Não existem gatos na América

Há muita coisa que os EUA podem aprender com a Europa, mas pelo menos no crescimento económico, vale a pena tentar implementar o que funciona por lá para revitalizar a economia europeia.

De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia dos Estados Unidos da América (EUA) vai crescer cerca de 2.7% em 2024. Ou seja, mais do que em 2023 (2.5%) e mais do que foi inicialmente previsto para 2024 em Janeiro deste ano (2.1%). Estes números são muito superiores ao que é previsto para a zona euro (0.8%) e para as outras economias grandes desenvolvidas. E não é só em 2024. Nos últimos anos, o PIB real dos Estados Unidos tem crescido muito acima de países comparáveis. A previsão para o resto da década é de divergência entre os Estados Unidos e a Europa.

Há muitas razões para explicar este diferencial de crescimento, incluindo os custos energéticos, a imigração, as políticas públicas, a inovação, a facilidade de fazer negócios, ou a flexibilidade laboral, entre outras. É bastante claro que a Europa está a ficar para trás, em parte devido a uma certa paralisia na política económica.

Neste contexto, vale a pena ler o discurso de 16 de Abril de Mario Draghi, antigo presidente do Banco Central Europeu e agora encarregado de escrever um relatório sobre a competitividade da União Europeia. O relatório ainda não foi publicado, mas Mario Draghi (um óptimo candidato a presidente do Conselho Europeu, já agora) deixa algumas pistas neste discurso. Uma interpretação deste discurso é que a Europa tem muito a aprender com os EUA.

Uma das críticas está relacionada à estratégia europeia de austeridade em períodos de dificuldade económica. Draghi argumenta que cortar salários, aumentar impostos, e diminuir gastos públicos quando a economia já não está boa teve efeitos negativos. Além de reduzir o bem-estar social na Europa durante a recessão, diminuiu também a procura interna por produtos e serviços, ficando a economia europeia demasiado dependente das exportações para crescer. Isto foi um falhanço da política económica europeia. A política fiscal ativa na Europa desapareceu, e só a política monetária foi capaz de agir para evitar uma situação agregada pior, ainda que com muitas distorções pelo caminho. Nos EUA a política fiscal foi sempre muito mais ativa, depois da crise financeira de 2008-09 e agora no período pós-covid.

Draghi defende também que a Europa deveria criar “campeões europeus” capazes de competir com empresas globais, como as empresas americanas e as chinesas, em vez de ter demasiada concorrência interna, especialmente em áreas importantes como a defesa, a energia, o clima, e a tecnologia.

Duvido que reduzir a concorrência interna seja a resposta, muito menos ter a Europa a escolher vencedores com subsídios. Mas a verdade é que a economia europeia ainda é muito menos integrada e coordenada do que a dos EUA ou da China. Há ainda demasiada proteção de interesses nacionais. Ou seja, ainda é possível criar condições para que haja mais empresas de dimensão europeia, sem necessariamente distorcer o mercado.

Um ponto crucial é a falta de mão-de-obra qualificada. Um dos principais desafios para as empresas europeias é contratar pessoal. Draghi parece pensar que é possível encontrar esta mão-de-obra internamente de forma mais ou menos mágica, mas há uma solução potencialmente melhor. O sistema de imigração dos Estados Unidos dá apenas 60 dias a um trabalhador imigrante com visto de trabalho que tenha perdido o emprego para encontrar um novo emprego, antes de ter de sair do país. É também muito complicado para os cônjuges conseguirem um visto de trabalho. Há outras regras para estudantes de doutoramento ou bolseiros da Fulbright. A UE poderia oferecer vistos temporários de vários anos a qualquer trabalhador emigrante americano com visto, doutorado ou bolseiro, cônjuges incluídos.

Por fim, Draghi pediu mais cooperação entre os países da UE, através de investimentos estratégicos e uma política económica mais integrada para fortalecer a competitividade europeia. Refere mesmo uma mudança radical, comparando com a formação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, poucos anos depois da Segunda Guerra Mundial. Nos Estados Unidos, o Inflation Reduction Act mostrou a capacidade do governo federal de mobilizar investimento público e privado.

Apesar de o crescimento económico não ser o objetivo final de uma sociedade, é uma boa medida da capacidade de alcançar os nossos objetivos. É óbvio que também há muita coisa que os EUA podem aprender com a Europa, mas pelo menos no crescimento económico, vale a pena tentar implementar o que funciona por lá para revitalizar a economia europeia.

  • Professor de Economia Internacional na ESCP Business School

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Não existem gatos na América

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião