“O tempo é muito curto” para o que foi prometido em campanha, avisa Marcelo
No discurso da tomada de posse de Luís Montenegro, Marcelo avisou ainda o novo Governo para não destruir o equilíbrio das contas públicas. "Onde não temos problemas não os devemos criar", disse.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, reconheceu que o novo Governo minoritário de Luís Montenegro enfrenta múltiplos desafios, desde logo, face à reduzida base de apoio político e ao difícil contexto internacional. É preciso “conquistar mais portugueses”, aconselha. Por isso, o tempo é “muito curto” para o que foi prometido em campanha, nomeadamente na saúde, habitação e educação, sinalizou esta terça-feira o Chefe de Estado no discurso da tomada de posse de Luís Montenegro como primeiro-ministro e dos seus 17 ministros.
Em jeito de resumo, Marcelo afirmou que o mandato de Luís Montenegro “é complexo por quatro razões: o panorama internacional, a governação económica interna, a base de apoio político e o tempo”.
Sem uma maioria confortável no Parlamento, o Governo vai ter de construir “um apoio popular maioritário e isto implica um diálogo que tem de ser muito mais exigente”, continuou Marcelo Rebelo de Sousa. “O tempo é muito longo na teoria”, diz. Mas “na prática é curto” para todos os desafios que se avizinham.
O tempo é escasso para Montenegro ganhar mais popularidade e cumprir as promessas da campanha eleitoral como “o plano de emergência do SNS, sem esquecer a estabilidade do SNS”. “Na habitação, a abertura aos privados sem esquecer os que precisam de habitação pública”, alertou o Chefe do Estado.
O tempo também é “curto” para a “aceleração do PRR e crescente foco no PT2030, localização do novo aeroporto, solução para a TAP e contínua aposta na ferrovia, reforço da Entidade da Transparência para o combate à corrupção, o fim da discriminação entre as várias forças e serviços de segurança”, mas também para “a superação de bloqueios e incompreensões que travam a economia, a sociedade, a justiça”, elencou.
Alerta para não desbaratar excedente orçamental
“Onde não temos problemas, não os devemos criar, como no consenso sobre a necessidade de mais crescimento económico, no equilíbrio das contas públicas e atenção à dívida pública”, salienta Marcelo quanto à governação económica e social interna.
O Chefe de Estado deixa aqui um alerta para que o novo Executivo não caia na tentação de desbaratar o excedente orçamental ou a trajetória de redução da dívida pública. “É importante manter a coerência e credibilidade” na Europa e no mundo que “tanto nos tem ajudado”, sublinha.
Reconhecendo que “o mundo em 2024 está pior do que em 2023”, “dependente das eleições norte-americanas e das guerras e da influência das guerras na economia” e que “a base e apoio político tal como o tempo não ajudam”, Marcelo admite que a governação será “muito difícil”. Mas “missão impossível, não o creio”, concluiu. “Há sempre soluções em democracia”, disse, citando Francisco Salgado Zenha, que foi ministro das Finanças e da Justiça nos primeiros Governo provisórios depois da queda da ditadura.
“A vitória eleitoral foi difícil, talvez das mais estreitas em eleições parlamentares. Imagino que também por isso a mais gratificante”, vincou.
E, inspirando-se na obra do final do século XVII “O pão partido em pequeninos” do padre Manuel Bernardes, deu o seguinte conselho: “o pão partido em pequeninos, aplicável a esta situação, significa que se parte um problema em vários pequenos e resolve-se um a um com paciência, sem criar ambições ilusórias. Pode não ser espetacular neste tempo de grandes emoções, mas pode ser um caminho com virtualidades”.
“Importa saber com o que conta o Governo e o que deve alcançar”, continua Marcelo, garantindo que “conta com o apoio solidário e cooperante do Presidente da República”. “Não conta com o apoio maioritário na Assembleia da República e tem de o construir com convergências mais prováveis em termos de regime ou de compromissos eleitorais semelhantes”, dando a entender que o PSD terá de conseguir entendimentos à direita.
