Tabagismo: quais as soluções?
Robert Beaglehole, presidente Lancet NCD Action Group, realizou um estudo, intitulado "The Lancet - Harnessing tobacco harm reduction", que defende o uso de produtos com nicotina com menor risco.
Apesar de ser prejudicial à saúde, o consumo de tabaco é uma realidade em todo o mundo e, por essa mesma razão, a Organização Mundial da Saúde teve a preocupação de criar a WHO Framework Convention on Tobacco Control (FCTC), que visa proteger as gerações atuais e futuras das consequências para a saúde, sociais, ambientais e económicas do consumo de tabaco e da exposição ao fumo do tabaco.
Ainda assim, de acordo com o estudo “The Lancet – Harnessing tobacco harm reduction”, realizado por Robert Beaglehole, profissional independente da saúde pública mundial, professor emérito da Universidade de Auckland e presidente ao Lancet NCD Action Group, esta medida da OMS “não é suficiente”.
“A FCTC da OMS tem sido influente a encorajar uma resposta global ao controlo do tabaco, mas tem sido um desafio mostrar uma associação forte e consistente entre a implementação das medidas da FCTC e os resultados relativos à prevalência do tabagismo do consumo de cigarros. A FCTC não proíbe abordagens de redução de danos, mas deixa aos países a decisão de como regulamentar os cigarros eletrónicos e outros novos produtos de nicotina”, menciona no estudo.
O professor e médico refere mesmo que há uma “falta de apoio da OMS à redução dos danos causados pelo tabaco que limita escolhas mais saudáveis às 1,3 mil milhões de pessoas que fumam, em todo o mundo, e que correm um risco aumentado de morte prematura”.
Cigarros eletrónicos VS tabaco
“Não há justificação científica para a posição defendida pela OMS, que diz que os cigarros eletrónicos e outros novos produtos de nicotina devem ser tratados da mesma forma que os produtos do tabaco. Esta posição ignora uma abordagem proporcional ao risco. Acreditamos que a OMS precisa de fornecer liderança positiva e apoio técnico aos países à medida que consideram a utilização de cigarros eletrónicos e de outros dispositivos de entrega de nicotina, incluindo snus, bolsas de nicotina e tabaco aquecido e sem fumo”, refere.
A abordagem atual da OMS relativamente a estes produtos de menor risco é recompensar países, como a Índia, pela proibição dos cigarros eletrónicos. Atualmente, existem 34 países, principalmente países de baixo e médio rendimento, que proíbem os cigarros eletrónicos. No entanto, o estudo refere que “em alguns países, reduções substanciais na prevalência do consumo de cigarros coincidiram com a introdução de novos produtos de nicotina”.
“Na Nova Zelândia, por exemplo, a prevalência de fumadores adultos diários caiu de 13,3% em 2017–18 para 6,8% em 2022–23, depois de os cigarros eletrónicos se tornarem amplamente disponíveis, um declínio de 49% em 5 anos. No mesmo período, e com o apoio do governo e a regulamentação do vaping, a prevalência do vaping diário entre em adultos aumentou de 2,6% para 9,7%. O recente declínio do tabagismo na Nova Zelândia ocorreu na ausência de qualquer outra grande política de controlo do tabaco, para além dos aumentos anuais dos preços do custo de vida. A diminuição do tabagismo durante este período, na Nova Zelândia, mostra o que pode ser alcançado e excede as metas de redução da prevalência do tabagismo da OMS em 30% ao longo de 15 anos, de 2010 a 2025“, afirma Robert Beaglehole, no estudo.
A legislação Anti-cigarros da Nova Zelândia de 2022 inclui uma “geração livre de tabaco”, uma redução de 90% dos pontos de venda a retalho de produtos de tabaco combustíveis e o retirar obrigatório da nicotina do tabaco a retalho. O governo da Nova Zelândia, eleito em Novembro de 2023, está empenhado em alcançar a meta “Anti-cigarros 2025” de 5% (ou menos) de prevalência do tabagismo na população adulta, mas pretende revogar a legislação antitabagismo de 2022.
Trocar cigarros por “produtos de nicotina sem fumo” é a solução?
