddison, de acordo com as quais a Europa Ocidental (incluindo Portugal) tinha crescido (em termos per capita) durante a época 1500-1820.
Numa recensão de um livro de Maddison, Clark escreveu uma vez que as estatísticas do primeiro eram tão falsas quanto as relíquias medievais. Tinha alguma razão em afirmar que as famosas estatísticas de Maddison tinham pés de barro. Estas eram, de facto, para o período antes de 1820, “guesstimates”, ou seja, essencialmente inventadas. Mas como um recente artigo documenta (também disponível em versão de acesso livre aqui), nos últimos 10 anos os historiadores económicos têm feito imensos progressos no sentido de obter estatísticas reais (incluindo a série de Jaime Reis e minha para Portugal que aí é citada, ainda em versão manuscrita) e os resultados têm sido mais próximos dos de Maddison do que dos de Clark.
O livro de Clark não deixa, apesar de tudo, de ser uma das obras mais importantes de história económica das últimas décadas. No entanto, no que respeita a Portugal, mostramos que Clark estava errado, à semelhança do que outros autores têm concluído relativamente a outras economias europeias.
Aliás, repare-se que, no caso português, não só há crescimento per capita, mas que ele se verifica ao mesmo tempo que um crescimento da população, durante um longo período de tempo (o que contradiz o modelo de Malthus).
Outros autores conhecidos, como Prescott e Hansen, ou Galor, também insistem, tal como Clark, que nunca houve crescimento sustentado per capita na Europa antes de 1800. A evidência que tem emergido nos últimos 10 anos não confirma, de todo, essa ideia.
Mas então como é que Portugal chegou ao século XX mais pobre que outros países da Europa Ocidental? A tabela acima, tirada do nosso trabalho, mostra o rendimento por pessoa em Portugal em unidades comparáveis no tempo e também com outros países (dólares “internacionais” Geary–Khamis de 1990). Como se pode verificar, não existiu qualquer divergência significativa entre Portugal e outros países europeus (com a excepção dos líderes, a Inglaterra e Holanda) até final do século XVIII.
Não queremos dizer, com isto, que a “semente” da divergência futura não pudesse já estar aí a ser plantada, tal como muitos dos problemas que estamos a verificar hoje na nossa economia são, em grande parte, um resultado de más decisões tomadas nos anos 80 e 90, quando Portugal estava a crescer bastante.
Mas sem dúvida que a divergência económica efetiva, relativamente a outros países, é essencialmente um fenómeno do século XIX. Deveu-se essencialmente à industrialização dos outros, que Portugal não acompanhou. A partir do século XIX a maior parte dos países da Europa Ocidental começaram a crescer muito rapidamente, enquanto Portugal, assim como o sul da Itália e, em menor grau, grande parte da Espanha ficaram parados.
Porque não foi Portugal capaz de proceder à sua industrialização e entrar na era de crescimento económico moderno na primeira metade, ou mesmo na segunda metade, do século XIX? Relembre-se que só a partir dos anos 50 do século XX é que este crescimento se inicia em Portugal.
Neste artigo centrei-me apenas na medição do crescimento do rendimento ao longo do tempo, o que é crucial para estabelecer factos. Antes de pensarmos em explicações, devemos ter os factos em mente. Em futuros artigos abordarei possíveis explicações.
Notas:
Este artigo foi atualizado na sequência da publicação do estudo de Palma e Reis no Journal of Economic History”
(1) Por “Alemanha” refiro-me à região correspondente ao que hoje se designa por Alemanha, que ainda não existia como país.
(2) Fontes: o artigo citado e o Maddison project.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Na busca das origens de um Portugal pobre
{{ noCommentsLabel }}