Tecnologia, recursos humanos e responsabilidade pessoal: a trilogia para a sustentabilidade do sistema de saúde

  • ECO
  • 3 Junho 2024

Os desafios do setor privado foram um dos temas abordados na 2ª Conferência ECO Saúde e Economia. Responsáveis apontam que será necessário investir fortemente em tecnologia e nos recursos humanos.

Bruno Gomes, CEO da Trofa Saúde, e Luís Drummond Borges, Chief Commercial Officer da Lusíadas Saúde, alertam que face ao envelhecimento da população e sobrecarga do sistema, os cidadãos terão de assumir uma maior responsabilidade pessoal, adotando hábitos de vida mais saudáveis. Vai ainda ser necessário investir fortemente em tecnologia, nos recursos humanos e na otimização. O reforço da capacidade do SNS deve passar por um “processo de especialização”, já o setor privado vai continuar a crescer, com os dois responsáveis a apontarem para fortes investimentos nos próximos anos. Opiniões deixadas durante a 2ª Conferência ECO Saúde e Economia, que aconteceu no dia 28 de maio, nos estúdios do ECO, em Lisboa.

A despesa dos portugueses com a saúde tem vindo a aumentar ano após ano, tendência que vai manter-se, antecipam os gestores. “A verdade é que a despesa na saúde vai continuar a aumentar e, na realidade, nunca o setor privado nem o setor público produziu tanto, mesmo continuando com listas de espera“, começou por dizer Bruno Gomes.

“Neste momento, cerca de 25% da população tem mais de 65 anos. E estima-se que, dentro de 10 anos, seja cerca de 35%. Se nada for feito, se não houver um investimento em recursos humanos e em tecnologia, será, claramente, incomportável”, afirmou o CEO da Trofa Saúde.

As pessoas estão a viver mais tempo com menos qualidade de vida. Para inverter isto, vai ser preciso chamar à responsabilidade cada um de nós porque os nossos hábitos de vida, em termos de exercício físico, em termos cognitivos, em termos mentais.

Bruno Gomes

CEO da Trofa Saúde

“As pessoas estão a viver mais tempo com menos qualidade de vida. Para inverter isto, vai ser preciso chamar à responsabilidade cada um de nós porque os nossos hábitos de vida, em termos de exercício físico, em termos cognitivos, em termos mentais, vão ter de evoluir para assumirmos mais proatividade nessa gestão. E aí, mesmo a saúde privada e pública também têm responsabilidade de criar essa sensibilidade e esse despertar de responsabilidade pessoal“, acrescentou.

A solução passa ainda por “colocar na mesma mesa os médicos, os enfermeiros, os gestores, a indústria, e quem pode desenvolver tecnologia no sentido de otimizar o tempo destes players todos e otimizar a relação que podemos ter entre os hospitais e essas pessoas”, referiu ainda o responsável do grupo Trofa Saúde, salientando que se será necessário “investir em tecnologia e profissionais de saúde, mas também investir na responsabilidade individual que cada um tem e aí, mais uma vez, a tecnologia na palma da mão pode dar uma ajuda.

“Além disso, com uma população cada vez mais envelhecida, vamos ter de nos especializar de alguma forma a gerir essa faixa etária para que essas pessoas não consumam demasiados níveis de serviços de saúde“, concluiu.

O CCO do Lusíadas Saúde referiu que o “crescente custo que se tem vindo a verificar ao nível do sistema como um todo, mas no SNS em particular, nasce de uma elevada desformatação da capacidade instalada e da remuneração dos recursos. O que acontece é que a remuneração que é hoje atribuída aos profissionais de saúde gera mecanismos de distorção do sistema, nomeadamente nos planos que se têm vindo a implementar. Nós remuneramos os profissionais ao nível do SNS e depois fomos remunerar complementarmente por produção executada, não medindo a produtividade efetiva na sua produção de base. Isto é um problema intrínseco do sistema, não só na remuneração dos médicos, dos serviços de enfermagem, de auxiliares”.

“Por outro lado, não deverão existir hospitais tão generalistas e é preciso fazer um processo de especialização. A política levou a que existam hospitais públicos em diversos sítios onde não há necessidade objetiva da existência desses hospitais e uma dispersão de recursos pelo país, com uma proximidade que não faz sentido ter. Por exemplo, os grandes hospitais privados têm uma única unidade de obstetrícia que faz partos. O SNS precisa também de fazer o processo de especialização. É preciso, se calhar, fechar hospitais de uma forma definitivae a arredar considerações políticas do circuito”, continuou.

A aposta na saúde mental

Há três grandes áreas com grande desenvolvimento no tempo – oncologia, neurociências e a cardiovascular. Na parte de neurociências, há mais desenvolvimento pelo facto de as pessoas estarem cada vez mais sensibilizadas. Neste momento, todos nós estamos muito mais sensibilizados para a questão emocional, psicológica e de neurociências, do que estávamos no passado e isso, naturalmente, leva a que haja muito mais procura de cuidados de saúde nessa área”, disse Bruno Gomes.

