Quando a nova geração não quer preservar o legado familiar
Para a geração seguinte faz mais sentido reter e desenvolver o negócio do que vender e investir em private equities, que não é mais do que uma grito do Ipiranga e uma manifestação de ego.
Ano após ano há sempre mudanças de posição no ranking de bilionários a nível mundial. Mas 2023 traz um novo paradigma – a emergência de dezenas de novos bilionários, resultante não do crescimento dos seus grupos empresariais… mas sim dos ativos herdados dos seus progenitores.
Este fenómeno não tem à partida nada de especial – no caso dos grupos familiares há simplesmente a natural transição de ativos de uma geração à geração seguinte. Mas a situação é bem mais complicada, sobretudo para os acionistas de grupos familiares apostados na preservação da sua obra para a geração seguinte – um estudo da UBS divulgado há semanas mostra que na maioria dos casos a nova geração vê maior criação de valor libertando-se dos ativos herdados e passando de empresários a gestores de fortunas, espalhando investimentos por várias classes de ativos, montando muitas vezes estruturas de de Family Office para o efeito.
O relatório Billionaire Ambitions 2023 da UBS, recentemente publicado para o período de 12 meses terminado em Abril de 2023, registou 2.544 bilionários a nível mundial, um aumento de 7% face ao período anterior. O relatório regista 84 novos bilionários self made com 140,7 biliões USD – a par de um pequeno grupo de 53 pessoas que herdou um total de 150,8 biliões USD no período. Foi a primeira vez que o valor herdado foi maior do que o valor “construído” desde que o UBS começou a publicar o relatório, há nove anos.
À medida do crescimento de ativos privados nas principais economias desenvolvidas e do envelhecimento da atual geração de acionistas no poder, o valor acumulado por novos bilionários através de herança tem uma tendência de crescimento natural. A UBS espera que ao longo dos próximos 20 a 30 anos mais de um milhar de bilionários passem cerca de 5,2 biliões USD aos seus descendentes, “um valor brutal sob qualquer perspetiva”, e considera que esta geração vindoura tem ideias novas sobre setores de negócio, investimentos e filantropia, alienando ativos históricos da Família e redirecionando a riqueza para novas oportunidades de negócio “que melhor refletem os tempos atuais”. Outros preservam os ativos herdados, mas embarcam em carreiras mais alinhadas com as suas ambições – e se for grande parte do capital a fazer isso há uma erosão que conduzirá à alienação do legado mais cedo ou mais tarde.
A estratégia de investimento da nova geração abrange não uma presença proeminente num dado setor como a que terão herdado, mas uma multiplicidade de classes de ativos, em particular private equity, a classe preferida de 83% da nova geração pela combinação de retorno, visibilidade e diversificação. A geração atual não está tão entusiasmada com a exposição a private equity como a geração vindoura, o que é natural – o private equity da geração atual tende a ser o seu próprio negócio. Os herdeiros estão mais dispostos a investir em fundos de capital de risco porque regra geral o capital herdado está a ser rentabilizado de forma segura e querem complementar com uma fonte de rendimento extra.
Neste contexto, ao longo dos próximos anos vamos assistir gradualmente a uma mudança de paradigma em termos globais. A atratividade, e mesmo a noção de dever familiar, em preservar o grupo empresarial familiar herdado vai continuar a reduzir-se. Isso vai levar gerações de empresários a evoluir para gerações de gestores de fundos, com as naturais implicações que isso vai trazer no tecido económico em geral – com private equities a dominar cada vez mais o tecido do que foram empresas familiares de média e grande dimensão. E no universo dos herdeiros e dos herdeiros destes, o foco no aumento da património herdado das gerações anteriores passa a ser o novo paradigma de gestão de riqueza.
Não é fácil, mas é obviamente possível contrariar esta tendência e preservar os ativos de um Grupo Familiar sob controlo e fortalecimento na geração seguinte. Na ARBORIS e nesta coluna não nos temos cansado de frisar a importância do Protocolo de Família e do Conselho de Família em Grupos Empresariais Familiares para garantir um envolvimento e uma proximidade da próxima geração ao negócio. Tem de se criar um elo de estímulo profissional, de ligação emocional e de compromisso com a preservação do controlo do negócio nas mãos da Família.
Conseguir esta preservação faz todo o sentido para todos porque está comprovado que o controlo familiar do negócio é a melhor forma de o desenvolver e, sobretudo, de criar riqueza para os descendentes – ou seja para a geração seguinte faz mais sentido reter e desenvolver o negócio do que vender e investir em private equities, que não é mais do que uma grito do Ipiranga e uma manifestação de ego.
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