Aeroporto Luís de Camões, uma epopeia lusitana
A ideia de construir sem aporte do Orçamento do Estado é a dúvida central. A realidade é que, deturpando o título de um livro de Milton Friedman, 'there is no such thing as a free airport'.
A comunicação ao país arrancou na que parecia ser a direção errada. Logo após confirmar as decisões (mais que antecipadas pelos media) sobre os destinos do novo aeroporto em Alcochete, da ‘velha’ Portela, da terceira travessia sobre o Tejo e da ligação ferroviária a Espanha, Luís Montenegro começou a elencar os feitos do Executivo em 32 dias de governação, nas áreas da saúde para os idosos, da habitação para os jovens, entre outras.
Depois de várias trapalhadas de principiante, o Governo queria mostrar serviço, prometendo ainda um ritmo intenso para o futuro. Confesso que tive algum receio que Montenegro tivesse tomado as decisões sobre as infraestruturas de forma precipitada, pressionado pela necessidade de mostrar determinação e cumprir promessas. Felizmente, ultrapassada a politiquice da espuma dos dias, acertou o rumo e deu a dignidade merecida a uma decisão que se arrastava há meio século.
Esse percurso de procrastinação diz muito sobre a política portuguesa nos primeiros 50 anos de democracia. Apesar de a governação ter sido dominada por dois partidos, foram raros os assuntos importantes nos quais PSD e PS conseguiram chegar a acordos. O resultado: avanços e recuos, indecisões e atrasos.
O que mudou agora? Num raro momento da lucidez política que tem faltado nas últimas semanas, o Presidente da República acertou no alvo – há um muito raro e promissor consenso entre os dois principais partidos para estes projetos e que todos esperamos que se confirme. Marcelo não o mencionou, mas à exceção (quase natural) do PAN, o consenso estendeu-se ao resto dos partidos parlamentares, também algo praticamente inédito. A decisão é reforçada também por ter como base um longo trabalho de uma comissão independente.
A existência de consenso sobre a decisão não representa, felizmente, a ausência de dúvidas e questões. Para começar, há as das organizações ambientalistas, que vêm Alcochete como opção problemática e antecipam dificuldades em sede de estudo de impacto.
Há incógnitas sobre o custo, o financiamento e o calendário dos projetos. O Governo tem razão quando diz que não podia apresentar tudo ao mesmo tempo, até porque os temas têm de ser estudados, quantificados e negociados. O ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, tem salientado a necessidade manter o poder negocial, mas a afirmação que a construção do aeroporto deverá ser feita num modelo de financiamento sem aporte do Orçamento do Estado, ou seja, paga com a receita das taxas aeroportuárias cobradas pela ANA, levanta muitas dúvidas, nomeadamente como é que a relação do Estado com a concessionária poderá ser alterada.
A realidade é que, deturpando o título de um livro de Milton Friedman, there is no such thing as a free airport.
Mas nesse aspeto também há bons sinais. A reação imediata da concessionária detida pela Vinci foi positiva, mostrando-se disponível para trabalhar de imediato na decisão do Governo de avançar com o aeroporto em Alcochete e de aumentar a capacidade da Portela até à entrada em funcionamento da nova infraestrutura, apesar de no passado ter demonstrado preferência por outras soluções (Portela + Montijo). O Governo também esteve bem ao anunciar que vai negociar com a concessionária para reduzir prazos, que só para o desenvolvimento do projeto podem ultrapassar os três anos e meio.
Qualquer das opções disponíveis ao Governo levantaria estes tipos de dúvidas. No passado recente causaram mesmo mudanças de rumo, com custos a nível nacional e local. No pico da crise de 2011, em vésperas de pedido de resgate, vi (em reportagem) as consequências para a zona de Alenquer da reversão da opção Ota para o novo aeroporto. Não só o país perdeu anos em atrasos, mas uma região do país ficou pendurada e, no fim, a perder.
Esperemos que Alcochete não tenha o mesmo destino. A epopeia do aeroporto parece ter feito uma viragem decisiva, ainda está ainda longe de chegar a bom porto, mas oxalá que se confirme.
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