De acordo com o professor, “com base nos progressos recentes, parece provável que o objetivo Sem Fumo 2025 da Nova Zelândia seja alcançado por consentimento, em vez de coerção, e dando mais apoio à mudança para produtos de nicotina sem fumo“. O médico destaca, ainda, outros países de rendimento elevado que também conseguiram reduzir a prevalência do consumo de cigarros em associação com a utilização de uma série de dispositivos de administração de nicotina de menor risco para complementar as medidas de redução da procura e da oferta da FCTC.
“A Suécia, com uma longa tradição de consumo de snus, tem a prevalência mais baixa de fumadores adultos diário em todo o mundo, de 6% em 2022, acompanhada por uma baixa mortalidade por doenças relacionadas com o consumo de tabaco. A Noruega teve um sucesso semelhante na redução da prevalência do tabagismo no contexto do aumento do recurso a snus e cigarros eletrónicos e, em Inglaterra, o vaping está a ajudar os adultos a deixar de fumar. O declínio substancial no consumo de cigarros no Japão está associado à rápida absorção de produtos que aquecem o tabaco, em vez de o queimar. Foram feitos menos progressos em países de baixo e médio rendimento, onde a capacidade de controlo do tabaco e a vontade política para promover medidas de controlo do tabaco são mais fracas e o potencial de redução dos danos do tabaco não está a ser concretizado”, explica.
Mas, então, por que é que a redução dos danos do tabaco não é adotada de forma mais ativa, apesar da sua associação à redução da prevalência do tabagismo? Segundo Robert Beaglehole, há duas razões para isso acontecer: “A primeira é que, em comparação com os cigarros, onde os danos são conhecidos há mais de meio século, os efeitos a longo prazo dos cigarros eletrónicos são desconhecidos. A segunda preocupação é a de que a ampla disponibilidade de cigarros eletrónicos, na ausência de controlos e regulamentações adequados, incentive a dependência da nicotina entre os jovens e permita que a indústria de vaporização aja de forma antiética“.
No entanto, quer para uma preocupação, quer para outra, o médico explica o seu ponto de vista. “Embora a vaporização possa não ser isenta de riscos, especialmente para pessoas que não fumam, os riscos de danos substanciais a longo prazo causados pelos constituintes dos cigarros eletrónicos são provavelmente baixos, especialmente quando comparados com os danos causados pelos cigarros”, refere, ao mesmo tempo que também justifica as poucas evidências que sugiram que a vaporização leva ao tabagismo entre os jovens: “Embora a proporção de jovens que usam vapers esteja a aumentar, permanece num nível bastante baixo. São necessárias regulamentações mais rigorosas, incluindo a aplicação de restrições de vendas, e campanhas adequadas de promoção da saúde para evitar a vaporização por parte dos jovens, mas estas medidas devem ser equilibradas com as necessidades de saúde dos adultos mais velhos que fumam e necessitam de apoio para deixar de fumar“.
Abordagem da COP10 aos produtos de nicotina
A COP10, que está a decorrer no Panamá, de 5 a 9 de fevereiro de 2024, recomenda tratar os produtos de nicotina como equivalentes aos cigarros e regulá-los de maneira semelhante. No entanto, para Robert Beaglehole, “esta abordagem constitui um retrocesso porque não são produtos comparáveis em termos dos danos que causam; afinal, é a queima do tabaco que causa danos, e não a nicotina”.
“Pior ainda, tal estratégia acabaria por favorecer o mercado global de cigarros e poderia desencorajar a vaporização. O foco deve permanecer no problema de saúde pública central – os efeitos nocivos do consumo de tabaco para a saúde. A redução do consumo de cigarros é a forma mais eficaz de prevenir as mortes relacionadas com o tabaco e a redução dos danos causados pelo tabaco é a forma mais rápida e justa de reduzir a prevalência do tabagismo“, defende, no estudo.
"A OMS precisa de abraçar estas inovações na disponibilização de nicotina. Os países que estão a colher os benefícios da redução dos danos em tabaco, como a Nova Zelândia, a Suécia, a Noruega, a Inglaterra e o Japão, devem encorajar os países participantes na COP10 a apoiar propostas que reduzirão rapidamente as taxas de tabagismo. Os 1,3 mil milhões de pessoas que fumam no mundo, metade das quais morrerão precocemente, merecem esta liderança.”
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