Aprender com as maiores operações de M&A … falhadas

Mais de 70% das operações de M&A falha antes, logo a seguir ou até anos depois, por má preparação ou falhas de execução

As operações de fusão e aquisição (M&A) prometem sempre grandes sinergias — na redução da estrutura combinada, na redução do risco financeiro, na diversificação do portfólio, no aumento da capacidade produtiva ou na conquista de uma maior participação no mercado. Apesar disso, não é raro que estas operações fracassem no último minuto ou já depois de concretizadas – a Harvard Business Review estima que sete em cada dez operações de M&A não sejam concluídas ou, se o forem, ficam aquém dos objetivos iniciais. As razões são várias mas há um denominador comum: a vontade e o entusiasmo dos participantes no negócio se sobrepõem-se à racionalidade e frieza necessárias para garantir o rigor do due dilligence e dos cálculos de valorização do negócio.

Defendi num artigo anterior a importância para as médias empresas portuguesas considerarem opções de fusão e aquisição como uma das melhores vias para o necessário ganho de escala. Sendo certo que são sempre operações de alta sensibilidade face à diversidade de fatores que têm de estar perfeitamente alinhados, não surpreende que a taxa de falhanço seja expressiva. Ao embarcar num processo de M&A, uma empresa deve possuir um conhecimento sólido dos riscos de falhanço e, para isso, o estudo de operações falhadas oferece um valioso contributo. Apresento hoje alguns dos maiores e mais famosos casos de operações de M&A falhadas e as razões subjacentes, terminando com uma síntese das lições a retirar dos casos expostos. Para acabar em beleza não podia deixar de olhar para Portugal e deixo uma análise do que foi provavelmente o fracasso de M&A mais famoso de sempre no nosso País.

1. AOL e Time Warner (2000)

A aquisição da Time Warner pela AOL é considerada uma das operações de M&A mais mal geridas de sempre. Em 2000, a AOL (America Online) estava no topo da bolha “dot.com” e era líder em acesso à internet nos Estados Unidos. Ao comprar a Time Warner por cerca de 165 bi USD e criar uma empresa no valor de 360 bi USD, a America Online esperava capitalizar o seu domínio distribuindo os conteúdos da empresa de media pelas redes de duas empresas. Para a Time Warner, por sua vez, o alcance que a AOL poderia oferecer tornou a perspetiva de uma junção extremamente atraente.

Mas a sinergia entre estas duas empresas dinamicamente diferentes nunca aconteceu. O primeiro problema foi o rebentar da bolha tecnológica – no final de 2002, a Time Warner vê-se forçada a um corte na goodwill de quase 100 biUSD e o seu valor de mercado cai de 226 para apenas 20 biUSD. Em segundo lugar, graves problemas internos: não houve um plano assumido para a gestão da integração (Post Merger Integration, PMI), a AOL não foi capaz de fazer o upgrade para banda larga por falha da due dilligence e a relação entre os quadros de topo das duas organizações degrada-se até atingir um ponto de rotura. A fusão AOL e Time Warner termina abruptamente com grande estrondo fazendo do acordo entre as duas empresas um dos maiores fracassos de M&A da história.

2. Daimler Benz e Chrysler

Em Maio de 1998, a Chrysler e a Daimler-Benz acordaram uma “fusão de iguais” sob uma nova empresa integrada DaimlerChrysler AG com um valor combinado de US$ 37 bi USD. A operação representou a maior aquisição de uma empresa americana por um comprador estrangeiro

O objetivo da operação Daimler Chrysler era estabelecer um gigante transatlântico no setor automóvel, que dominaria os mercados graças a uma intensa partilha de sinergias. No entanto, as duas empresas nunca foram integradas e as sinergias nunca se materializaram. Na base estiveram uma vez mais profundas diferenças culturais e do próprio comando, já que os proprietários da Daimler detinham a maioria do capital da Daimler Chrysler. A operação foi comunicada como uma fusão de iguais, mas nunca foi gerida assim – a atitude da gestão da Daimler tornou-se cada vez mais agressiva, dando ordens diretas à Chrysler. e A operação transformou-se na realidade numa aquisição da Chrysler pela Daimler Benz.

No final, as duas organizações não conseguiram trabalhar em conjunto levando à desintegração das duas empresas. Em 2007, quase dez anos depois da fusão, a Daimler-Benz vendeu a Chrysler à Cerberus, uma sociedade de private equity, por US$ 7 bi USD. Terminou assim um dos maiores falhanços de M&A resultantes de incompatibilidades culturais.

