Empresas de hoje são criadas a pensar no “exit”, dizem fundadores do Grupo Primavera

A venda da Primavera protagonizou o maior negócio no setor tecnológico em Portugal, dizem os fundadores. José Dionísio e Jorge Batista, que levaram 30 anos a vender, criticam modelo de ganhos rápidos.

A partir de Braga, José Dionísio e Jorge Batista criaram a Primavera, líder no setor de soluções de software para empresas, que atualmente faz parte de um dos gigantes do setor a nível global. Trinta anos depois, e concluído, há cerca de três meses, o processo de saída definitivo da empresa — sempre disseram que não seria um negócio familiar –, a dupla faz o paralelismo com a cultura empresarial de hoje, sobretudo no setor tecnológico. E o que veem é muito diferente: agora, as empresas são criadas a pensar no “exit.

“Há uma grande diferença das empresas constituídas agora para terem sucesso e as que se constituíam há muito tempo atrás”, começa por referir Jorge Batista, um dos fundadores do Grupo Primavera, uma das empresas tecnológicas com maior sucesso no país. Para o empresário, as empresas “que são constituídas agora são muito pensadas para vender. Parece que os empreendedores não pensam noutra coisa a não ser no exit. Há 30 anos criavam-se empresas para criar valor.”

José Dionísio, o seu parceiro de negócios, concorda: “A partir do momento em que entra o capital de alguém de fora, capital de risco, é para daí a quatro anos sair com uma grande vantagem. É para haver um exit. E depois outro exit daí a quatro anos.” Para José Dionísio, este modelo é alimentado, desde logo, pelo capital destas empresas tecnológicas ser na sua maioria estrangeiro.

A partir do momento em que entra o capital de alguém de fora, capital de risco, é para daí a quatro anos sair com uma grande vantagem. É para haver um exit. E depois outro exit daí a quatro anos.

José Dionísio

Empresário e Fundador do Grupo Primavera

“Uma empresa que vá mostrando que está a crescer muito, aparece logo um fundo que a quer comprar. Os fundos estão a adquirir as melhores empresas portuguesas em todos os setores. A concentração está a ser feita em capital que vem de fundos”, justifica. Um tipo de financiamento que está a dominar o mercado e a alterar a lógica empresarial: “Vejo-me rodeado de fundos. Não há outro dinheiro. Não se fala de ir buscar dinheiro ao banco, a uma pessoa que tem posses”.

Para Dionísio, este modelo empresarial “gera uma economia menos respeitadora das pessoas, não se admite tantas quebras no negócio ou nos rácios, porque daqui a quatro anos ‘tenho que ter tudo muito bonitinho para vender’.” E, “no meio disto tudo, há muito trambolhão, muito desastre, muito dinheiro perdido. Há uma tendência de gerir o dinheiro dos outros, isto é muito diferente de gerir o próprio dinheiro.”

A comentar a recente crise na Farfetch, José Dionísio reconhece que “o que aconteceu [com a Farfetch] é fruto dessa lógica, em que tudo pode acontecer”. “Se o capital vem dos EUA, lá de fora, a forma como se olha para o capital não é a [lógica] da terra”, reconhece. No final, “as empresas nascem, crescem, ou são vendidas ou morrem“.

De Braga para o mundo

E foi também isso que aconteceu com a sua Primavera, do José Dionísio e do Jorge Batista, a empresa que criaram em 1993, em Braga, e venderam em 2021. Depois disso ficaram ainda mais dois anos na empresa, a liderar uma integração ibérica, e, um ano após a venda ao fundo britânico Oakley Capital Investments, testemunharam a integração no Grupo Cegid, um dos gigantes de software mundial.

Saíram da gestão da nova empresa, a Cegid Primavera, no final do passado mês de outubro, mas mantêm-se acionistas, com uma percentagem de capital “residual” num grupo que hoje vale milhões de milhões. O Grupo Primavera foi “um projeto construído muito na base da inovação, diferenciação, chegar primeiro e de forma diferente”, explica Jorge Batista, acrescentando que foi, contudo, “um projeto construído sempre pensando que não seria um projeto familiar” e, em determinado momento da sua existência, seria vendido.

Esse momento chegou há dois anos. “Em 2021 aparece uma proposta que nos tirou do sério por vários motivos. Era um projeto que nos permitia dar continuidade a tudo que queríamos – uma organização que apostou no modelo de negócio indireto, que apostou na tecnologia, com canal de parceiros muito forte. Essa organização precisava de mercados, estava limitada ao mercado português e africanos“, destaca Jorge Batista. “Precisava explodir“, complementa José Dionísio.

Além disso, “a Oakley lançou-nos o desafio de participarmos num projeto de consolidação na Península Ibérica. Não só isso nos permitia amplificar o mercado cinco vezes, pelo menos, como nos permitia também levar toda a nossa tecnologia, modelos de negócio, frameworks de trabalho, e pô-los ao serviço de um projeto ibérico”, conta Jorge Batista.

