Brilharete de Medina na dívida tem truque, mas não deixa de ser importante
A meras semanas das eleições, não é preciso ser adepto de teorias de conspiração para pensar no 'timing' das operações 'especiais' para cortar a dívida. É claro, no entanto, que resultaram.
Num início de discurso que não seria desadequado numa cerimónia dos Óscares, Fernando Medina começou por agradecer o ‘pai’ (António Costa) e os ‘irmãos mais velhos’ (Mário Centeno e João Leão), por terem aberto o caminho para o sucesso. Foi o ainda primeiro-ministro que definiu o caminho de redução do rácio da dívida pública e deu condições para ser assegurada, disse o ministro das Finanças, reservando ainda palavras de elogio para cada um dos antecessores, Centeno pelo início do processo e Leão pelo retomar da descida depois de 2020.
Feitos os agradecimentos, o foco voltou ao ministro para quem as contas certas foram um mantra e a baixa da dívida pública uma das grandes reformas dos últimos anos. No Salão Nobre do Ministério das Finanças só faltou uma volta da vitória aos ombros dos secretários de Estado e assessores para celebrar a 100% o feito de o rácio da dívida pública face ao PIB ter descido abaixo dessa percentagem (ficou nos 98,7%) em 2023, um ano antes do que era previsto pelo Governo há apenas meses.
O resultado foi obtido em função de vários fatores. O crescimento da economia, a inflação alta e saldos primários positivos ajudam sempre o esforço de desalavancagem financeira. Há também a gestão da tesouraria, e Medina não se esqueceu de agradecer também a Miguel Martín, presidente do IGCP, pelo contributo. Essa gestão foi especialmente hábil na fase final do ano passado. Foi montada uma “operação especial” que passou pelo pagamento das dívidas dos hospitais, a amortização antecipada de dívida das empresas públicas, e a recompra de dívida aos bancos e seguradoras pelo Estado, com os banqueiros a cooperarem naquilo que viram como um “desígnio nacional”. Além disso, a emissão de Obrigações do Tesouro foi inexistente no último trimestre do ano, enquanto só no primeiro mês deste ano atingiu os 3.600 milhões de euros.
Não é preciso ser adepto de teorias de conspiração para pensar no timing destas operações. O país está a pouco mais de um mês de ir às urnas e cada partido tem de usar o que tem e pode, é normal. Em qualquer caso, com ou sem ‘truque’, a notícia é muito importante. É verdade que a imagem degradada de um país altamente endividado e cujas finanças públicas eram mal geridas já estava bastante ultrapassada, fruto de bom trabalho do Governo de Pedro Passos Coelho e depois dos de António Costa. Tanto para investidores, como se vê nas taxas de juro comparativamente melhores que Portugal consegue dos que as da vizinha Espanha, como para os decisores europeus (agora chovem elogios quando antes recebíamos raspanetes), a perceção de risco do país já é muito diferente do que era há 10 anos. As agências de notação também já perceberam e quase todas colocam Portugal no patamar A.
O caminho da recuperação não está percorrido na totalidade, claro, mas a descida para dois dígitos na dívida é importante. Tal como Medina sublinhou, permite poupar nos juros, pagando menos e mais baixos, e libertar recursos para investir no país ou apoiar os cidadãos. Em termos de perceção externa, só pode ajudar no rating e nos mercados.
Em termos internos, o brilharete incluiu um aspeto que permite ao PS placar a oposição, especialmente o PSD, na principal crítica que vinha sendo usada para relativizar o percurso da descida do rácio da dívida pública face ao PIB, que não vinha acompanhado de uma queda no valor absoluto da dívida. Podemos criticar o oportunismo do truque, mas o facto é que o Governo conseguiu reduzir a dívida em 9,4 mil milhões de euros no ano passado, desarmando a oposição. Já que começámos com agradecimentos, Pedro Nuno Santos diz obrigado.
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