A AD deve ser um projecto de resistência com uma ideia para o país. Sem tédio ou desalinho, falem de coisas possíveis para a prosperidade de um país real.

A “Convenção por Portugal” está parada no tempo político de um país que já não existe. Reunir “personalidades”, procurar um “novo segundo impulso”, apelar a uma “sociedade civil” fragmentada, esmagada pelas ilusões e desilusões democráticas é um exercício perigoso. O que se discute hoje é o lugar da AD enquanto grande projecto democrático para federar as direitas. A grande questão é a arma de uma ideia para o país, não o desfile pronunciado de vultos do passado.

Quando parte da direita portuguesa está à direita da AD, quando o colectivo da esquerda alimenta um ódio pouco democrático à AD, as propostas políticas devem voar como manifestos sobre um país futuro e com futuro. A “Convenção por Portugal” falha na definição de uma identidade política adequada ao “processo revolucionário em curso”. E revolucionário porque a democracia portuguesa está a entrar numa zona de “indeterminação radical” em que o resultado final do processo político e das eleições pode ser uma “aventura incontrolável”. A “Convenção por Portugal” mais parece uma cerimónia de “deliberação sobre o supérfluo” enquanto o país acelera para a ingovernabilidade. O passado é um país distante, uma estátua no lobby para inspiração, nunca o mérito capital para resolver o ressurgimento da política em modo de aniquilação real.

A democracia portuguesa está cansada. A democracia portuguesa vive num círculo vicioso de alternância sem alternativa. A democracia portuguesa oscila entre a “mexicanização” e as novas soluções pós-ideológicas. Os portugueses não apreciam a mudança, não sofreram as grandes mudanças do século. Os portugueses anseiam pela ordem, pela segurança, pela certeza de uma vida estável até ao fim do mês. Os portugueses sonham com a estabilidade e a dignidade no tempo da reforma. A pensar na classe média, o país não consegue deixar de ser uma “coutada dos interesses”, em que um núcleo duro de democratas certificados distribui as rendas da nação. A democracia portuguesa na sua configuração macro só vê “negócios públicos” e esquece-se que existe um Portugal micro em cada casa hipotecada a um banco com juros impossíveis.

Na retórica oficial, a democracia não se dirige à geração que produz a riqueza da nação, nem à geração mais velha acorrentada a um assistencialismo a tocar a pobreza, pois a mitologia dos jovens domina as falsas preocupações democráticas. Com um país estagnado e uma geração jovem qualificada, os jovens emigram para a Europa. Em Portugal ficam os velhos, os que não têm qualificações, os que passaram a idade dos sonhos, os acomodados vencidos pela vida. Um retrato negro do país? Talvez sim, talvez não. O fundamental é que o sushi é entregue a horas e à porta de casa por um migrante ou refugiado nepalês encharcado pela intempérie de um país sem ambição e sem vergonha. Este país não está na “Convenção por Portugal”. Porque este país é o novo velho Portugal que a democracia tem ignorado e continua a ignorar.

Na sombra de um velho Portugal que a democracia julga ter erradicado, surge então a sombra do Chega. Hoje é impossível falar do país político sem falar de um fenómeno que tem como propósito perturbar, provocar, gerar um movimento político típico da direita radical, anti-liberal, anti-democrático, anti-establishment.

O Chega na sua Convenção mostra ser um partido típico da grande família populista herdeira de uma direita radical ressentida e revanchista. Não é a direita radical dos anos 30, a tocar o fascismo e as ideologias mais extremas contra a “decadência da democracia”. Identificado com a ideia da “decadência democrática”, o Chega ameaça uma democracia sem memória que não sabe como combater esta explosão do “regresso do político” em que o outro lado é simplesmente o “inimigo”.

A vitória do Chega é erradicação da AD. A vitória do Chega é a absorção da AD. Livre das convenções ideológicas, o Chega explora todos os ressentimentos, todas as debilidades e fala directamente aos portugueses sem intermediários no jogo das “verdades alternativas”.

Liderado por uma “besta das palavras”, liderado pelo carisma de um “rufia das ruas”, liderado por um “demagogo demiúrgico”, o Chega assusta a democracia que se defende com lugares comuns enquanto revela todas as suas fragilidades. O Chega pretende um assalto eleitoral à democracia de Abril. Ganhar o regime para mudar o regime. Nada de “levantamentos fascistas”, nada de ditaduras, mas todo o condicionamento das instituições sem memória histórica desta “determinação radical”. A violência ainda é simbólica, mas a transformação de um movimento político em movimento social promete a violência na rua e os dias em que a democracia se rende à sua própria impotência. A resposta a esta política não está na “Convenção por Portugal”. Não está em lado nenhum na democracia.

A democracia portuguesa não pode refugiar-se no “niilismo adolescente” centrado na eterna promessa de Abril. A AD, depois da cerimónia da “Convenção por Portugal”, deve ser um projecto de resistência com uma ideia para o país. Sem tédio ou desalinho, falem de coisas possíveis para a prosperidade de um país real.

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Chega de AD

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