Portugal pode ter um melhor Estado

Há um problema de fundo que requer uma solução: A forma como o Estado está (mal) organizado, a indefinição de prioridades e o desperdício de recursos e endividamento que são um fardo para o futuro.

O Estado precisa de mudar e de ser renovado para que possa cumprir melhor a sua função de servir os portugueses. O que se passa na saúde, em que serviços essenciais não estão disponíveis, não é aceitável num país desenvolvido. Mas não é apenas na saúde que isso acontece: áreas como a educação, os apoios sociais, a coesão territorial, os transportes, a segurança pública, a justiça ou a defesa não estão a funcionar bem em Portugal.

Para renovar e fortalecer o Estado, é necessário que seja feita a sua reorganização, definindo com claridade e transparência quais são as funções que a sociedade lhe delega e alterando o seu desempenho no sentido de melhorar os serviços prestados à sociedade. Essa renovação deve assentar na ideia de que o Estado deve actuar no espaço que lhe é concedido dentro da supletividade e subsidiariedade constitucionalmente estabelecidas, assumindo-se como um parceiro no apoio ao desenvolvimento do país através dos serviços que presta à sociedade.

Esta necessidade fica bem patente se pensarmos que o Estado português gasta hoje quase 4 vezes mais do que gastava em 1974 face à dimensão da economia. Mas as duas últimas décadas demonstram que quanto mais o Estado cresceu, mais os serviços públicos se degradaram e mais o nosso nível de vida relativo aos outros países europeus diminuiu.

E isso acontece apesar de o Estado ter uma divida 5 vezes superior ao seu contributo para o PIB nacional, enquanto as famílias e as empresas, em conjunto, têm uma divida que é 2 vezes o seu contributo anual para o PIB. Por aqui se pode ver que, em relação à sociedade, o Estado produz mais dívida do que riqueza, consome recursos que estão muito acima da riqueza que gera e que, por essa via, está a transferir um encargo muito significativo para as actuais e próximas gerações, condicionando o crescimento e o desenvolvimento.

Para suportar este encargo, os impostos pagos são actualmente os mais elevados em toda a História de Portugal. Os portugueses, em média, entregam anualmente ao Estado 40% do seu rendimento (dois terços quando compram bens e serviços e metade desse valor em IRS). Todo este esforço financeiro não invalida a existência de uma insatisfação generalizada com a qualidade dos serviços públicos que, na maioria dos casos, se explica não pela falta de recursos, mas pela sua deficiente aplicação causada por más decisões e pela má organização do Estado.

A má organização levou à consequência irracional de que o endividamento elevado do Estado e uma dívida crescente e maior do que a dimensão da economia, agravada pelo recente aumento das taxas de juro, tornou o pagamento de juros da dívida maior do que as despesas realizadas com serviços públicos fundamentais como a educação.

Há um problema de fundo em Portugal que requer uma solução: A forma como o Estado está (mal) organizado, a indefinição em termos de prioridades e de objectivos a alcançar, a desadequação existente entre as suas estruturas e funcionamento e as necessidades que as pessoas querem ver satisfeitas, e as consequências no desperdício de recursos e endividamento que são um fardo no presente e para o futuro.

Renovar e fortalecer o Estado

As mudanças no Estado são necessárias para que a sociedade – famílias associações, empresas e outras entidades – tenha acesso a serviços de qualidade na saúde, na educação ou na justiça, e para aliviar o enorme esforço fiscal que os portugueses suportam e que os impede de poupar e investir, criando maior dependência, fragilidade e necessidade de apoio.

A renovação passa por várias mudanças estruturais que fortaleçam o Estado e que começam, em primeiro lugar, pela consciência de um desígnio e de uma direcção para o país que orientem os seus colaboradores, que não existiram nos últimos 8 anos, e pela organização e planeamento das atribuições e dos organismos que permitam percorrer esse caminho.

A sua renovação e melhor organização implicam que seja apurado o conhecimento rigoroso de qual o real contributo do Estado para o desenvolvimento e crescimento económico, permitindo identificar as fontes de dinamismo e de estrangulamento que traz à sociedade e à economia.

Este conhecimento permite orientar a renovação da estrutura do Estado para responder às necessidades da população, redefinindo o funcionamento da Administração Pública, as suas atribuições e o seu desempenho efectivo pela aplicação de uma abordagem orientada para a qualidade, eficiência e eficácia.

Desta forma são corrigidos os incentivos perversos identificados e eliminados os constrangimentos que existem e afectam o funcionamento de um Estado que deve cumprir as funções que justificam a sua existência. O seu serviço será melhor quanto mais o Estado se concentrar no que é importante para os portugueses.

