Uma agenda digna de mudança

  • José Pedro Anacoreta Correia
  • 6 Maio 2024

A notícia de que quaisquer alterações serão precedidas de negociação na concertação social é uma boa notícia, invertendo-se a prática anterior de desrespeito completo pelo diálogo social.

A tão badalada Agenda para o Trabalho Digno não veio dar resposta aos grandes desafios do mercado de trabalho, mas criar desnecessariamente novos problemas. Além disso, muitas das alterações são tecnicamente deficientes, o que até parece fácil de corrigir, já que o Ministério do Trabalho é agora liderado por uma das mais prestigiadas académicas nesta área do Direito.

A legislação laboral deveria ser revista no sentido de criar condições para aumentar a produtividade, melhorar condições de trabalho, adequar a autonomia negocial ao nível de senioridade dos trabalhadores, promover a mobilidade dos trabalhadores e especialização de serviços.

É essencial rever as regras aplicáveis ao teletrabalho, nas suas múltiplas dimensões, possibilitando soluções distintas, consoante a iniciativa é do empregador, do trabalhador, ou simplesmente integrado numa política de benefícios.

Por outro lado, era importante definir regras diferentes na organização dos tempos de trabalho, consoante se trate de trabalhador com autonomia para organizar o seu trabalho, ou se trate de funções em que o planeamento é definido pelo empregador. Seria altura de recuperar a possibilidade de estabelecer acordos individuais destinados a assegurar flexibilidade na execução dos horários de trabalho, o que se mostrou no passado benéfico para todos.

Também merecem ser revisitadas as normas que visam dificultar o outsourcing e a aplicação a (verdadeiros) prestadores de serviços de instrumentos de regulamentação coletiva do beneficiário da atividade. As novas regras contribuem para um ambiente de insegurança jurídica e são um entrave à especialização de serviços. Em vez da obsessão com a integração vertical dos trabalhadores, seria mais interessante pensar num modelo em que grandes empresas tenham de controlar a sua cadeia de valor em termos de conformidade das práticas laborais.

Não faz sentido criar uma presunção de laboralidade das pessoas que prestam atividade através das plataformas, ainda por cima mal redigida. Seria mais equilibrada a criação de um regime próprio em que, independentemente do tipo de vínculo, fosse assegurada proteção social, garantia de tempos máximos de trabalho e garantia de tempo mínimo de descanso.

Dentro da mesma linha, não faz sentido criar uma presunção de laboralidade das pessoas que prestam atividade através das plataformas, ainda por cima mal redigida. Seria mais equilibrada a criação de um regime próprio em que, independentemente do tipo de vínculo, fosse assegurada proteção social, garantia de tempos máximos de trabalho e garantia de tempo mínimo de descanso.

O mesmo podia ser implementado em relação a todos os (verdadeiros) trabalhadores independentes economicamente dependentes. Em vez de se procurar impor a todo o custo um contrato de trabalho que muitas vezes não é desejado pelos próprios prestadores de serviços, seria mais interessante a criação de regime intermédio com atribuição garantias em algumas matérias essenciais.

Por outro lado, a possibilidade de o Ministério Público instaurar procedimento cautelar de suspensão de despedimento, após participação da Autoridade para as Condições do Trabalho, mesmo contra a eventual vontade do trabalhador, é suscetível de criar mais constrangimentos do que proteção efetiva do trabalhador.

Por fim, seria importante repensar todo o modelo de contratação a termo e de cessação do contrato, criando-se um regime de proteção gradual, de modo a combater a segmentação do trabalho de forma efetiva.

Para já, a notícia de que quaisquer alterações serão precedidas de negociação na concertação social é uma boa notícia, invertendo-se a prática anterior de desrespeito completo pelo diálogo social. Esperemos que, além de respeitar o processo negocial, exista vontade política de melhorar a qualidade da legislação laboral e de assegurar que a mesma dá respostas adequadas a problemas atuais.

  • José Pedro Anacoreta Correia
  • Sócio área Laboral da PLMJ

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