“O projeto era aliciante, estávamos a aprender muito, nos últimos nove meses antes da venda e no primeiro ano. Fomos jogar numa Liga de Campeões e perceber este setor noutra forma”, enquanto administradores do grupo ibérico, acrescenta José Dionísio. A par desta experiência internacional, coube a Jorge e a José “adaptar a Primavera no grupo”. Um processo que deram por terminado em outubro, com a saída de funções executivas, mas mantendo interesses no capital. “Somos acionistas passivos, mas continuamos a ter interesses na Cegid“, refere José Dionísio.

José Dionísio (D) e Jorge Batista (E), fundadores do grupo PrimaveraRicardo Castelo/ECO

Até chegar à integração da Primavera na Cegid levou quase três décadas. Amigos desde os tempos da universidade, colegas de casa e parceiros nos negócios — agora seguem juntos na criação da Fundação Primavera — Jorge e José identificaram uma oportunidade de negócio e no espaço de poucos meses lançaram uma empresa.

A grande oportunidade [para lançar a Primavera] é o facto de haver uma grande disrupção tecnológica nesta altura, entre 1990 e 1995, o aparecimento do sistema operativo Windows. Isso deu-nos o mote para fazermos o projeto, para fazermos soluções de software para as empresas baseadas neste sistema operativo Windows“, explica Jorge Batista, remontando às bases da criação do Grupo Primavera. Mas, primeiro foi preciso confirmar que estavam no caminho certo.

“Fizemos uma viagem a Paris de carro, dois dias para cada lado. Paris era um centro de conhecimento da tecnologia na Europa. Quase tudo o que era novidade se mostrava nas feiras em Paris”, conta Jorge, acrescentando que, após terem marcado presença neste evento e marcado reuniões com empresas francesas, confirmaram que estavam “no bom caminho”.

Daí até lançarem a empresa foi um salto. “Quando regressámos, ficámos sem grandes dúvidas de que tínhamos uma boa oportunidade. Fechámo-nos três ou quatro meses a fazer o primeiro produto: gestão de contabilidade para profissionais liberais. E, em janeiro, abrimos a porta e começámos o nosso processo de comercialização”, recorda.

O facto do primeiro produto criado pela empresa ser um bestseller” – no primeiro ano vendeu cerca de 2.000 cópias, com uma faturação de cerca de 100 mil euros – serviu de alavanca à Primavera para crescer e lançar novos produtos.

Nos primeiros quatro anos tivemos a sorte de estar sozinhos no mercado – ninguém acreditava muito no Windows a não ser nós próprios – e isso permitiu-nos construir um núcleo de produtos muito forte que permitia completar todas as listas de tarefas dentro de uma empresa.

Jorge Batista

Empresário e Fundador do Grupo Primavera

“Nos primeiros quatro anos tivemos a sorte de estar sozinhos no mercado — ninguém acreditava muito no Windows a não ser nós próprios — e isso permitiu-nos construir um núcleo de produtos muito forte que permitia completar todas as listas de tarefas dentro de uma empresa“, refere Jorge Batista, adiantando que os primeiros “quatro anos ficaram muito associados a uma liderança da Primavera nesta área que era nova”.

“Apareceu-nos esta janela, que é o Windows, como há uns anos apareceu outra janela que é o software na web, e está a abrir-se agora esta da Inteligência Artificial”, refere José Dionísio, acrescentando que este foi um “projeto [feito] por duas pessoas que não tinham meios financeiros, tinham conhecimento” e tinham, sobretudo, um grande entendimento entre si.

“Há uma química, uma relação entre os dois”, realça José Dionísio, lembrando, porém, que para que tudo corresse bem instituíram regras, algumas quase estatutárias, como manter fora da organização família e amigos – “nem o contabilista era amigo”. “Nem sempre foram flores”, brinca Jorge Batista.

Segundo José Dionísio, privilegiaram “uma gestão muito colaborativa, que é muito distinta das multinacionais, que é mais diretiva”, chamando muitas pessoas a dar o seu contributo para a decisão. “18 pessoas tinham interesse acionista.”

“Procuramos gerir a organização de uma forma mais profissional ainda, fazendo com que pequenos acionistas sentissem que tinham um papel na organização”, acrescenta Jorge Batista, realçando que “esses acionistas também eram quadros da organização e participavam da decisão. Fomos construindo um núcleo de decisão bastante coeso, muito alinhado na estratégia e capaz de nadar sozinho.” E foi essa Primavera que entregaram, em 2021, à Oakley. Uma empresa com cerca de 350 pessoas e 40 mil associações em Portugal e nos PALOP a usar os seus produtos.

Segue-se agora outra Primavera, que vai abrir a janela da filantropia, através da Fundação que ambos estão a constituir e que vai arrancar com três milhões de euros, tendo como foco combater os problemas de idosos e crianças em situações de vulnerabilidade.

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