Allan Katz, ex-embaixador americano em Portugal, alerta para o risco de nova vitória de Trump e está atento às eleições nacionais. “Ventura é populista autoritário, Mortágua é populista progressiva".
Allan Katz, antigo embaixador dos Estados Unidos em Portugal entre 2010 e 2013, durante a administração de Barack Obama, está “muito preocupado” com as eleições presidenciais de novembro no seu país. Para o democrata, a potencial eleição de Donald Trump, o candidato republicano e ex-presidente, além de ser “destrutiva” para os Estados Unidos, “é um risco para a democracia e para o mundo”. Se as eleições fossem hoje, reconhece, muito provavelmente Trump seria o vencedor.
Quanto a Portugal, o antigo embaixador diz que mantém uma relação com o país. Em entrevista ao ECO, depois de ter participado numa talk na Porto Business School, assinala que “é sempre bom ter estabilidade”. “E acho que não vai haver uma situação estável”, lamenta. O maior risco é o papel que o Chega terá e a sua capacidade para viabilizar ou não o Governo, sobretudo se conseguir um bom resultado nas eleições. O crescimento de movimentos populistas autoritários na Europa é outro dos riscos apontados por Allan Katz.
2024 é um ano com um calendário eleitoral marcado por eleições muito importantes, a começar pelos EUA. Está preocupado com o resultado destas eleições?
Estou muito preocupado. Temos uma situação em que dos dois candidatos que serão indicados pelos dois partidos principais, nenhum tem uma maioria significativa. O que me preocupa é se o ex-presidente Trump for eleito. Ele deixou muito claro que faria algumas coisas, o que eu acho que seria destrutivo para o nosso país, para a democracia e para o mundo.
Quais são os principais riscos de uma nova Administração Trump?
Bem, primeiro que tudo, quando ele diz que não vai defender a Europa, devem acreditar nele. Quando diz que vai retirar-se da NATO, devem acreditar nele. Ele poderá não conseguir alcançar estas promessas, mas não será por falta de tentativas. Também indicou que vai lançar uma campanha para prender os 11 milhões de imigrantes nos Estados Unidos sem papéis e colocá-los em campos e enviá-los de volta para os seus países. Isto é algo que é muito abominável para mim, em primeiro, por causa das pessoas envolvidas e, segundo, provavelmente porque o meu pai foi preso na Alemanha em 1938 e enviado para um campo.
Por isso, para mim há uma certa ressonância. Mas a outra coisa é que muitas pessoas que vieram para os Estados Unidos – e vieram sem documentos –, que fazem parte de comunidades há anos e, de alguma forma, acreditar que pode ir e simplesmente perturbar todas essas vidas e que não há consequência disso, que é negativo para todo o país, é, na minha opinião, uma visão muito equivocada.
A nossa imigração é um enorme problema. Mas infelizmente soluções simples para grandes problemas nunca são fáceis, senão já teriam sido tomadas. É preciso pensar nas implicações. E é preciso ver o papel dos EUA no mundo. Somos os campeões da democracia. Nem sempre agimos bem, cometemos erros, mas os valores fundamentais, se fizermos algo como isto, estarão corrompidos.
Vamos voltar a ouvir falar de muros?
É interessante que a criação de uma barreira começou com o presidente Obama. Não há nada de errado nisso. Mas é preciso reconhecer que há pessoas que fugiram de circunstâncias terríveis. Os EUA não podem tomar conta de todas, mas podemos processar ordeiramente quem podemos ajudar.
Por exemplo, há um número de portugueses que vieram com os seus pais, dos Açores, quando eram crianças. Tinham três anos, os pais nunca tiveram papéis, eles nunca tiveram papéis e são presos por algum motivo e são deportados para os Açores, onde não conhecem ninguém.
Trump vai ganhar as eleições?
Se as eleições fossem hoje é muito provável que Trump iria ganhar. Mas as eleições não são hoje. As pessoas precisam compreender isto, Trump é o líder de um movimento e as pessoas num movimento são muito mais capazes de perdoar os seus líderes do que um político. Atacar Trump por ser aquilo que ele é, não afeta os seus seguidores. Tem que haver mais americanos que digam, não concordo com o Biden nisto ou naquilo, é demasiado velho, mas não posso arriscar ter novamente Trump.
A idade é um dos grandes problemas na candidatura de Biden?
Claro que sim. Tem 81 anos. Se for reeleito vai ter 86 anos no final do seu mandato. Esse é um problema.
Perante esta circunstância, não seria mais benéfico ter outro candidato democrata?
Não, ele vai ser o escolhido. Todas as teorias que poderia concorrer a Michelle Obama ou… Em primeiro lugar, a Michelle Obama não tem interesse na política. Conheci-a na campanha. Ela não estava contente com o Barack (Obama) a concorrer. Não é algo que ela faria. É o que é. Normalmente o presidente pode ganhar a nomeação. É automático. É a forma como funciona.
