Finanças de boa saúde

A Saúde precisa de certas contas das Finanças. As finanças precisam de contas certas na Saúde. Os portugueses estão a contar com isso. Pela sua saúde.

Temos estado todos à espera das novidades: a nova ministra, o novo diretor executivo do SNS, o novo plano de emergência do SNS, etc. Esta espera ativa é positiva e marca um novo ciclo político mas não esqueçamos que muitos problemas são estruturais e exigem uma atuação determinada e consequente.

A sustentabilidade financeira do sistema de saúde, ou, pelo, menos, do Serviço Nacional de Saúde tem que ser assumida, se não quisermos ficarmos presos ao “feitiço do tempo” de todos os anos acordarmos com o pesadelo do orçamento da saúde.

Bem sabemos que todos os países se debatem com este problema: que é sério, torna-se a maior preocupação dos cidadãos, não tem respostas fáceis nem pret-a-porter e… tende a agravar-se. Está dito e comprovado mas vou repeti-lo: a despesa com saúde vai necessariamente aumentar de forma significativa nos próximos anos (mais literacia, rendimento, inovação, envelhecimento, etc) e temos é que refletir como a financiar.

Em Portugal, o problema é claro e agudo. Ainda recentemente o Tribunal de Contas rejeitou a aquisição de medicamentos oncológicos a um hospital do SNS porque, em maio, “o que está aqui em jogo é a falta de dotação orçamental…”. Em maio!

Há um crónico subfinanciamento da Saúde e há também uma inadequada orçamentação do SNS. Já vários ex-Ministros da Saúde alertaram que o Ministério das Finanças parece ter um papel predominante e do Terreiro do Paço há quem diga que o SNS nunca entendeu que tem um orçamento para respeitar. Haverá uma suspeição mútua.

A Saúde acha que o financiamento é insuficiente e tardio e suspeita-se que as Finanças apenas querem poupar no orçamento (anual). As Finanças acham que a Saúde é voraz e os instrumentos de planeamento e controlo são frágeis.

Esta situação dura há demasiados anos, não tem resultado em termos financeiros (como demonstra sistematicamente o Conselho de Finanças Públicas: todas as EPE com resultados negativos, sistemáticas injeções no final de cada ano, dívidas, etc), penaliza a relação com os diversos parceiros e, acima de tudo, não permitiu investir devidamente em prevenção, nem em recursos para fazer face às necessidades em saúde.

Devem ser criados mecanismos de confiança entre as partes para que haja transparência, financiamento adequado, evidência da eficiência e do controlo da despesa e para tal propõem-se 5 medidas:

  1. Criação de uma Lei de Meios do SNS, com identificação clara das fontes de financiamento e das diversas áreas de aplicação dos fundos (prevenção e promoção, atividade assistencial, programas diversos, investimento, etc), com caráter plurianual, com os termos da contratualização e os mecanismos de reporte atempados da despesa e do controlo orçamental. Para além do cumprimento do previsto na Lei de Bases da Saúde, deve haver regras de evolução das dotações e, perdoem-me os puristas de finanças públicas, pode prever-se alguma consignação de receita (por exemplo de imposto sobre o tabaco e de imposto sobre bebidas alcoólicas);
  2. Alteração da Lei de Enquadramento Orçamental para ter mapas orçamentais do SNS. Tal como acontece com a segurança social, o orçamento deve ter mapas vinculativos sobre as receitas e as despesas do SNS e identificação das verbas para missão assistencial, prevenção, investimento, cuidados continuados e outras intervenções;
  3. Executar um exercício mais completo de spending review. Tal como aconselham as boas práticas da OCDE, um trabalho conjunto das Finanças e da Saúde deve permitir fazer análises sobre a eficiência dos recursos afetos. A retoma do processo da avaliação das tecnologias da saúde (HTA) deve permitir alinhar a entrada da inovação em Portugal com a dos outros países, com sustentabilidade;
  4. Criação de um Conselho Tarifário para definição dos termos de referência da contratualização (interna e externa) do SNS. Para reabilitar a credibilidade da contratualização, considerando a estrutura de custo das instituições, e não menorizar a atuação dos gestores, os preços devem ser definidos de forma objetiva e adequada e não meramente administrativa;
  5. Incluir no Plano Nacional de Reforma uma meta para aumento do indicador do número de anos saudáveis aos 65 anos onde Portugal compara mal, com forte penalização dos mais velhos e uma pressão desproporcional sobre o sistema.

Bem sei que isto não é saúde e que para falarmos de sustentabilidade temos necessariamente que falar de recursos humanos, nomeadamente profissionais de saúde, de oferta e sua complementaridade, de organização, de transições demográfica, ambiental e digital mas comecemos pelo que é básico mas essencial: As bases de uma relação transparente e de confiança entre as Finanças e a Saúde.

A Saúde precisa de certas contas das Finanças. As finanças precisam de contas certas na Saúde. Os portugueses estão a contar com isso. Pela sua saúde.

  • Colunista convidado. Vice-presidente do Conselho de Saúde, Prevenção e Bem-estar da CIP

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