Mudar de ares

A qualidade do ar é uma escolha política com efeitos económicos. Um dia vamos olhar para o ar poluído como vemos hoje a água contaminada que antigamente existia.

Em junho de 2022, a Alemanha introduziu o passe de 9€/mês para transportes suburbanos e regionais. Foi uma redução drástica do preço anterior de 86€ em Berlim. Como resultado, registou-se uma diminuição notável na poluição atmosférica em Berlim. Este efeito é mostrado por Niklas Gohl e Philipp Schrauth no estudo “Ticket to paradise? The effect of a public transport subsidy on air quality” publicado no Journal of Urban Economics em fevereiro de 2024.

O método dos autores compara a evolução entre maio (a azul) e junho (a vermelho) dos anos 2018/19 com maio e junho de 2022. Os investigadores excluíram os dados da pandemia para evitar distorções nos resultados. A figura abaixo mostra o resultado principal. Na média de 2018/19 não há diferenças significativas entre maio e junho. Já em junho de 2022 (linha azul do painel da direita), houve menos poluição que em maio de 2022 (linha vermelha) durante a semana. Ao fim de semana o efeito parece ser diferente. No entanto, o gráfico não controla por outros fatores que influenciam a poluição, como, por exemplo, a meteorologia, férias escolares, ou os feriados. Após ajustar para estes fatores, os autores encontraram uma redução na poluição atmosférica em toda a semana. Quando o passe reduzido terminou no final de Agosto, a poluição aumentou novamente.

Um resultado contra-intuitivo da literatura económica sobre recessões é que por vezes melhoram a saúde das pessoas. Por exemplo, a recessão de 2007-2009 nos Estados Unidos aumentou em um ano a esperança média de vida dos indivíduos com idades entre 25 e 55 anos. Isto aconteceu principalmente por causa da redução da poluição atmosférica. Claro que as recessões têm outros custos. Mas como sugere o estudo com dados de Berlim, não é preciso ter recessões para reduzir a poluição atmosférica e beneficiar destes efeitos positivos na saúde.

Olhando para os dados da poluição atmosférica podemos ver que em geral Portugal tem boa qualidade do ar. O oceano Atlântico ajuda muito. Ainda assim, na região do Grande Porto, estima-se que a adesão às recomendações da Organização Mundial da Saúde para a qualidade do ar poderia aumentar a esperança média de vida em cerca de quatro meses (em 2005 era mais de um ano). De notar que estes efeitos estimados na esperança média de vida são extrapolados a partir de um estudo com dados da China, por isso há alguma incerteza nestas estimativas. Mais estudos são precisos para fazer uma análise custo-benefício para Portugal.

Além da poluição atmosférica, a poluição do ar interior e as doenças respiratórias também são preocupantes. Dados no Reino Unido indicam um aumento das baixas médicas pós-covid e efeitos negativos do covid nas capacidades cognitivas das pessoas. Com a escassez de trabalhadores em muitos setores, isto reduz a capacidade produtiva e pode contribuir para a inflação. No entanto, parece que não aprendemos muito desde a pandemia sobre este assunto.

A qualidade do ar é uma escolha política com efeitos económicos. Reduzir o tráfego nas grandes cidades, disponibilizar vias seguras para transportes não poluentes e ter uma rede eficaz de transportes públicos são medidas que podem melhorar a saúde e a vida das pessoas. Um dia vamos olhar para o ar poluído, tanto interior quanto exterior, como vemos hoje a água contaminada que existia nos nossos rios, mares, e cidades.

  • Professor de Economia Internacional na ESCP Business School

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