Acionistas inativos, bombas-relógio em Grupos Familiares
Não há pretextos inultrapassáveis que justifiquem o potencial dano que um acionista provoca à sua Família e ao seu Negócio por assumir uma postura inativa.
Se abdicar das suas responsabilidades de gestão ou supervisão, um descendente deve receber do Fundador dinheiro e não ações – ou deve mais tarde vender as ações ao Grupo ou a outros acionistas
O que são acionistas inativos e como nascem?
Quando um Fundador começa a pensar na passagem para os seus filhos e filhas da propriedade do seu Grupo, preocupa-o que haja entre eles coesão, respeito, amizade e um relacionamento estreito – idealmente, que sejam quase cúmplices face ao Grupo.
O Fundador sabe que tem de fazer um esforço para que os filhos e filhas sem exceção dominem bem os três grandes mecanismos do negócio — quer venham a ter um papel executivo na gestão do Grupo quer se fiquem pela responsabilidade de supervisão em posições acionistas não executivas. Que mecanismos são esses?
- Primeiro, os pilares do Grupo – a cultura, o ethos, os valores, os objetivos estratégicos e as grandes linhas de orientação de desenvolvimento do negócio.
- Segundo, o economics do negócio, o edifício jurídico e societário, o modelo de governo, o modelo organizacional e as pessoas ou os compromissos ambientais e de sustentabilidade.
- E terceiro a essência dos aspetos operacionais do negócio – a compra da matéria prima, o trabalho de I&D, a fabricação, a gestão de parceiros e fornecedores, as características dos mercados interno e externos ou as atividades de marketing e vendas.
Estudos da ARBORIS evidenciam que alguns fundadores têm sucesso nesta missão mas a maioria falha, por falta de atenção, de paciência ou complacência com a relutância dos filhos ou filhas. E é quando falha que começa a nascer uma fissura entre os descendentes, entre aqueles que absorvem estes conhecimentos e assumem o compromisso do Fundador dando a melhor sequência ao seu legado – e os outros, que pouco ou nada absorvem ou assumem.
Naturalmente, a heterogeneidade das estruturas acionistas na segunda geração vai gerar dificuldades em manter a unidade necessária e um interesse e compromisso comum na preservação do legado e no desenvolvimento harmonioso do negócio, dificuldade que é normalmente amplificada nas gerações seguintes onde a fissura se transforma num fosso.
Quais as motivações que levam acionistas a optar por uma posição inativa face ao Grupo e porque têm de ser combatidas e vencidas?
Surgem assim os acionistas ativos e os inativos, uma divisão muito frequente que pode ser pequena e gerível ou determinar problemas graves no Grupo por causa da dimensão do fosso aberto entre acionistas. Temos tido oportunidade de nos depararmos com frequência com ambos os casos e, para além da falta de punho do Fundador, há duas razões principais para a emergência dos acionistas inativos…
- Porque optam por carreiras que nada têm a ver com o negócio do Grupo e descuram as suas responsabilidades de supervisão, delegando num acionista da sua confiança mas que pode ou não ser a pessoa mais adequada.
- Porque não tiveram paciência para a indução do Fundador, estão focados no dividendo e delegam o seu voto… novamente em alguém da sua confiança.
Nenhuma das duas razões é obviamente aceitável – conhecemos acionistas médicos, advogados, arquitetos ou empresários noutros domínios que não descuram o seu papel de acionistas ativos. E outros que acordam da preguiça para a sua responsabilidade, tiram cursos executivos, envolvem-se na empresa e tornam-se acionistas ativos.
Acresce que acionistas familiares recebem ações na empresa como parte da sua herança sem terem a preparação adequada para acompanhar e intervir na gestão, para serem de facto activos como acionistas. Numa situação destas, é frequente observar que estes acionistas se tornam passíveis de manipulação por acionistas ativos ou pela própria gestão executiva nem sempre nos melhores interesses do Grupo. Isso leva-os a questionar o status quo, o que pode ser um ótimo primeiro passo para a redenção…
As perguntas obrigatórias
O que é esperado, afinal, de mim como acionista?