3. eBay e Skype

Em 2005, a eBay achou que tinha descoberto a pólvora. Ao comprar a Skype por 2,6 bi USD, passavam a controlar o meio de comunicação do futuro – os utilizadores poderiam falar uns com os outros gratuitamente de qualquer lugar do mundo. De certa forma, tinham razão – seis anos depois a Microsoft avaliava a Skype em 8,5 bi USD.

A eBay esperava fortes sinergias oferendo Skype à sua base de utilizadores – mas estava enganada, os seus utilizadores privilegiavam o anonimato e conveniência que o site oferecia e não tinham qualquer interesse em falar uns com os outros. Acresciam diferenças culturais – a Skype tinha uma gestão liberal própria das forças disruptivas enquanto a eBay tinha uma atitude de gestão conservadora.

A eBay acabou por desistir, vendendo o Skype a investidores privados por 1,9 bi USD em 2009. Quatro anos de problemas e a venda 700 MUSD abaixo do preço de compra tornou esta operação numa das piores fusões corporativas de que há memória

4. Microsoft e Nokia

Na guerra de plataformas operativas, a Microsoft não se conseguiu envolver suficientemente cedo e foi-se arrastando atrás da Apple e do Android: em 2010, lança um novo Windows Phone com uma nova plataforma proprietário, mas mal recebido no mercado

Em 2013, Steve Ballmer, CEO da Microsoft, viu uma oportunidade na Nokia, o fabricante finlandês de telemóveis com uma quota de mercado em declínio há anos. Em 2014, Ballmer assina e supervisiona a aquisição da Nokia pela Microsoft por quase 7 bi USD e logo começam os problemas. A linha telefónica lumia, joint venture da Microsoft, não conseguiu obter as alianças de mercado capazes de oferecer ao telefone Windows o desempenho necessário, a aquisição tornou-se rapidamente num fracasso. Ballmer deixa a empresa pouco depois, mas com uma fortuna considerável na mala.

Não tendo escolha a não ser agilizar o negócio, Satya Nadella, o novo CEO da Microsoft, lançou uma profunda reorganização da Nokia que resultou no despedimento de 15.000 funcionários. Em 2015, a Microsoft regista uma perda na aquisição de 7,6 biUSD, tornando-a uma das piores operações de que há registo. Em 2016 a Nokia é vendida à HMD por 350 MUSD.

5. Sears e Kmart

A braços com perdas de quota constantes face à crescente dificuldade de competir com as maiores redes de retalho como Target e Walmart, a Sears e a Kmart anunciam em 2004 um acordo de fusão. No entanto, em Março de 2005 o presidente da K Mart e investidor em hedge funds Edward Lampert vira o jogo e compra ele próprio a Sears e a Kmart fundindo-as numa só empresa – Sears Holdings, com um valor estimado em 11 bi USD.

Mas as expectativas da operação não foram cumpridas. A Sears Holdings continuou a espiral descendente da Sears e da Kmart, com a receita a cair entre 2005 e 2009, enquanto a Walmart e Target cresceram respetivamente 31% e 24% no mesmo período.

A Sears Holdings não conseguiu encontrar um posicionamento estratégico ganhador para as suas insígnias que permitisse construir uma posição de mercado forte. A estratégia de combinar duas empresas falidas numa só se revelou desastrosa. Em 2016, Edward Lampert era considerado o pior CEO dos Estados Unidos e dois anos a Sears Holdings declarou oficialmente falência e processou o seu ex-CEO.

Em conclusão, o que leva ao falhanço de uma operação de M&A?

Operações de M&A têm sempre na base o risco financeiro associado. É crucial ter este ponto sempre em mente para que a preparação e avaliação de uma operação seja o mais rigorosa possível, montada sobre um due dilligence de âmbito alargado que desça ao detalhe e anteveja cenários desfavoráveis, a sua probabilidade, como os evitar, o que fazer se ocorrerem e o seu impacto na valorização.

Apresentámos algumas das maiores operações falhadas de sempre e concluímos que as causas de falhanço são quase sempre as mesmas – uma combinação sobre uma curta lista de quatro fatores:

  • Diferenças culturais.

Quando duas ou mais empresas se fundem, é um processo muito mais complicado do que simplesmente um aperto de mãos entre líderes. Para que resulte da operação uma empresa virtuosa é crucial trabalhar para haver uma cultura única e ajudar todos os membros das equipas numa fácil integração

  • Incapacidade de executar planos pós-integração.

