Francisco Assis: “Com esta subida do Chega, PS deve preparar-se para governar em minoria com acordos com PSD e CDS”
Francisco Assis é o convidado de mais um episódio do podcast 'Mistério das Finanças', com os jornalistas Pedro Santos Guerreiro e António Costa.
Em entrevista ao podcast “O Mistério das Finanças”, do ECO, Francisco Assis admite “uma reconfiguração radical do sistema partidário” que sugere outros cenários além do da geringonça (se houver maioria de esquerda) ou de aliança AD e IL (se houver maioria de direita sem o Chega): O de um Governo do PS semelhante ao de Guterres de há mais de duas décadas, minoritário, monopartidário, com acordos ao centro com CDS e PSD. Até por isso, o PS deve deixar de chamar “diabo” ao PSD. E vice-versa: para manterem pontes que poderão ter de usar depois.
Assis é o cabeça-de-lista do PS às eleições de 10 de março pelo círculo do Porto e o primeiro socialista de destaque a analisar os resultados da sondagem da SIC/Expresso, que mostra intenções de voto de 21% no Chega, próximo dos 27% na AD e 29% no PS. Em entrevista esta quinta-feira de manhã no podcast “O Mistério das Finanças” (que pode ouvir na íntegra), Assis abre assim um cenário de centro que não tem ocupado o discurso oficial, que tende a dividir-se numa luta de esquerda contra direita.
“Nós podemos estar de novo confrontados com uma situação em que tenha de haver um diálogo muito maior entre o PS e o PSD e o CDS”, diz Francisco Assis. “Isso foi uma coisa que caracterizou as primeiras décadas da nossa vida democrática e é algo que se poderá ter de recuperar. E olho para isso não com preocupação mas, pelo contrário, acho que é próprio de uma democracia madura, de uma democracia estabilizada, ter encontrado as melhores soluções em cada momento.” Ou seja, não um bloco central (aliança formal entre PS e AD), mas governar em minoria fazendo acordos parlamentares ao centro, como aconteceu nos tempos de António Guterres: “Essa é uma possibilidade que claramente já foi testada no passado e funcionou”, responde Francisco Assis. E sabe do que fala: foi líder parlamentar no governo de Guterres.
“Esta sondagem aponta para uma reconfiguração radical do sistema partidário, com consequências ao nível do funcionamento do sistema política em geral. A concretizar-se, significará uma alteração profunda do panorama político português”, reconhece.
E que reconfiguração é essa, se se confirmar nas eleições de 10 de março? Francisco Assis defende “um compromisso que entre os partidos demoliberais, ou seja, os que se reconhecem “neste modelo de regime em que vivemos, com todas as suas lacunas e dificuldades, mas que é sem sombra de dúvidas o melhor modelo de regime que a humanidade já foi capaz de conceber”: conversarem “uns com os outros”.
“Não vou dizer se devemos viabilizar o governo deste ou daquele, ou se os outros devem estar obrigados a viabilizar um governo do PS”, mas “nenhum partido está acima do regime democrático” e todos “têm a obrigação de concorrer para a preservação do regime democrático e para a qualificação da nossa democracia”.
Não culpar os eleitores…
Um resultado semelhante ao das últimas sondagens, com crescimento muito pronunciado do Chega, significaria em primeiro lugar “um profundo descontentamento de largos sectores da sociedade portuguesa em relação a aspetos importantes do próprio funcionamento do regime”, admite Assis. Que recomenda: “Nós não podemos cair na tentação de culpabilizar as pessoas, de ir a correr dizer que aqueles que votam neste ou naquele estão todos errados, não compreendem minimamente a realidade, e são pessoas quase incapazes de exercer democraticamente e de forma responsável o seu direito de voto. Não, isso é a pior forma de tratar dos assuntos, há que ter respeito pelos eleitores, mesmo quando combatemos os partidos em que eles votam”. Até porque “essas pessoas no passado votaram noutros partidos e nessa altura não dizíamos que votavam mal”.
Mas “é evidente que isto também aumenta a responsabilidade”, diz. “Esta campanha eleitoral decorre num contexto excecional, tem de haver um particular respeito pelos nossos adversários e deles para connosco, uns com os outros, não somos inimigos uns dos outros, esta campanha tem de se travar com elevação, até para prestigiar as instituições democráticas. Temos de dizer com clareza o que pensamos sobre o país – o que está mal, o que está bem, o que queremos mudar e o que queremos continuar -, cada partido político, cada coligação tem o dever de apresentar com toda a clareza ao país o que se propõe fazer, que programa eleitoral é que tem, mas sempre com um grande respeito, uma grande preocupação em manter um nível muito elevado no debate pré-eleitoral.”
… nem dinamitar pontes
Ou seja, o próprio PS não deve tratar o PSD como inimigo mas como adversário, até porque ambos podem acabar por terem de falar um com o outro. “Penso que o PS, nos últimos anos, nalguns momentos, dirigiu-se ao PSD e ao CDS de uma forma que não era a forma mais adequada. Com uma cedência à tentação de demonização dos partidos de direita democrática.” Ora foi isso que aconteceu no Congresso do PS de janeiro, quando António Costa disse que “o diabo é a direita” no seu discurso. “É uma frase em que obviamente não me reconheço, nunca me reconheci nesse tipo de declarações e disse-o em privado e publicamente várias vezes. Julgo que isso foi um erro”, responde Assis.
