Equidade e igualdade

Nem a equidade nem a igualdade garantem a felicidade, mas a igualdade de resultados que for forçada pela lei é uma receita certa para a infelicidade de muitos.

A actuação dos governos é legitimada pela delegação de poder que a população lhe faz. Para que os governos tenham meios para actuar, as populações pagam impostos e taxas. Frequentemente os governantes abusam da delegação de poderes que recebem do povo e, apoiados em parlamentares que deles dependem, levam a cobrança de impostos ao exagero.

Mas com mais ou menos impostos, e com mais ou menos dívida, os recursos à disposição dos governos devem ser aplicados com três objectivos principais: A promoção da eficiência no seu uso, a promoção da equidade entre os membros da comunidade e a promoção da estabilidade no funcionamento da sociedade.

A equidade refere-se ao desejo de que no e do funcionamento de uma comunidade haja um equilíbrio entre todas as pessoas. Mas ao contrário da eficiência, e até da estabilidade, é muito mais difícil definir o que é esse equilíbrio.

Existem critérios objectivos para a definição da eficiência, mesmo tendo falhas e não podendo ser aplicados de uma forma perfeita, e existe uma razoável ideia do que é a estabilidade, quanto mais não seja pela ausência de instabilidade. Mas não existe um consenso alargado sobre o que é uma sociedade equitativa.

A palavra «equidade» e a palavra «igualdade» têm a mesma etimologia, mas o seu significado pode ser muito diferente. Equidade tem implícito um conceito de justiça e essa é precisamente a diferença. Ao contrário de igualdade, que não tem implícito um significado de justiça ou de injustiça, a ideia de ser equitativo contém a ideia de ser justo.

O problema é que não há um consenso sobre o que é ser justo ou injusto. Cada um de nós tem uma ideia diferente de justiça. Até podemos concordar perante muitas situações sobre a sua justiça ou injustiça. Mas quando começamos a discutir a necessidade de justiça ou de haver um determinado tipo de equilíbrio numa comunidade, as diferenças tornam-se evidentes.

Já fiz essa experiência com algumas turmas e os alunos que a princípio não parecem acreditar que haja dificuldade em haver um consenso sobre o que é justo, cedo se apercebem que ela é real quando começam a ouvir os colegas a argumentar em defesa de uma noção de justiça que é a deles.

Um exemplo claro desta dificuldade e desta ilusão no conceito de equidade é a igualdade de oportunidades. Como refere este belo texto ‘The Tyranny of Equal Opportunity‘, a igualdade de oportunidades só é possível com governos tiranos que criem sociedades escravizadas que eliminem todas as oportunidades. A eliminação de todas as oportunidades é a única forma possível de garantir que são iguais para todos.

Uma ideia como a igualdade de oportunidades, que a grande maioria das pessoas considera ser consensual e um equilíbrio necessário para a sociedade, torna-se rapidamente um motivo de discussão quando deixa de ser vista com superficialidade.

A igualdade de oportunidades não é mais do que uma tirania utópica que, felizmente, não existe em ponto nenhum do planeta (nem sequer na Coreia do Norte, na Venezuela ou em Cuba). Apesar disso, a maioria dos portugueses defende-a sem se aperceber de que essa igualdade, a existir, implicaria a ausência total de oportunidades.

A igualdade de oportunidades não é mais do que uma tirania utópica que, felizmente, não existe em ponto nenhum do planeta (nem sequer na Coreia do Norte, na Venezuela ou em Cuba). Apesar disso, a maioria dos portugueses defende-a sem se aperceber de que essa igualdade, a existir, implicaria a ausência total de oportunidades.

É difícil supor que alguém, exceto um aspirante a ditador totalitário, queira tal coisa. Por isso eu acredito que os portugueses não desejam a igualdade de oportunidades, apesar de pensarem que sim. O que os portugueses desejam é a igualdade perante a lei, uma igualdade formal de regras para todos. Mas isso não é a igualdade de oportunidades, que é uma igualdade nos resultados que a tendência para a utopia leva a julgar poder ser forçada pelo Estado através da lei.

A igualdade de resultados significa nivelar por baixo ou pelo zero, como acontece nos três países que referi em cima, e é este facto que todos os socialistas recusam reconhecer. Por isso não deixa de ser extraordinário que no Parlamento português haja ainda 5 partidos que continuem a defender tal utopia.

A recusa da igualdade de oportunidades não quer dizer que os resultados devam ser totalmente díspares ou que não haja equilíbrio entre os membros de uma comunidade no acesso às oportunidades disponíveis. Os objectivos de equidade e de estabilidade concorrem no mesmo sentido ao visarem a existência de comunidades pacíficas e onde cada um possa seguir com a sua vida. E há muitos portugueses que defendem a igualdade de oportunidades a pensar neste equilíbrio e não na igualdade propriamente dita.

Há um consenso que a equidade permite, que é a existência de um mínimo de dignidade na vida de cada um. E por isso existem instituições que actuam na sociedade para ajudar a que todos tenham acesso a esse mínimo de dignidade. E também por isso o Estado é mandatado pela população para que colabore nesse esforço de garantir a todos as condições julgadas necessárias, em cada momento, para que possam ter uma vida digna.

Mas a dignidade da vida humana baseada num sentido de justiça representado pela palavra «equidade» não é o mesmo que a procura de igualdade. É antes uma visão que recusa o igualitarismo que promove a pobreza e potencia os abusos de poder político porque, na sua aplicação “purista”, retira liberdade à comunidade, tornando-se por isso indesejável.

Uma última nota é que nem a equidade nem a igualdade garantem a felicidade. Mas a igualdade de resultados – quer seja de oportunidades, de salários ou de tudo o que vá para além das regras bases que regulam o funcionamento de uma comunidade – que for forçada pela lei é uma receita certa para a infelicidade de muitos.

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