“O Sistema Nacional de Saúde não incentiva a inovação em Portugal”

  • ECO
  • 4 Junho 2024

O ECO juntou a Fundação Champalimaud, a Sword Health, a Johnson&Johnson Innovative Medicine e o Health Cluster Portugal para debater a inovação na saúde.

Portugal tem recursos humanos e instituições competentes para a investigação e desenvolvimento na área da saúde, mas também vários entraves. O Serviço Nacional de Saúde não incentiva através das suas compras a inovação e o tempo de decisão e execução das autoridades é demasiado longo, dificultando a atração de investimento das multinacionais e de ensaios clínicos.

São algumas das mensagens deixadas na 2.ª Conferência ECO Saúde e Economia, que decorreu no dia 28 de maio, e contou com a presença de Guy Villax, presidente do Health Cluster Portugal; Fabíola Costa, diretor of clinical research da Sword Health; Pedro Garcia da Silva, scientific coordinator da Fundação Champalimaud, e Filipa Mota e Costa, diretora-geral da Johnson&Johnson Innovative Medicine.

A inovação está a revolucionar a prestação de cuidados de saúde, não só porque consegue quebrar as barreiras geográficas e de tempo e de falta de profissionais de saúde, mas também porque aparece como uma alternativa, utilizando a tecnologia para fazer a expansão daquilo que é o cuidado e chegar mais cedo, de forma mais atempada, idealmente de forma mais personalizada a cada um dos utentes.

Fabíola Costa

Diretor of Clinical Research da Sword Health

A inovação está a revolucionar a prestação de cuidados de saúde, não só porque consegue quebrar as barreiras geográficas e de tempo e de falta de profissionais de saúde, mas também porque aparece como uma alternativa, utilizando a tecnologia para fazer a expansão daquilo que é o cuidado e chegar mais cedo, de forma mais atempada, idealmente de forma mais personalizada a cada um dos utentes“, começou por dizer Fabíola Costa, diretor of clinical research da Sword Health.

A responsável pela Sword Health enalteceu ainda como benefícios da inovação “uma maior equidade no acesso à saúde; a redução de tempo de resposta, desde a referência até ao início do tratamento; e a satisfação de conseguirmos ver resultados tão bons ou melhores do que tínhamos visto seguindo os trâmites de tratamento mais tradicionais“.

O terceiro vertical [da inovação na Fundação Champalimaud] é perceber como escoamos a descoberta que é feita no laboratório para o quarto do doente. Ou seja, perceber como é que capitalizamos as descobertas que fazemos e as pomos ao uso da sociedade, e aí está para nascer um novo programa de terapias digitais na fundação.

Pedro Garcia da Silva

Scientific coordinator da Fundação Champalimaud

Pedro Garcia da Silva, scientific coordinator da Fundação Champalimaud, partilhou o que tem sido feito na instituição. “Nós dividimos as inovações dentro da fundação em três verticais: um nas novas terapias e na medicina personalizada, que pretende fornecer ao nosso doente chances de sobrevida melhores; outro na utilização de novas tecnologias para gestão de processo, no qual se inclui a IA para fazer onboarding de doentes; e o terceiro vertical é perceber como escoamos a descoberta que é feita no laboratório para o quarto do doente. Ou seja, perceber como é que capitalizamos as descobertas que fazemos e as pomos ao uso da sociedade, e aí está para nascer um novo programa de terapias digitais na fundação“.

“Eu acho que Portugal tem as capacidades, tem pessoas com conhecimento, tem instituições muito bem equipadas, portanto, eu diria que o difícil está feito. Falta, depois, capital ao país para alavancar a inovação. Mas, para não estarmos à espera e só daqui a 20/30 anos darmos esse salto e ficarmos alinhados ao nível do que melhor se faz na Europa, há algo que é o quick win, usando a presença de multinacionais, em Portugal, com capacidade de investimento forte, que usam o mundo como laboratório. É importante alavancar e acarinhar essas empresas que já estão em Portugal e permitir condições para que, em vez dessas empresas investirem noutros países, invistam cá”, defende, por sua vez, Filipa Mota e Costa, diretora-geral da Johnson&Johnson Innovative Medicine.

Atrair mais ensaios clínicos para Portugal é uma forma de reter talento e de o desenvolver, para além do capital que entra no país e que vai contribuir para a sustentabilidade do sistema de saúde.

Filipa Mota e Costa

Diretora-geral da Johnson&Johnson Innovative Medicine

“É como se fosse uma exportação de serviços, mas, por outro lado, é fazer com que essa investigação/inovação seja feita cá, e isso não só traz entrada de capital, como desenvolve o capital humano e as capacidades de inovação que há no país. Melhorando esse ecossistema e expandindo, isso atrai mais profissionais, mais investigação e mais investimento”, sublinhou.

Filipa Mota e Costa salientou a importância da atração de ensaios clínicos do setor farmacêutico, “pelo acesso à inovação para os doentes e o benefício clínico e de esperança que pode trazer”, mas também por ser “uma forma de reter talento e de o desenvolver, além do capital que entra no país e que vai contribuir para a sustentabilidade do sistema de saúde“.

Em teoria, a indústria que está à volta do setor da saúde, encontra, em Portugal, um cliente gigante chamado SNS que, por diversas razões, conseguiu obter os preços mais baixos da Europa. Portanto, a indústria do setor de saúde que serve o SNS tem margens magrinhas. E o SNS não incentiva a inovação em Portugal.