Muitas vezes, as empresas não cumprem os objetivos estabelecidos antes da fusão. Esta situação resulta igualmente de uma comunicação deficiente entre as partes e da falta de uma definição clara das responsabilidades de cada uma delas.

  • Problemas financeiros ocultos e due dilligence superficial.

Não é raro que os números no papel difiram drasticamente dos números reais. É por isso que nunca se pode subestimar a importância de uma due diligence completa – não só porque ajuda a estabelecer um preço de transação justo, mas também porque reduz o risco de perdas financeiras futuras.

  • Expectativas irrealistas e falta de clareza da estratégia da empresa integrada

É comum que duas empresas entendam de forma diferente a missão da transação, o que logicamente leva a conflitos e impacto negativo no negócio no caminho

Dada a dimensão de Portugal e uma relutância quase cultural para embarcar em operações de M&A, não existe um historial de grandes operações falhadas – com uma exceção que já não é recente mas que se transformou durante meses numa novela fantástica que, pelo ridículo de muitos episódios, fez manchetes diárias e apaixonou a opinião pública. Vale a pena recordá-la e avaliar se as causas do falhanço estão na lista acima…

  • BES, Banco Espírito Santo e BPI, Banco Português de Investimento : a fusão impossível

Estamos em Janeiro de 2000. As estruturas de topo do BES e do BPI anunciam o início da preparação da fusão das duas instituições, dando lugar ao maior grupo bancário privado nacional, designado BES-BPI. Ricardo Salgado ocuparia a presidência do Conselho Executivo e Artur Santos Silva presidiria ao Conselho de Administração. No capital do novo grupo domina o BES com mais de 59%, ficando a restante parte nas mãos do BPI.

No final de Março, apenas dois meses após o anúncio de fusão, os dois bancos romperam o processo de negociação. A explicação foi lacónica: “No termo de um processo de cuidadosa análise de todas as implicações da fusão das duas instituições“, as duas administrações “concluíram não se encontrarem reunidas todas as condições necessárias para que possam assegurar o êxito de tal processo em termos que se traduzam em efectiva vantagem relativamente ao desenvolvimento separado das duas instituições“. Ou seja, a operação de due dilligence não teria identificado sinergias que justificassem a fusão – uma desculpa que naturalmente não era convincente e a imprensa procurou cavar mais fundo.

O processo negocial começou a deteriorar-se publicamente a respeito da marca a adotar após a fusão. Ricardo Salgado revelou publicamente que considerava que o BPI tinha uma marca fraca e a estratégia desenvolvida pela equipa de Santos Silva era pouco feliz. O vice-presidente do BPI, Fernando Ulrich, reagiu revelando-se indisponível para um projecto apenas com a marca Espírito Santo. Esta afirmação provocou mal-estar dentro do grupo BES, e contribui para a perda de confiança por parte de Ricardo Salgado nos dirigentes do BPI. Ao mesmo tempo, ao nível das estruturas intermédias surgiam cada vez mais sinais apontando para a existência de obstáculos, designadamente saber quem mandava em quem. Com estes fatores de desconforto, agravados pela pressão de um núcleo duro da família Espírito Santo acionista do BES que sempre se opôs à operação dada a diluição da sua posição e perda de força na nova estrutura empresarial, Ricardo Salgado toma a iniciativa de comunicar ao BPI o cancelamento do processo de fusão.

Não se pode excluir deste resultado as manobras de sombra do BCP. Depois da aquisição do Banco Mello, de uma OPA falhada ao BES e de fortes rumores de conversas ao mais alto nível entre BCP e BPI, a desconfiança entre dirigentes do BES e do BPI levou a mais uma ronda de trocas públicas de mensagens entre Ricardo Salgado e Fernando Ulrich e ao congelamento das negociações, retomadas duas semanas antes da declaração oficial.

Em conclusão, a operação de fusão BES BPI falha por duas das quatro razões genéricas que apresentei – por um lado profundas diferenças culturais e de postura pessoal e, por outro, falta de clareza nas expectativas e na estratégia da empresa integrada pós-fusão. Foi acima de tudo um bom exemplo da falta de arrojo, de posições dos líderes tomadas por orgulho e sem racionalidade e, porventura, da aversão cultural das empresas nacionais a operações de fusão.

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