Que decisões é suposto tomar e como me posso preparar para elas?
Como é que a minha opinião é representada no Conselho?
Estou confortável com quem me representa?
E o que tenho de fazer para me representar a mim próprio?
Como devo proporcionar aos meus filhos as mesmas oportunidades que estou a ver que os outros acionistas estão a criar para os filhos deles?
Um Grupo Empresarial Familiar precisa da presença ativa e do compromisso de todos os acionistas, não de alguns mas de todos . Por definição do que é um Grupo Familiar, a Família carburando em uníssono consegue oferecer uma base de propriedade particularmente sólida que permite aos seus negócios deter uma vantagem competitiva distintiva, em particular em termos de visão e capacidade competitiva a longo prazo. Quando funciona bem e de forma equilibrada, o grupo de acionistas garante ao negócio a estabilidade, visão e capital que permite que o desempenho de um negócio de raiz familiar supere os seus concorrentes não-familiares. Assim se passa em tantos exemplos que temos dado ao longo destas crónicas – em Portugal e no estrangeiro.
Se são passivos e delegam, como é que os acionistas inativos podem ser bombas-relógio, colocando em rico os negócios da Família em risco – e no limite a própria existência do Grupo?
Mesmo que alguns acionistas estejam em posição ativa e assumam a gestão do negócio de Família, o desbalanceamento de envolvimento no seio da base acionista potencia o desequilíbrio e desalinhamento que tende, mais tarde ou mais cedo, a desestabilizar e enfraquecer o negócio. E isto vai para além das tensões de base entre acionistas ativos e não ativos: um quer investir e o outro quer dividendos, um quer ser remunerado pelo seu trabalho e o outro opõe-se a essa remuneração. São conhecidos e públicos alguns exemplos, um outro vem da nossa experiência pessoal salvaguardamos o seu anonimato.
Grupo Espírito Santo. Ricardo Salgado afirma-se décadas como um líder forte, autoconfiante, dum charme irresistível e com um foco obsessivo no poder, na dimensão e no valor do seu Grupo. Embora se abrisse sempre ao diálogo, em particular nas reuniões regulares do Conselho Superior, ninguém discordava das suas opiniões ou decisões – os accionistas inativos delegavam os seus poderes em chefes de ramos da Família e, como relatei noutra crónica, quando as coisas correm mal há ramos de família que descobrem que o seu líder não foi verdadeiramente ativo mas tarde demais para evitar a queda do Grupo da Familía e do nome.
Grupo Sogrape. Em 2006, a família Bernardino Carmo (dona da Quinta da Bacalhoa) detinha 31,51% do capital da holding detentora da SOGRAPE. Contra a opinião da maioritária Família Guedes, o ativista Joe Berardo adquire esta posição porque “a família Carmo não estava feliz”. Seis longos anos de disputas judiciais depois, Berardo vende de volta a posição à Família Guedes que permite ao Grupo voltar a ter uma posição acionista homogénea e potenciadora do seu desenvolvimento a longo prazo – o que veio a acontecer. Aqui foi a família Carmo que demonstrou o que pode um acionista inativo fazer quando não se sente envolvido no negócio – Berardo foi para a Família Guedes a bomba-relógio, mas cujos estragos a Família conseguiu reduzir recuperando o controlo total do Grupo
O Grupo Semapa foi, a certa altura, alvo de um takeover hostil de Ricardo Salgado e das irmãs a Pedro Queiroz Pereira. Com a perda de controlo da Semapa quase consumada, Pedro joga uma carta de trunfo magistral denunciando com caixotes de provas irrefutáveis lançados para cima da mesa numa reunião do Conselho Superior do GES as graves más práticas de Ricardo Salgado com as contas do Grupo. Foi a salvação da Semapa e o princípio do fim de Ricardo Salgado, mas este tinha sabido aproveitar-se da atitude de acionistas passivas que as irmãs Queiroz Pereira forma desenvolvendo com a gestão centralizadora do irmão.