Guy Villax

Presidente do Health Cluster Portugal

Guy Villax, presidente do Health Cluster Portugal, salientou que “Portugal consegue fazer coisas fantásticas quando o tema tem a ver com a inovação”, mas criticou a visão que existe no setor público: “Inovar é pegar em conhecimento e fazer dinheiro. Em teoria, a indústria que está à volta do setor da saúde, encontra, em Portugal, um cliente gigante chamado SNS que, por diversas razões, conseguiu obter os preços mais baixos da Europa. Portanto, a indústria do setor de saúde que serve o SNS tem margens magrinhas. E o SNS não incentiva a inovação em Portugal. Mas as empresas portuguesas encontram soluções e o setor da saúde, que já exporta mais de três mil milhões, onde as exportações têm crescido 20% ao ano, em cinco anos, e vencem no estrangeiro muitíssimo bem”.

O papel da IA e os entraves à inovação

A inteligência artificial generativa vem potenciar as possibilidades da tecnologia. “O salto da IA generativa tem tudo a ver com conseguir potenciar o fator humano e isso significa empoderar os nossos profissionais de saúde, de forma a conseguirem fazer mais e melhor, e com mais atenção no doente, diminuindo a carga de ter que estar a rever constantemente como está a ser o progresso de cada um. Isso permite identificar quais são os doentes que precisam de uma atenção mais cedo e uma maior alteração daquilo que está a ser o seu trajeto de recuperação”, afirmou Fabíola Costa.

A Diretor of Clinical Research da Sword Health, disse que a “IA está a ser desenvolvida, em primeiro lugar sempre nesta combinação do humano com a IA, portanto não tanto vendo a IA como um substituto, mas sim como uma ferramenta extra que vai potenciar, que vai acelerar o trabalho, de forma a garantir que estamos a conseguir ir ao encontro do que cada doente necessita, com mais tempo e com menos burnouts dos nossos profissionais“, referiu.

Pedro Garcia da Silva, da Fundação Champalimaud, apontou duas questões que estão a travar a inovação na saúde em Portugal. “A primeira é que eu acho que há um mau aproveitamento do conhecimento gerado em contexto académico por empresas”, referiu. Por outro lado, “a perceção do investigador sobre a utilidade pública da sua investigação ou o mercado em que se está a inserir são os competidores académicos. Portanto, muitas das vezes, a perceção de mercado é muito mais pequena do que o mercado real. Tem que haver aqui quase que um salto de fé“.

Nós temos quatro incubadoras a nível mundial. Não estão baseadas em Portugal porque há outros países onde há mais ecossistema de inovação a nível europeu. O nosso papel em Portugal é ajudar a pôr estas estruturas em contacto. Já conseguimos que duas empresas portuguesas fossem avaliadas para perceber se faria sentido irem para a incubadora.

Filipa Mota e Costa

Diretora-geral da Johnson&Johnson Innovative Medicine

Se nós virmos os requisitos que hoje em dia são necessários para o desenvolvimento de algo no setor da saúde, o que vemos a acontecer no mundo são pequenas empresas, spin-offs, empresas de biotecnologia, que, depois, mais à frente, são compradas por grandes multinacionais que já têm capacidade de agir à escala global porque se não, não há eficiências do ponto de vista, não só de escala, como também o braço financeiro de conseguir desenvolver ensaios clínicos. Isso é um risco brutal que, geralmente, só é valorizado quando chega à fase final, mas para cada um que chega à fase final há muitas estatísticas que mostram que há muito que falha”, acrescentou, por sua vez, Filipa Mota e Costa.

A responsável da Johnson&Johnson Innovative Medicine explicou o que a empresa tem feito nesse sentido: “Nós temos quatro incubadoras a nível mundial. Não estão baseadas em Portugal porque há outros países onde há mais ecossistema de inovação a nível europeu. O nosso papel em Portugal é ajudar a pôr estas estruturas em contacto. Já conseguimos que duas empresas portuguesas fossem avaliadas para perceber se faria sentido irem para a incubadora. Não passaram nessa fase, mas eu diria que já foi muito bom duas startups portuguesas terem estado em avaliação”.

É importante agilizar processos de maneira a que Portugal seja competitivo no tempo de execução, seja ao nível das autoridades, que tem havido já alguns pequenos passos nesse sentido, mas pouco consistentes, seja ao nível dos hospitais que executam. E, por outro lado, tem de haver um diálogo de confiança com as empresas que trazem a inovação”, reforçou.

O mais positivo que nós temos em Portugal é verificar que, nos últimos 30 anos, o ensino superior, as universidades, foram das raras áreas que souberam convergir com o resto da Europa.

Guy Villax

Presidente do Health Cluster Portugal

Por sua vez, Guy Villax, do Health Cluster Portugal, voltou a referir as universidades como fundamentais nesse processo e concluiu: “O mais positivo que nós temos em Portugal é verificar que, nos últimos 30 anos, o ensino superior, as universidades, foram das raras áreas que souberam convergir com o resto da Europa. As nossas universidades produzem, hoje em dia, ótimos jovens, superqualificados. Portanto, quem está de parabéns são as universidades, sem dúvida alguma, e quando nos dizem que cerca de 25% dos jovens, ao saírem da universidade, nem sequer procurem emprego em Portugal, o que está mal são as empresas”.

Assista ao debate neste vídeo:

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