Mas, “para convergências menos prováveis”, isto com o PS, “o diálogo tem ser mais aturado”. “Para orçamentos do Estado e reformas estruturais a exigência é mais largo folgo”, reconhece.
“Portugueses escolherem finalmente dar a vitória ao setor moderado e não ao setor radical”
Marcelo Rebelo de Sousa optou por ignorar o crescimento da extrema-direita em Portugal, em concreto, do Chega, e concluiu que os “portugueses escolheram finalmente dar a vitória ao setor moderado e não ao setor radical do outro hemisfério”.
Dirigindo-se ao eleitorado, o Chefe do Estado classificou o aumento da participação como um “voto de fé na democracia ao inverter a abstenção que parecia imparável”. “O voto vale sempre a pena, a liberdade vale sempre a pena”.
“O aumento da participação eleitoral” significa uma maior exigência ao futuro Governo de “aproximação às dificuldades dos portugueses”, indicou. E, dirigindo-se a Montenegro, alertou: “Nunca se esqueça dos jovens que desta vez apostaram no voto, eles são a única razão de ser da sua missão”.
Marcelo sublinha ainda a grande responsabilidade de Montenegro ao substituir António Costa, aquele que “liderou o mais longo Governo neste século e o segundo em democracia com sensibilidade internacional e, em particular, europeia”.
Em 2022, Marcelo ameaçou com a “bomba atómica”
Marcelo teve um tom mais brando com Luís Montenegro e não ameaçou com a “bomba atómica”, isto é, com a dissolução do Parlamento, ao contrário da posição que adotou com António Costa, quando tomou posse em 2022.
Há dois anos, Marcelo agarrou António Costa à maioria absoluta, ameaçando com a dissolução da Assembleia da República, caso decidisse ocupar um cargo em Bruxelas, e avisou que, desta vez, não há “desculpas ou álibis” para “poder fazer o que tem de ser feito”. Mas, ressalvou que “maioria absoluta” não é “poder absoluto em ditadura de maioria”, aconselhando a “diálogos de interesse nacional com todos – partidos, parceiros, setores sociais, económicos, culturais, políticos”.
Na lista de tarefas para o Executivo socialista, o Presidente colocou, logo à cabeça, a proteção “dos custos dos bens básicos”, que a pandemia e depois a guerra agravaram, para que “para que não saiamos da pandemia da saúde para a pandemia da inflação”. Em segundo lugar, “garantir que os fundos vindos de Bruxelas avançam depressa no terreno, para remendarem o que há a remendar, mas, sobretudo, construir o que há a construir”. E, em terceiro, e não menos urgente, “garantir que o que vier a chegar aos bolsos do Portugueses signifique que filho ou neto de pobre não esteja condenado a ser pobre”.
Tratadas as “missões mais urgentes”, é preciso tratar das “que são mais profundas”, sublinhou, na altura, o Chefe do Estado. Marcelo referia-se à necessidade de “reformar com brevidade, e bem, o Serviço Nacional de Saúde” e de “apostar muito mais ainda no crescimento – sólido e duradouro –, no investimento, nas exportações, na ciência, na educação, nas qualificações em geral, no emprego, claro, e sempre na inovação e autonomia energética e digital”.
Mas não só. O Presidente da República defendeu o combate às desigualdades e à pobreza, uma melhor Justiça e um sistema eleitoral mais eficaz, “em que todos, cá dentro e lá fora, nos sintamos devidamente representados e com idênticas possibilidades de exprimir as nossas escolhas”, acenando com a necessidade da reforma do sistema eleitoral, eventualmente com a introdução de um círculo de compensação, como já propôs a Iniciativa Liberal.
A dois anos do fim do mandato, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, dá posse ao Governo de Luís Montenegro, o primeiro da sua família política e o terceiro, no total, contando com os dois do PS de António Costa.
(Artigo atualizado às 19h34)
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