O Grupo Bensaude, referência nos Açores, é liderado por um CEO com muito poder e a nível acionista possui uma estrutura fragmentada e complexa, onde a liderança é ocupada por acionistas inativos havendo outros noutros ramos da família. O desempenho global do Grupo, uma amálgama de negócios muitos deles fracos e sem escala, carece de supervisão e o número de acionistas inativos que procuram contribuir é elevado, dificultando a unidade e construção de consensos necessárias a uma adequada supervisão da gestão do Grupo.
Finalmente, temos um Grupo líder na sua área é detido em partes iguais por vários acionistas, metade dos quais claramente passivos. Um dos acionistas ativos propõe, com o apoio de um seu irmão, comprar-lhes a certa altura a posição na maior unidade de negócio do Grupo advogando que era o momento ideal para vender – quando não era. A falta de capacidade de compreensão da situação leva os acionistas inativos a confiar na leitura dos irmãos proponentes e acaba por vender, a um valor que rapidamente se percebe ser baixo demais. Um exemplo clássico da bomba relógio que levou os acionistas inativos a desbaratar muito valor ao Grupo por vender o negócio em situação desfavorável.
Como evitar a emergência de acionistas inativos
A implementação de modelos de Governo Acionista modernos e de desenvolvimento da Next Gen são contributos decisivo para a unidade acionista e para a inibição da emergência de acionistas inativos.
- É essencial um Protocolo de Família que estabeleça o modelo e as regras de funcionamento do Grupo e da as base acionista a todos os níveis, o que vai aumentar a proximidade e envolvimento dos acionistas.
- É necessário um Conselho Geral ou Conselho de Família instituído pelo Protocolo que estimule a união dos acionistas e da geração seguinte (Next Gen) reforçando a vivência dos seus valores e propiciando o envolvimento ativo da Next Gen para o futuro e se assuma como órgão de governance representativo de todos os acionistas com sentido de Gestão Universal da Família no qual sejam apresentados, apreciados, discutidos e decididos os aspetos chave onde cada acionista tenha possibilidade de ser informado e fazer ouvir a sua voz – p. ex. em opções estratégicas de investimento, em políticas de remuneração ou no modelo de gestão da geração seguinte.
- E é necessário um Programa de Gestão da NextGen que regule o seu envolvimento no negócio e processos de sucessão – particularmente crítico numa Família com filhos maiores dde idade ou próximo disso.
Nenhum Grupo Empresarial Familiar pode ter acionistas inativos – o Fundador deve discernir que um descendente não será um acionista ativo e dar dinheiro em vez de ações ou, se já for acionista, tem obrigação de vender ao Grupo ou a outros acionistas
Na lógica virtuosa de gestão de um Grupo de raiz familiar, a forma como os acionistas se relacionam com o negócio da Família determina em larga medida o sucesso do negócio e, em muitos casos, se o negócio na Família sobrevive e é perpetuado. Por isso cada acionista não se pode ver como dono de nada, mas sim como alguém que está a tomar conta dos bens que recebeu e os fortalece para transmitir à próxima geração – um acionista inativo está a abdicar desse papel e dessa responsabilidade
A existência de acionistas inativos leva automaticamente a que os acionistas ativos tenham invariavelmente uma atitude de posse, com uma escala que na realidade não têm o direito de ter.
Os exemplos apresentados mostram que não há pretextos inultrapassáveis que justifiquem o potencial dano que um acionista provoca à sua Família e ao seu Negócio por assumir uma postura inativa – essa postura pode e deve alterar-se independentemente da idade, da formação ou do tempo disponível desse acionista porque quando há vontade há soluções. Senão só há uma alternativa – o Grupo ou os outros acionistas compram a posição do acionista inativo.
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