O grupo Trofa Saúde tem um Hospital de Neurociências, no norte do país, que já colaborou com o SNS: “Neste momento, naquela unidade temos cerca de 70 pessoas internadas, mas não trabalhamos só naquele local, trabalhamos com a rede toda, que são vinte hospitais, onde a maior parte dos tratamentos, a maior parte do diagnóstico, do acompanhamento, na parte das neurociências, não é inpatient, é no ambulatório. E, para além de ser feito com psiquiatras, é feito de uma forma multidisciplinar, onde acrescenta a psicologia e acrescenta a neurologia, quando assim é necessário. Essa é uma área que não é de futuro, ela já existe e vai existir no tempo porque, à medida que vamos envelhecendo, infelizmente uma das manifestações que temos passa pelo facto de que vamos perdendo algumas capacidades cognitivas”.

É nosso entendimento que quando nós pretendemos saber cuidar das pessoas, tudo o que tem que ver com a componente da saúde mental é essencial. E não só numa componente crónica, mas sim numa componente de prevenção, ligada aos burnouts, de promoção da saúde mental.

Luís Drummond Borges

COO do grupo Lusíadas Saúde

O Grupo Lusíadas também está a reforçar o investimento nesta área, com a aquisição recente do Hospital Lusíadas Monsanto, direcionada para a saúde mental. “É nosso entendimento que quando nós pretendemos saber cuidar das pessoas, tudo o que tem que ver com a componente da saúde mental é essencial. E não só numa componente crónica, mas sim numa componente de prevenção, ligada aos burnouts, de promoção da saúde mental. Por outro lado, também estamos a falar nas componentes ligadas a adições e a componentes que têm que ver com os comportamentos das pessoas. Cada vez mais as pessoas têm de ser responsáveis pelos próprios comportamentos e, portanto, nós pretendemos começar a atuar nesta área de uma forma mais diferenciada e, para isso, a unidade de Monsanto é um drive estratégico para que comecemos a trabalhar dentro da grande região de Lisboa, mas a nossa intenção é de que possamos ter um papel de intervenção a nível nacional“, disse Luís Drummond Borges.

Neste ponto, o responsável pelo grupo Lusíadas Saúde referiu, ainda, que estão “a verificar como será o posicionamento do próprio SNS nesta matéria, no sentido de perceber como podemos contribuir ou agir – se em complementaridade ou com o próprio SNS. Nós temos tido contacto de algumas unidades a pedir apoio nestas matérias, porque são áreas que também o próprio SNS precisa de apoio”.

Quais os investimentos prioritários?

Um dos nossos pilares passa pela proximidade, portanto a primeira parte do investimento é continuar a fazer a nossa rede no norte do país e a outra é dar à chave na Grande Lisboa para dar dimensão ao grupo. Para além disso, temos consciência de que ter mais de 1300 camas, mais de mil gabinetes e consultórios, mesmo fazendo cerca de três milhões de atendimentos de ambulatório, mesmo fazendo mais de 170 mil internamentos, ainda está muito longe da capacidade que temos para poder continuar a crescer”, partilhou Bruno Gomes.

Um dos nossos pilares passa pela proximidade, portanto a primeira parte do investimento é continuar a fazer a nossa rede no norte do país e a outra é dar à chave na Grande Lisboa para dar dimensão ao grupo.

Bruno Gomes

CEO da Trofa Saúde

Nesse sentido, o responsável da Trofa Saúde reforçou a necessidade de se entender a tecnologia “como uma ferramenta de ajuda efetiva nos percursos clínicos e administrativos, tornando-os mais eficientes, mais ajustados à realidade para permitir dedicar tempo ao mais importante, que é tratar as pessoas. Em 2025, vamos começar a receber internos, que não é uma tradição do grupo Trofa Saúde, e também estamos a começar a dar início à parte dos ensaios clínicos, na qual o grupo também nunca esteve“.

A ampliação e criação de unidades de saúde, bem como a aposta em tecnologia também estão nos planos do grupo Lusíadas Saúde: “O primeiro plano de investimento está focado nas pessoas do grupo e, portanto, há um grande investimento nos nossos colaboradores, na definição de uma lógica de carreira evolutiva, de uma remuneração efetiva, e de premiar o mérito. Portanto, é um pilar central. O outro pilar tem a ver com tecnologia. É extremamente importante investir nas componentes tecnológicas, quer seja pelo aumento da produtividade, quer seja para termos elementos diferenciadores e captação de recursos”.

No que diz respeito ao crescimento orgânico, nós olhamos para o país dividido em quatro regiões. Há a região norte, onde há uma estratégia de reposicionamento do grupo, já que o grupo precisa de ganhar massa crítica. Estamos a anunciar agora uma abertura em Paços de Ferreira de uma unidade hospitalar, e estamos a perspetivar a ampliação do nosso hospital em Braga para ter uma componente de internamento”, detalhou Luís Drummond Borges.

“Abrimos ainda agora também, em Santa Maria da Feira, uma unidade e, na zona norte, ainda falta mais dois ou três investimentos. No que respeita à Grande Lisboa, há uma necessidade de ampliação, há uma procura elevada, e nós estamos a tentar cobrir os eixos de entrada na grande Lisboa. Na região do Algarve, somos o segundo player e precisamos de fazer um crescimento estrutural. Abrimos um hospital em Vilamoura e vamos continuar o nosso processo de crescimento no Algarve, com duas unidades já programadas para um processo de abertura rápido”, concluiu o COO do grupo Lusíadas Saúde.

Assista ao debate neste vídeo:

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