Quem chamou a troika? “É preciso verdade”
Os ataques entre PS e PSD passam amiúde pela disputa sobre a assinatura da austeridade. Assis apela a que se fale a verdade.
“Em 2010, 2011 quem teve de negociar com a troika o Programa de Assistência Financeira ao Estado Português foi o governo do Partido Socialista. Quem iniciou uma política de austeridade na altura foi um governo do Partido Socialista – eu era líder parlamentar nessa ocasião histórica, recordo-me bem do que foi e das circunstâncias em que o tivemos de fazer. E se considero que uma parte significativa da direita portuguesa faz uma apreciação pouco séria do se passou então no que levou a essa situação, também devo dizer que em muitos momentos o Partido Socialista não agiu da forma mais correta na forma como tentou imputar em absoluto ao PSD e ao CDS a responsabilidade do que se estava a passar”.
Assis exemplifica com o seu próprio caso: durante o governo de Passos e Portas, criticou muitas vezes “mas nunca cometi o erro de lhes atribuir determinados intuitos que notoriamente não tinham. E o PS entretanto regressou ao poder em 2015 e a partir de certa altura também pareceu exagerado e errado estar sistematicamente a insistir nos males dos quatro anos da governação da direita e portanto todas as responsabilidades pelo que de maus existia no nosso país.”
É pois preciso “falar verdade”, é isso que as pessoas esperam. “Falar verdade não é transportar consigo uma verdade absoluta, é não deturpar os factos, é fazer uma descrição exata da realidade e assumir as nossas posições”.
Cenário 1: acordos ao centro
Portugal não está condenado ou a um governo de direita ou a ter um governo com uma geringonça, defende Assis, “não creio que a situação seja assim tão simples e estas sondagens apontam para isso”.
Quando foi líder parlamentar com António Guterres, o PS não tinha maioria absoluta, “pelo contrário, nós não conseguíamos aprovar nada sozinhos”, recorda. Guterres foi primeiro-ministro “nunca tendo tido maioria absoluta e com um governo monopartidário, [e] foi possível estabelecer entendimentos no plano parlamentar com outros partidos políticos, umas vezes com o CDS, noutros casos com o PSD. Esses entendimentos incidiam sobre o documento fundamental que anualmente é aprovado – que é o Orçamento do Estado”.
Ou seja, infere-se, no cenário de PS ganhar e a maioria ser de direita, o PS, o PSD e o CDS devem estar disponíveis para negociar as aprovações de Orçamento do Estado.
Cenário 2: geringonça
Se o PS ganhar e houver maioria de esquerda, não há grandes segredos escondidos: renegocei-se uma geringonça à esquerda. Até porque “já temos uma experiência histórica”.
Assis foi um crítico da geringonça, mas agora vê nela virtudes. E explica a mudança: “tive um grande receio que, de alguma maneira, alguns dos nossos compromissos no plano europeu viessem a ser postos em causa por esse acordo. Até porque, numa certa altura [houve] um momento Syriza no Partido Socialista, em que alguns dos mais altos dirigentes do PS faziam declarações e manifestavam até algum fascínio por esse momento Syrisa, até que ele se desvaneceu completamente quando o próprio Syrisa se reorientou politicamente e praticamente se tornou a dada atura partido centrista, um partido de centro-esquerda”.
Mas “as minhas preocupações maiores em relação à geringonça não se verificaram. Foi um período de estabilidade política. Há que reconhecer até que a existência de dois partidos política a acompanhar o PS de alguma maneira acabou até por favorecer essa mesma estabilidade política, porque o PS de certa maneira tinha a obrigação de estar permanentemente a prestar contas no plano parlamentar. E foi um período até mais estável do que o período em que o governo governou agora, recentemente, com maioria absoluta.”
Agora, “os portugueses já sabem, quando votarem no dia 10 de março no PS, que essa é uma possibilidade, ninguém vai ser enganado”.
Cenário 3: maioria AD + IL
E se houver uma maioria da direita democrática? Que posição deve assumir o PS?
“Isso seria uma situação nova do ponto de vista da política”, responde Assis, realçando que essa solução nunca foi testada. Mas “pela mesma razão que entendo que, em relação ao PS, a direita democrática não pode estar absolutamente fechada, a esquerda democrática também não pode estar absolutamente fechada” a uma governo AD e IL, se esta combinação tiver maioria sem o Chega.
Conclusão: “Temos de ter noção de que a realidade política portuguesa sofreu ou pode sofrer uma alteração de tal ordem que os partidos têm de estar disponíveis para dialogar uns com os outros, todos os partidos democráticos”, sintetiza Assis.
“Nós neste momento não devemos dizer ‘vamos viabilizar isto ou aquilo’, porque não sabemos até em que termos é que os partidos estariam dispostos a negociar uns com os outros; mas há uma obrigação que temos de dizer, a de dizer que, por definição e por princípio, ‘nós não vamos inviabilizar qualquer solução que seja uma solução democrática’ e que seja uma solução que concorra para a salvaguarda do regime democrático em Portugal”.
“O Mistério das Finanças” é um podcast semanal do Eco, apresentado pelos jornalistas António Costa e Pedro Santos Guerreiro. Ouça este e outros episódios nas plataformas habituais de podcasts.
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