Em segundo lugar é necessário que, no funcionamento do Estado, impere uma cultura de Iniciativa e recompensa, com autonomia e profissionalismo dos colaboradores do Estado e a avaliação sistemática das políticas públicas.

Um Estado que sirva requer colaboradores empenhados, qualificados e que se sintam recompensados pela nobre função de servir a sociedade. Para isso é necessário garantir autonomia aos serviços para dar os incentivos apropriados aos seus colaboradores e independência face ao poder político que os tente manipular em proveito próprio.

Os organismos precisam de ser robustecidos com pessoas mais novas, com melhores salários, com formação e qualificação, com carreiras simplificadas e com conhecimentos adequados a funções que são cada vez mais de base digital e menos de base analógica. E é necessário recuperar a ética de serviço público e impedir as nomeações políticas e de amigos para lugares de direcção. Nos últimos 8 anos as nomeações políticas foram alargadas aos dirigentes intermédios, minando desta forma toda a autonomia da Administração Pública, que, em muitos casos, passou a fazer vénias ao poder em vez de se focar no serviço aos portugueses.

O bom funcionamento dos serviços públicos, e a sua autonomia e independência, dependem da renovação no seu funcionamento e das formas de contratação e de promoção de dirigentes e colaboradores, requerendo que a segmentação existente entre emprego público e privado, que impede o Estado de se reforçar com recursos qualificados e especializados, seja eliminada.

Para que isso seja possível é necessário haver objectivos e indicadores bem definidos que traduzam uma direcção para o país, que valorizem as funções de soberania – defesa, segurança, justiça, diplomacia – e possibilitem uma avaliação a todos os níveis: dos efeitos das políticas delineadas e executadas; do funcionamento de todas as entidades do Estado; do desempenho de dirigentes e colaboradores que premeie os melhores e não penalize os competentes.

Esta avaliação não pode limitar-se a ser uma produção anual de relatórios sem utilidade, como continua a ser o SIADAP depois das alterações esta semana introduzidas, e tem de ter consequências reais que levem à revisão exaustiva da legislação, visando a sua simplificação e orientação para quem com ela lida diariamente – as pessoas e as empresas e outras entidades – e valorizando a previsibilidade regulamentar baseada no bom senso e em princípios gerais.

Finalmente, em terceiro lugar, a renovação tem de aprofundar a descentralização e autonomia locais, em que a proximidade é essencial para uma resposta adequada por parte da estrutura do Estado. Para isso é necessário concretizar uma efectiva transferência de competências e de recursos para níveis locais, de modo a permitir à população ver os benefícios concretos dos impostos que paga e reduzir a desertificação das zonas rurais.

Isso deve acontecer nas políticas públicas em que é visivelmente vantajoso que as decisões sejam tomadas localmente porque há percepção mais exacta das necessidades das pessoas, como acontece em diferentes áreas da saúde, da educação, da segurança ou da acção social, e é a melhor forma ter uma definição adequada das atribuições do Estado e uma avaliação do seu desempenho, e de responsabilizar dos seus dirigentes relativamente às decisões tomadas.

Deste modo podem implementar-se mecanismos que incentivem os organismos do Estado a abandonar práticas burocráticas que colocam obstáculos ao funcionamento da sociedade e ao desenvolvimento, sendo também uma forma óbvia para sublinhar a recusa de um Estado centralizador e fomentador de dependências, de clientelas e de corrupção, e de uma regionalização encapotada em entidades intermédias entre o poder central e local.

Uma autonomia local com iniciativa e incentivos que a recompensem possibilita um Estado que preste um serviço que respeite as pessoas e não as obrigue a esperar horas a fio para serem atendidas na marcação de consultas, na renovação de cartões ou no contacto com os serviços de segurança social, que tenha decisões mais rápidas na justiça, que não obrigue os professores a mudarem de residência anualmente e dê mais estabilidade na educação, que controle as entradas no território nacional e que seja mais assertivo e determinado a fazer respeitar a lei.

Um Estado que funcione em aliança com instituições, empresas e famílias no fornecimento de serviços de saúde, de educação e de acção social que garantam uma vida digna a todos, que coopere com privados sempre que isso represente um melhor custo e serviço para o contribuinte, que não se substitua à sociedade na gestão de negócios e que evite decisões irresponsáveis que desperdiçam recursos (e.g. PT, TAP ou Efacec), que recuse um igualitarismo e um ensino assentes em doutrinação ideológica, que liberte da asfixia legal e burocrática e limite a incerteza legal e fiscal, e que pague a horas a empresas e famílias.

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