Mas Michelle Obama daria uma boa presidente, se tivesse essa vontade?
Ela poderia ser uma presidente interessante, claro que sim. Mas não vai acontecer. O ponto nesta eleição é se há pessoas suficientes que temem uma eleição de Trump, porque ao contrário das pessoas que gostam de Trump, ou Bill Clinton, ou Reagan, Joe Biden não tem pessoas que o adoram. Por isso, o que é que ele pode fazer para inspirar as pessoas entre agora e novembro?
Iria argumentar que há muito pouco. Geralmente o que poderá acontecer até novembro, muito provavelmente são mais coisas más que boas para ele, porque o Congresso está tão dividido que não vai conseguir aprovar nada. A realidade é que Biden pode ganhar esta eleição, mas vai ser um resultado muito próximo. E é muito possível que Trump ganhe.
Trump já teve um mandato e perdeu o segundo para Biden. O que mudou nestes quatro anos para Trump estar novamente à beira da eleição?
Há quatro anos estávamos no meio da Covid-19. Acredito que Trump não seria reeleito mesmo sem Covid. O que aconteceu, a sua inaptidão para lidar com a pandemia, à exceção da vacina, que foi muito boa, contribuiu para a ideia que ele não era muito bom [governante].
Agora Biden parece mais velho, o que preocupa as pessoas. Temos que lidar com a inflação. Há o problema nas fronteiras, que continua a piorar. E as pessoas olham para os anos de Trump com óculos cor de rosa, como se costuma dizer. Dizem, ah as coisas estavam ótimas. E Trump convenceu dois terços dos republicanos que as eleições foram roubadas. Apesar das evidências apontarem para o contrário.
Acreditam mesmo nisso?
Sim. A única coisa que posso dizer em relação às eleições é que se Trump perder vai dizer que foi roubado.
Se nada mudar e Donald Trump realmente ganhar as eleições, como fica a relação dos EUA com a Europa?
Vai ser muito mau para a Europa, porque Trump tem uma visão muito simplista dos acordos comerciais. Vai privilegiar uma política de maior isolamento. A Europa vai ser forçada a criar a sua própria defesa militar, com todas as implicações que isso traz. A Europa não vai poder depender dos Estados Unidos no que diz respeito à sua defesa. E isso é uma tragédia terrível. A Europa vai ter que crescer. Estamos por nossa conta agora.
Vai ser cada um por si?
Tomamos algumas coisas como garantidas. E não o vamos poder voltar a fazer.
Na Europa tomamos a paz como garantida nas últimas décadas, até termos a guerra na Ucrânia…
E se tiver que formar uma força de defesa europeia, a maior força provavelmente vai ser a Alemanha, o que levanta todos os fantasmas do passado. É difícil imaginar uma Europa com uma forma militar conjunta. Se isso acontecer vai ser dominada pela Alemanha, da mesma forma que é a Alemanha que domina o Banco Central Europeu. E os franceses também, mas sobretudo a Alemanha.
Vai ser muito mau para a Europa, porque Trump tem uma visão muito simplista dos acordos comerciais. Vai privilegiar uma política de maior isolamento. A Europa vai ser forçada a criar a sua própria defesa militar.
Vai ter que haver maior investimento na defesa?
Há exércitos em todos os países da Europa, mas a questão é: vão colocá-los todos juntos, debaixo de um comando único? Como vão fazer? Não sei qual a melhor resposta, apenas as questões.
E em relação à Rússia?
Vai abandonar a Ucrânia. Putin sabe manipular bem Trump. O ego de Trump recusa-se a aceitar que está a ser manipulado por Putin. Putin é o tipo da KGB, sabe o que motiva as pessoas e o que funciona de uma forma ou de outra.
No que diz respeito à China, o que se pode esperar?
Há problemas. Há a questão de Taiwan, há a China a apoiar a Rússia, mas a China tem os seus próprios problemas económicos com os quais tem que lidar neste momento. Trump acredita que pode fazer um bom acordo com a China. Ele acha que é ótimo a fazer acordos. Vai tentar fazer algum tipo de acordo com a China.
Portugal vai ter eleições no próximo fim de semana. Vai ser possível alcançar uma solução governativa?
Só posso falar pelas sondagens que tenho visto nos jornais e o que tenho falado com os meus amigos. Parece que não vai haver um Governo de maioria. A AD estará perto, mas aqui a questão é o que o Chega pode fazer e o resultado que vai alcançar nestas eleições, se vai conseguir deitar um Governo abaixo. Se houver um Governo de minoria, a resposta é sim. Se o PS, BE e CDU conseguirem 38% e o Chega alcançar 15%, entre os dois [AD e Chega] podem deitar o Governo abaixo. É sempre bom ter estabilidade. E acho que não vai haver uma situação estável. A maior questão é saber qual vai ser o papel do Chega, há um movimento. Muitos jovens apoiam o Chega. Montenegro disse que o Chega não vai fazer parte do Governo.
