Montenegro e a tentação do mergulho para o penálti

Os meses até à votação do OE vão ser duros para Montenegro e é provável que caia na tentação de criar crispação, deixar-se cair ao mínimo contacto e pedir o penálti ao VAR (novas eleições a Marcelo).

O ponta-de-lança da Aliança Democrática (AD) rouba a posse de bola ao adversário, entra na grande área mas enfrenta um dilema. À direita, o extremo liberal é pequeno e não fornece apoio suficiente para criar perigo. Entre a bola e a baliza está uma dupla que oferece oposição rija, o socialista renovado e um populista de extrema-direita em forma. Luís Montenegro olha para o cenário, conclui que não vai conseguir ficar com o esférico e decide forçar o contacto para cavar um penálti. É a única forma de tentar ganhar vantagem.

Perdoem o recurso à analogia futebolística, mas é útil para explicar o jogo tático a que os resultados das eleições legislativas vão obrigar nos próximos meses. A vitória da AD teve um distinto sabor a empate, uma margem de vantagem tão ligeira que qualquer lance poderá devolver tudo à estaca zero de um momento para o outro. O próprio líder da coligação admitiu isso no discurso que encerrou a noite, sublinhando que a situação vai exigir grande capacidade de diálogo na Assembleia da República. Perante um Chega agigantado e um PS com nova dinâmica, Montenegro vai ter de avançar sempre com cuidado, obtendo abstenções e apoios caso a caso, permanecendo sempre alerta aos ataques da oposição.

No primeiro confronto, a aprovação do programa de Governo, a AD deverá vencer por falta de comparência, dado que Pedro Nuno Santos já disse que não irá apresentar uma moção de rejeição. Se o Bloco de Esquerda o fizer, o cenário ficará mais difícil, mas isso parece pouco provável. O grande teste virá, certamente, na votação da proposta do Orçamento do Estado para 2025 que será apresentada em outubro. Nesse momento, a AD precisará de receber “a mão” do Chega para aprovar o plano, dado que Pedro Nuno Santos já garantiu que não vai dar essa ajuda ao governo minoritário.

Para Montenegro, vai ser uma espécie de dilema do prisioneiro. Para decidir o que fazer, terá de tentar adivinhar o que os adversários irão decidir. O Chega terá duas opções, a primeira das quais deverá ser a oferta de apoio a troco de alguma coisa. Se for aceite, André Ventura poderá gabar-se e dizer ” afinal precisam mesmo de nós, somos parte da solução”. A segunda poderá ser negar esse apoio e, na prática, derrubar o Governo e obrigar a novas eleições, nas quais espera recolher ainda mais ganhos nas urnas face a uma AD fragilizada por ter tentado o caminho para a meta sozinha e falhado.

No caso de Pedro Nuno Santos, a rejeição da proposta de orçamento deverá ser o caminho para reforçar a oposição. Se o Governo conseguir aprovar o OE, o PS fica com o crédito de ter sido firme e pode prosseguir o caminho da recuperação na oposição. Caso Montenegro não consiga passar a proposta, os socialistas ficam prontos para uma nova corrida eleitoral, algo refrescados e a beneficiar do falhanço do centro-direita.

Os meses até novembro irão ser duros para a AD e é muito provável que Montenegro caia na tentação de criar crispação com o Chega e deixar-se cair ao mínimo contacto para pedir o penálti ao VAR (neste caso eleições a Marcelo Rebelo de Sousa).

No entanto, essa estratégia pode criar problemas para todos os jogadores envolvidos. Montenegro poderá até se inspirar nos casos de Cavaco Silva, em 1987, e de António Costa, em 2022, dois primeiros-ministros com governos de minoria relativa que foram derrubados a meio dos mandatos pela oposição e que logo a seguir conseguiram maiorias absolutas. Mas a história não se repete sempre, as circunstâncias são bem diferentes e nada garante que o risco que Montenegro poderá correr será recompensado com um reforço nas urnas. Os penáltis nem sempre resultam em golo, já agora.

Para André Ventura, depois do sucesso de 10 de março, forçar novas eleições pode parecer uma tentação impossível de resistir, mas implica riscos, pois ir a eleições com a culpa de ter derrubado um governo pode ser um auto-golo. Já Pedro Nuno Santos também tem de pensar bem no timing de novas eleições. Se forem muito cedo, não terá tido tempo para refazer a imagem e deixar o passado para trás. Se forem tarde demais, terá dado tempo para o Governo ganhar créditos.

Além disso, o PS não pode viver na ilusão que simplesmente por estar na oposição irá depois recuperar. Por alguma razão perdeu meio milhão de votos, não pode esquecer isso.

Infelizmente, para nós na bancada, o jogo só deverá trazer sofrimento e frustração. Vão ser vários meses de luta tática partidária, com pouco tempo de jogo útil para as questões e decisões que realmente interessam – a economia, a saúde, a educação, a Justiça, as infraestruturas.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Montenegro e a tentação do mergulho para o penálti

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião