Nos 50 anos desde abril de 1974, a Bolsa viveu mais períodos baixos do que altos. A capitalização bolsista atual é idêntica à que se verificava há 30 anos e o número de cotadas bem mais reduzido.
Tal como noutros setores da sociedade portuguesa, o 25 de Abril de 1974 teve repercussões profundas no mercado de capitais do País. Nos dois anos antes da revolução, a Bolsa portuguesa registava uma “vigorosa atividade”, fruto da expansão económica registada no final da ditadura. A praça portuguesa contava com cerca de 140 companhias cotadas, com um valor de mercado de 300 milhões de contos (1,5 mil milhões de euros), o que correspondia a menos de 2% do PIB.
Por ordem da Junta de Salvação Nacional, foram suspensas todas as transações sobre valores mobiliários. A negociação só regressou em janeiro de 1976 para as obrigações e no ano seguinte para as ações. A vaga de nacionalizações observada entretanto esvaziou a Bolsa portuguesa, reduzindo a capitalização bolsista a 7,6 milhões de contos (38 milhões de euros), uma fatia insignificante da economia, como conta uma reportagem publicada no Jornal de Negócios há 20 anos que citava o presidente de então da Bolsa de Lisboa.
“No final de fevereiro de 1977, entendeu-se que a bolsa deveria abrir para as ações. Foi-se ver o que sobrava e era muito pouco. A mais notável era a Rádio Marconi, a única que não tinha sido nacionalizada. Quanto ao resto, a banca, seguros, tudo isso desapareceu”, contou Carlos Alberto Rosa.
“A enorme incerteza política, a consequente reestruturação da economia nacional e a nacionalização de empresas e setores estratégicos constituíram agravantes neste processo de democratização, com os investidores a acumularem perdas que de acordo com alguma fontes podem ter significado aproximadamente 30% do PIB daqueles anos”, refere ao ECO João Queiroz, Head of Trading do Banco Carregosa.
Um conjunto de investigadores, que escreveu o livro “A História da Bolsa de Lisboa”, calcula que os investidores da Bolsa nacional registaram uma perda de 81% nesse período. As cotações afundaram 98%, o que foi apenas parcialmente anulado pelas compensações pagas ao longo de vários anos (17,68%). A recuperação foi lenta e só nos anos 80 a Bolsa portuguesa volta a dar sinais de vitalidade.
No final de fevereiro de 1977, entendeu-se que a bolsa deveria abrir para as ações. Foi-se ver o que sobrava e era muito pouco. A mais notável era a Rádio Marconi, a única que não tinha sido nacionalizada. Quanto ao resto, a banca, seguros, tudo isso desapareceu.
Onda de privatizações
Como conta Fernando Teixeira dos Santos num artigo sobre “A evolução do mercado de capitais português”, quando era ainda presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), o convite do então ministro das Finanças Miguel Cadilhe para um conjunto de empresas entrar em bolsa, bem como os regulamentos implementados para dinamizar o mercado, são decisivos para os anos de valorizações eufóricas que se seguem.
João Queiroz lembra que a “reversão das nacionalizações, com as privatizações da década de 1980, contribuiu para a modernização e atração do necessário investimento estrangeiro direto, numa preparação para a desejável integração na CEE que se verificou em 1986”. Tal “permitiu a popularização do investimento e lançou as bases para a poupança que ganhou tração com os ‘certificados de Investimento’ que posteriormente se denominaram ‘certificados de aforro’”.
“A recuperação económica com massivo investimento e liberalização da economia nacional permitiu obter a confiança dos investidores, ganhar tração na recuperação económica alavancada em melhoria substancial das infraestruturas como cuidados de saúde e rede de saneamento, permitindo que as populações alterassem a sua estrutura de consumo, criando um ciclo virtuoso entre poupança e investimento”, acrescenta o responsável do Carregosa.
O crash de 1987, ligado ao choque petrolífero que abalou a economia mundial, representou um novo revés para a praça portuguesa. A célebre declaração do então primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva, de que estava a ser vendido “gato por lebre” da Bolsa portuguesa, agudizou o descalabro das cotações, que caem a pique num espaço de meses, embora sem anular os ganhos expressivos dos anos anteriores. Nessa altura destacavam-se companhias como a Lisnave, Mabor, CISF, Caima e persistia a Marconi, que viria dar origem à Portugal Telecom. Em 1987, a capitalização bolsista já era superior a 25% do PIB e estavam cotadas na Bolsa portuguesa cerca de 150 companhias.
A recuperação económica com massivo investimento e liberalização da economia nacional permitiu obter a confiança dos investidores, ganhar tração na recuperação económica alavancada em melhoria substancial das infraestruturas como cuidados de saúde e rede de saneamento, permitindo que as populações alterassem a sua estrutura de consumo, criando um ciclo virtuoso entre poupança e investimento
Seguiu-se depois aquela que é considerada a década do capitalismo popular do mercado nacional. A implementação da “Lei Sapateiro” em 1993 abre caminho para um conjunto de ofertas públicas de venda (OPV) no mercado nacional, através de uma série de privatizações e operações de dispersão de capital em bolsa por parte de várias companhias vitais na economia portuguesa.
Em 1994, 20 anos depois da “Revolução dos Cravos”, a bolsa portuguesa contava com perto de 200 companhias cotadas e uma capitalização bolsista de 13 mil milhões de contos (65 mil milhões de euros), o que equivalia a cerca de 39% do PIB. Se na década de 80 o acesso à bolsa estava ainda restrito a um conjunto de investidores muito diminuto, as privatizações de companhias como a Cimpor (1994), Brisa e EDP (1997) mostraram aos portugueses as vantagens de investir na bolsa.
Na primeira fase de privatização da EDP participaram 770 mil investidores, que viram as cotações dispararem nos primeiros dias. Um ano depois, nova fase de privatização ainda mais concorrida (cerca de 1,5 milhões de ordens), mas a história foi bem diferente. As ações da EDP caíram a pique e os acionistas só dez anos depois recuperaram o investimento. Um episódio que manchou a credibilidade do mercado português e representou um golpe no capitalismo popular na altura, com a culpa a ser atribuída a decisões regulatórias e governamentais (aumento de tarifas de eletricidade) que não tinham ficado explícitas no prospeto de venda das ações.
Bolhas, crises e escândalos
Já com o euro como moeda, a Bolsa portuguesa chegou à viragem do século com pouco mais de 100 empresas cotadas, mas uma capitalização bolsista que já superava metade do PIB. Os 20 anos seguintes são marcados por uma sucessão de crises (externas, mas também internas) que abalam a Bolsa de Lisboa, que 50 anos depois do 25 de Abril nunca mais conseguiu atingir uma série de indicadores que registava no início do século.
2000 fica marcado pelo estouro da bolha das dotcom, que colocou um ponto final numa era em que empresas de Internet com modelos de negócios insustentáveis atingiam valorizações astronómicas, fomentando o apetite pelo risco para níveis impensáveis. O fenómeno atingiu o pico nos Estados Unidos, mas sentiu-se a nível global, sendo que em Portugal o episódio mais marcante foi protagonizado pela PT Multimédia.
Em novembro de 1999, as ações da empresa (então do Grupo Portugal Telecom) foram vendidas na OPV a 27 euros, disparam para 40 euros no primeiro dia e em março do ano seguinte atingiram os 147 euros. Quando a bolha das dotcom rebentou nesse mês de março de 2000, iniciou-se um descalabro nas bolsas que derrubou a economia global e afastou de vez muitos investidores da praça portuguesa.
Em fevereiro de 2000, o PSI atingiu um máximo histórico que perdura até hoje acima dos 14 mil pontos. Dois anos e meio depois tinha perdido mais de 60%, abaixo dos 5.500 pontos (setembro de 2002). Hoje está a transacionar pouco acima dos 6 mil pontos, pelo que o índice português tem de valorizar mais de 100% para regressar a máximos históricos.
Esta destruição de valor que se assistiu no início do século foi quase replicada na grande crise financeira que colocou a economia global numa recessão profunda originada com o colapso do Lehman Brothers e outros grandes bancos mundiais. O PSI tinha recuperado até perto do patamar dos 14 mil pontos em 2007, mas entre julho desse ano e outubro de 2008 deslizou mais de 40%.
A crise financeira de 2008 foi o embrião para o pedido de assistência externa de Portugal em 2011, que provocou novo rombo no valor das cotadas portuguesas. O colapso do BES em 2014, que motivou uma série de escândalos e também arrastou a Portugal Telecom, originou novo período negro na bolsa portuguesa, afastando ainda mais os investidores e as empresas da praça portuguesa. A tendência de recuperação mais sustentada só surgiu no pós-pandemia, perdurando até hoje.
Fuga de empresas e investidores
Mas a sucessão de casos e maus desempenhos das cotadas portuguesas mantém a bolsa portuguesa longe dos tempos em que muitos aforradores colocavam as suas poupanças nas ações de empresas nacionais. A evolução das receções de ordens sobre ações ilustra a baixa da liquidez da praça portuguesa. Em 2005 (primeiro ano com dados disponíveis da CMVM) totalizou uma média mensal de 4,6 mil milhões de euros, 10 anos depois baixou para 1,8 mil milhões de euros e no ano passado ficou abaixo de 400 milhões de euros por mês.
Uma análise efetuada pelo ECO em 2023 mostra que, na última década, a Bolsa portuguesa perdeu 18 empresas cotadas, sendo que apenas seis dispersaram capital em Lisboa. 2004, 30 anos depois do 25 de abril, foi o último ano em que a bolsa nacional teve mais de 50 empresas cotadas. Hoje são menos de 40 e apesar de estar em perspetiva o regresso da Luz Saúde, a Greenvolt deverá abandonar a praça portuguesa devido à oferta pública de aquisição de que está a ser alvo.
2007 foi o último ano em que a capitalização bolsista das empresas cotadas em Lisboa representava mais de metade do PIB. Em 2023 o valor de mercado tinha um peso de 36,3%, idêntico ao observado há 30 anos. Uma estagnação que reflete sobretudo o número cada vez mais reduzido de empresas com ações listadas na Bolsa de Lisboa. A gestora da praça portuguesa foi mesmo forçada a retirar 20 ao nome do índice para por fim ao constrangimento de não ter um número suficiente de cotadas relevantes para integrar a carteira do agora PSI.
A crónica aversão ao risco de muitas empresas e aforradores em Portugal e a ausência de incentivos públicos que fomentem a dinamização do mercado de capitais do País também explicam estes indicadores pouco abonatórios para a praça portuguesa.
João Queiroz avança com vários fatores para justificar o “número reduzido de empresas cotadas e uma capitalização de mercado relativamente baixa em comparação com outros países da Europa”. Destaca os “maiores encargos de entrada e manutenção em bolsa, o que desmotiva um tecido empresarial muito dominado por micro e pequenas empresas; as diversas fontes alternativas de investimento como o crédito bancário e o capital de risco, o que reduz a necessidade de captar recursos na Bolsa; e uma menor cultura de investimento em ações que ainda não é generalizada e possui muitos preconceitos ideológicos”.
O Head of Trading do Banco Carregosa acrescenta ainda fatores estruturais, como “a dimensão da economia e o peso das exportações que tiveram um excecional trajeto mas necessitam de crescer dos 50% aos quase 90% face ao PIB anual”. Assinala também a relevância da “simplificação do processo de admissão à negociação em Bolsa e promoção do investimento como fator cultural que necessita do tempo de umas gerações”.
Com as origens do mercado português a remontarem a 1769, a Bolsa de Valores do Porto foi fundada em 1891 e a fusão com praça lisboeta deu origem à BVLP em 1999. Mais de metade dos 50 anos da Bolsa de Lisboa no pós 25 de Abril já foram integrados numa plataforma pan-europeia (adquirida pela Euronext em 2002). Este período de meio século foi marcado por mais baixos do que altos, mas a história mostra que o interesse das empresas e investidores no mercado aumenta quando as condições o propiciam.
João Queiroz acredita que o regresso de mais investidores de retalho e empresas à bolsa nacional pode ser um “processo natural quando a inflação e os juros refletirem o objetivo entre os 3% e 2%” dos bancos centrais. “Tal cenário poderá propiciar um ecossistema que poderá auxiliar as empresas e os investidores a observar remunerações mais elevadas dedicadas a acionistas e a obrigacionistas em que tendem a compensar e a refletir o risco de capital”.
“Também se vai observando nas novas gerações uma diferente forma de gerirem as suas poupanças, assumindo-se como mais informadas, recorrendo menos a ideologia, com maior exigência e diferente quadro de racionalidade, em que se destaca a sua exposição a outras vivências, experiências e modos de vida que correspondem a uma menor dependência de estruturas financeira e menos dependentes do Estado”, remata o responsável da Carregosa.
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Os altos e baixos da Bolsa de Lisboa no pós 25 de Abril
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