Poderemos estar num cenário de novas eleições daqui a uns meses?
Se o PS ganhar as eleições, a questão é o que vão fazer, porque não vão ter condições para ter um Governo de minoria. Se o Chega e o PSD decidirem inviabilizar este Governo podem fazer o que quiserem.
É sempre bom ter estabilidade. E acho que não vai haver uma situação estável [em Portugal].
Este ano também vai haver eleições na Europa. Há riscos de uma ascensão de movimentos populistas?
Há movimentos populistas em todos os países. Há dois tipos de populismo: autoritário e populismo progressivo. O exemplo em Portugal seria André Ventura, como populismo autoritário, e Mariana Mortágua, no populismo progressivo. A questão é o que estes populismos representam nos vários países. Se não forem uma forma autoritária de populismo são até saudáveis. Se forem autoritários são muito assustadores. Depois da Segunda Guerra Mundial houve um aumento da tolerância. Se houver um grupo de líderes intolerantes, eles podem ir na direção que quiserem.
Toda esta instabilidade geopolítica no mundo, incluindo as duas guerras, na Ucrânia e em Gaza, vai continuar a ser um fator de incerteza?
Acho que não vão ter grande impacto nas eleições nos EUA, a não ser que haja um grande número de palestinianos no Michigan, que é um grande Estado. Estão chateados com Biden, porque tem demonstrado grande apoio a Israel. Se isso vai mudar o resultado da eleição no Estado ninguém sabe ainda. Na maior parte da América há apoio pela Ucrânia e por Israel, ainda que se espere que haja um cessar-fogo em Gaza.
Enquanto judeu, como está a olhar para a situação em Gaza?
O que aconteceu no 7 de outubro foi horrível. Não há desculpa. Foi o que aconteceu aos judeus durante seis anos no Holocausto. Nem sequer podemos imaginar. Depois há o que aconteceu às mulheres, que foi horrível. O Hamas escolheu esconder-se entre a população de Gaza, nos hospitais, nas escolas, nos bairros. Estão a disparar rockets daí. E quando Israel responde, diz-se que estão a matar pessoas.
É uma situação terrível. As pessoas de Gaza são as vítimas, mas não apenas de Israel, mas também do Hamas. Os líderes do Hamas podiam dizer que não vão repetir o que aconteceu no dia 7 de outubro. E este é o ponto que eu levanto quando falo com amigos meus que são críticos de Israel.
Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro de Israel, é péssimo e tem que ser substituído, mas se ele apoiasse uma solução de dois Estados – o que não apoia –, com quem é que iria negociar? Com quem falaria? Com o Hamas não, porque sabemos que quer matar todos os judeus. O problema aqui é que, quanto aos palestinianos ninguém os quer. Os egípcios não os querem, os jordanos não os querem.
Quando os árabes acordaram a paz com Israel abandonaram os palestinianos. E o que Israel fez com os palestinianos é horrível. Mas ao mesmo tempo não é um problema que está a ser feito por Israel. E não podem ser eles a resolvê-lo. É uma daquelas situações em que se os sauditas dissessem, ok, vamos reconstruir Gaza. Mas não é isso que está a acontecer.
As pessoas estão a morrer em Gaza por causa da guerra e é horrível. É uma enorme tragédia humana. Aceitamos isso como um facto.
Mas isso justifica a ação de Israel?
Não é uma questão de justificar. As pessoas estão a morrer em Gaza por causa da guerra e é horrível. É uma enorme tragédia humana. Aceitamos isso como um facto. A minha questão é se é atacado e os atacantes se escondem atrás de outras pessoas, e fazem-no de novo. O que faz? Quais são as opões? Não há boas escolhas.
São sempre as escolhas piores, entre as piores. Mas ao mesmo tempo não consigam dizer que eles deveriam ter feito isto em vez de fazer aquilo. Temos que olhar para estas situações tentando perceber quais são as alternativas. É um problema enorme. Acredito que dois Estados seria a única solução, mas não é neste ponto que nós estamos. E, é como digo, o Egito poderia abrir a porta a todos as pessoas de Gaza.
Mas as pessoas devem ser forçadas a abandonar as suas casas?
Mas eles poderiam deixá-los entrar, mas não querem. Não há good guys aqui. Quem são os good guys?
As crianças que estão a ser mortas no conflito…
Essas são as vítimas inocentes. São as vítimas do Hamas, da política de longo prazo de Israel. Mas em termos de atores, não há tipos bons.
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