Compacto Europa
A Europa está a regressar a uma visão política baseada na concepção particular de uma “identidade europeia” que observa a diversidade cultural, a pluralidade étnica como ameaças ao projecto europeu.
A campanha eleitoral para as eleições europeias é um desvario provinciano. Nada, mas mesmo nada, consegue fazer a ligação entre o projecto cosmopolita da Europa e a realidade paroquial de Portugal. Quando o debate visita o refúgio dos burros em Mirandela, mais um passeio na ria de Aveiro, mais a pobreza menstrual, mais os subsídios às touradas, mais a romaria ao Museu da Resistência em Peniche, mais a solução para a paz, mais a vocação liberal para a riqueza, mais o universo verde em cada gesto miraculoso, mais o mercado dos beijos e o comércio das selfies, nada muda relativamente ao vazio de uma campanha normal. Depois há o complexo de inferioridade da política nacional que se manifesta com a soberba política de uma grande capital da Europa.
Em plena campanha, Portugal tem a solução para todos os problemas da Europa sem fazer a mais pequena ideia dos problemas da Europa. E a solução para os problemas da Europa são sempre receitas a regra e esquadro retiradas da vulgata em circulação pelos meandros mais pobres da política nacional disfarçada de grande senhora europeia. Surge desde logo o argumento gasto até à medula de que os “portugueses não se interessam pela política europeia”, mas surge logo o mais clássico dos argumentos europeus que faz ressuscitar o interesse nacional – o fluxo de fundos que mantém o desenvolvimento nacional. A relação de Portugal com a Europa é sobretudo uma questão de gestão de caixa. São os custos da periferia atlântica que a Europa conhece e reconhece com assinaturas em cheque ao portador. E a maravilha fatal de um português como Presidente do Conselho Europeu.
Não imagino Meloni em Castelo Branco no festival da cereja. Não vejo Orbán no centro de integração do Fundão. Não encontro Le Pen numa traineira da Ria Formosa. Mas o Chega afirma que existem partidos portugueses a receber financiamento de George Soros. O discurso sobre a Europa em Portugal está dominado por velhos paradigmas que não correspondem à realidade. A AD com o clássico discurso do “humanismo” do PPE e do centro-direita. O PS com o virtuoso discurso do “social” associado ao PSE e ao centro-esquerda. A esquerda que oscila entre o discurso dos não-alinhados pela paz de outro século e as proclamações de uma Europa verde e das virtudes políticas da transição verde para erradicar as injustiças de um capitalismo aditivado a carbono. Os Liberais serão sempre liberais na crença do mercado. O Chega disfarça mal o nativismo do “nosso povo primeiro” e de um “Portugal para os portugueses”.
No meio desta confusão de ruídos e de recados sobretudo com destinatários internos, os Antonovs ucranianos aterram no aeroporto de Fiumicino em Roma e Zelensky aterra em Lisboa para celebração de um acordo bilateral. É a nova Europa que se anuncia entre os discursos da campanha e as explosões da guerra na Europa no território de um candidato a membro da União. Para além dos discursos e do sobe e desce dos comentários profissionais, a Europa muda em plena luz do dia talvez para ultrapassar uma ordem cosmopolita e liberal estabelecida para superação de uma vinculação nacionalista e exclusivamente agressiva.
O que é evidente no ambiente político da Europa é o regresso de uma visão política baseada na concepção particular de uma “identidade europeia” que observa a diversidade cultural, a pluralidade étnica, como ameaças ao projecto europeu enquanto afirmação de uma “Eurowitheness”. O nacionalismo dá assim lugar ao clássico discurso da direita radical em que ser europeu é pertencer a uma comunidade de destino de vocação exclusiva e universal.
A grande diferença é que a direita radical substitui o discurso “soberanista e eurocéptico” por um novo discurso “nativista e europeu” que afirma um outro modelo para uma outra Europa. Não é a contraposição entre uma “Europa das Nações” e uma “Europa Federal”, uma “Europa Tecnocrática” e uma “Europa Democrática”, mas o projecto de uma “Nação Europa” com todas as contradições que a designação encerra. Deste modo se justifica politicamente o discurso contra a imigração, a agressividade contra as minorias étnicas, o regresso de uma visão idealizada de um passado histórico corrompido pelas elites cosmopolitas à esquerda e à direita. Este movimento interno é a ideia de uma civilização da Europa a leste do paraíso com o regresso de outras e novas Cortinas de Ferro. A direita radical reinventou-se europeísta à imagem de uma Europa nativista e politicamente exclusiva. É a estratégia radical do “entrismo” – ganhar a Europa para mudar a Europa.
Na política portuguesa todas estas tendências são reduzidas à aritmética da luta interna pela supremacia eleitoral mais imediata. Que a Europa colapse, que a Ucrânia seja anexada, que o Planeta atinja a extinção com as alterações climáticas. Que importa que o Mundo como o conhecemos esteja sob ameaça, se num palanque improvisado no interior de um Portugal abandonado se garante a próxima vitória eleitoral.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Compacto Europa
{{ noCommentsLabel }}