Um Governo de futuro

Vários temas fundamentais para o futuro do país passaram ao lado da campanha. Espera-se que não passem ao lado do próximo Executivo.

Os comícios, arruadas, e visitas a feiras e mercados chegam esta sexta-feira ao fim. Foi preciso vir a campanha para darmos valor aos debates, bem mais esclarecedores que os casos e provocações das últimas duas semanas.

Foi uma campanha com muito passado. Luís Montenegro a socorrer-se de vários antigos governantes, como Passos Coelho, Durão Barroso, Paulo Portas ou Rui Rio. Pedro Nuno Santos a agarrar-se a António Costa e a ministros como Mariana Vieira da Silva ou Fernando Medina. A esquerda em bloco a agitar os fantasmas da troika, como se o país estivesse novamente à beira da assistência financeira, tentando ganhar pelo medo.

Foi também uma campanha que teve muito curto prazo e pouco longo prazo. Sobre os grandes desafios que o país enfrenta no futuro, pouco ou nada se ouviu. E o que se ouviu soou quase sempre a música celestial.

Claro que há problemas prementes que não podem ser descurados por quem vencer no dia 10 e venha a formar Governo. Melhorar o acesso da classe média à habitação, garantir que o SNS consegue responder atempadamente às necessidades de saúde dos cidadãos, resolver a falta de professores nas escolas e dar-lhes estabilidade ou promover a valorização dos salários. Ainda que a redução da carga fiscal sobre o trabalho e as empresas seja importante, não pode ser o alfa e o ómega da política.

A missão do novo Governo tem de ser também preparar o país para o futuro e as mudanças que ele vai trazer. Algumas começaram já ontem, como é o caso da inteligência artificial generativa, que vai ter um enorme impacto na competitividade dos negócios, no ensino ou no emprego.

O país tem uma das mais elevadas percentagens de jovens formados nas áreas tecnológicas e científicas da UE, mas muitos vão para fora do país. E não basta ter as competências, é preciso incentivar ainda mais a inovação e congregar recursos financeiros para acelerar a transformação. Portugal precisa de uma estratégia abrangente neste domínio para não se deixar atrasar ainda mais e agarrar a oportunidade.

Será um tema decisivo na próxima década, mas passou ao lado quer dos debates quer da campanha. Está nos programas de AD e PS, mas em medidas esparsas e desgarradas.

Sobre transição energética também pouco se ouviu falar. Ser um dos países com maior percentagem de renováveis na produção de energia é ótimo, mas não chega. É preciso acelerar a descarbonização da indústria, dos transportes e dos edifícios.

Pouca ou nenhuma atenção mereceu também o tema da adaptação às alterações climáticas, já consideradas inevitáveis. Os estudos mostram que Portugal será um dos países europeus mais afetados pelo aumento da temperatura média ou a subida do nível do mar, com um impacto económico que pode ser muito elevado. O que propõe os partidos para mitigar as consequências? Há algumas medidas nos programas, mas não se faz o debate que se exige.

Outra tendência que se vai agudizar nas próximas décadas é o envelhecimento da população. Vai afetar a disponibilidade de emprego, a prestação de serviços de saúde, o equilíbrio do sistema de pensões e, por arrasto, a economia e as finanças públicas. Qual a visão holística dos partidos para esta questão?

Sobre o sistema de pensões ouviram-se uns remendos, como a proposta de Pedro Nuno Santos para reforçar as verbas da Segurança Social com as receitas das portagens das autoestradas. O mesmo líder do PS que defende que se acabe com portagens nas ex-SCUT. Mais, quando começarem a terminar as concessões que permitiram construir as vias, a partir de 2028, haverá pressão para as portagens serem, no mínimo, substancialmente mais baixas, já que bastará apenas conseguir recursos suficientes para manutenção e investimentos limitados.

Luís Montenegro foge do assunto como o diabo da cruz, não vá afugentar os pensionistas. Também admite diversificar as fontes de receita da Segurança Social, o que na prática significa mais impostos.

São vários os desafios fundamentais para o futuro do país que passaram ao lado da campanha. Espera-se que os eleitores se lembrem deles quando forem votar no domingo e que não passem ao lado do próximo Governo.

Nota: Este texto faz parte da newsletter Semanada, enviada para os subscritores à sexta-feira. Há muito mais para ler. Pode subscrever a Semanada neste link.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Um Governo de futuro

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião