Estados gerais. PS “prepara terreno” para chegar ao Governo
Fórmula lançada por Guterres, em 1995, ajudou os socialistas a ganharem as eleições depois de dez anos de cavaquismo. Dentro do PS, diagnóstico é consensual: "O PS tem de se preparar para governar".
O PS de Pedro Nuno Santos ganhou as eleições europeias — ainda que por pouco, e sem evitar a perda de um eurodeputado. O resultado renovou a confiança dos socialistas, depois de sucessivas derrotas eleitorais, e permitiu definir o próximo passo do partido: formar uma alternativa ao Governo. “Nos próximos meses o PS lançará os Estados Gerais para que nós consigamos construir com o país uma alternativa programática e de poder ao Governo da AD”, adiantou o secretário-geral do partido, durante o seu discurso de vitória, no domingo passado.
“É uma iniciativa que prepara o PS para governar“, afirma Eurico Brilhante Dias, ex-líder da bancada socialista ao ECO, sublinhando que o partido “tem muita experiência governativa e vai continuar a preparar terreno que lhe permita apresentar uma nova proposta política aos portugueses” à semelhança do que fez António Guterres, em 1995. “Estamos numa fase de construção programática e de abertura à sociedade“, sublinhou.
Os estados gerais foram uma estratégia de abertura do PS à sociedade civil lançados então por António Guterres quando liderava a oposição ao Governo de Cavaco Silva, e que permitiram lançar as bases da sua governação. Dentro do PS, os detalhes ainda são escassos. O processo ainda está a ser construído e nem há previsões de datas, admitem fontes próximas de Pedro Nuno Santos ao ECO. Certo, é que esta auscultação levará o seu tempo, e não deverá comprometer o debate para o Orçamento de Estado em 2025.
Além do debate orçamental
“Os estados gerais vão para além do debate orçamental, não é esse o objetivo do secretário-geral“, garantiu Brilhante Dias.
“Os estados gerais demoram tempo a preparar, mais de um ano. Não é uma reunião nem um encontro que se faz num mês ou dois. Exigem tempo e o timing de Pedro Nuno Santos indica que o PS não tem pressa”, afirma Daniel Adrião, terceiro candidato à liderança do PS, em 2022, e um dos primeiros defensores da realização de estados gerais no partido, defendeu numa opinião publicada no Público.
“Defendi que o PS fizesse estados gerais a seguir às legislativas porque da parte do eleitorado tinha ficado claro que era preciso uma mudança de estratégia“, indica em declarações ao ECO. “Pedro Nuno Santos assumiu a liderança do partido com timings apertados, não teve tempo de trabalhar para iniciar um novo ciclo politico. Há uma necessidade da nova liderança virar a página“, e estes fóruns abertos permitem fazer precisamente isso. Recuemos cerca de 30 anos.
Antes das eleições legislativas em 1995, António Guterres andou pelo país, chamou independentes e pediu ideias. No final desse roteiro, saiu massa crítica, um programa eleitoral e uma equipa governativa composta não só por membros do PS, independentes, como também de outras ramificações políticas. Entre eles, o comunista Joaquim Pina Moura, que foi ministro da Economia, Rui Pena, proveniente do CDS-PP e escolhido para ministro da Defesa e Fernando Gomes da Silva, que liderou a pasta da Agricultura. Além destes, juntaram-se também outros nomes conhecidos à causa de António Guterres, como Basílio Horta, dissidente do CDS, ou José Sérvulo Correia, oriundo do PSD.
No domingo de voto, a 1 de outubro de 1995, e após dez anos de cavaquismo, Guterres ganhou as eleições com 43,8% dos votos. Na Assembleia da República, sentaram-se 112 deputados do PS. Desde então, a fórmula tem-se vindo a repetir, com mais ou menos diferenças. José Sócrates, com o “Novas Fronteiras” ou o PSD com o “Mais Sociedade”, ambos em 2011, e no ano passado Luís Montenegro com o “Sentir Portugal”.
“Já era necessário que o PS se pudesse aproximar-se da sociedade civil e dos seus militantes e renovar, não só em termos de quadros, como também de propostas“, explica Miguel Matos, deputado do PS na Assembleia da República e secretário-geral da Juventude Socialista. “Isto, sobretudo depois da vitória nas eleições europeias em que os portugueses demonstraram que não se identificam com os power points e promessas da AD. O PS tem de se preparar para governar“, defende o jovem deputado.
A verdade é que a vitória nestas eleições europeias permitiu dar um novo impulso a Pedro Nuno Santos que assumiu a liderança do partido, em dezembro de 2023, depois da queda do Governo maioritário de António Costa, na sequência da Operação Influencer. Em seis meses, o secretário-geral já perdeu três eleições, todas este ano: legislativas e duas regionais (Açores e Madeira).
“Estou contente com a vitória“, disse no domingo, no hotel Altis, ao lado de Marta Temido, admitindo não entender quem dizia que esta vitória seria mais importante para si do que uma derrota para o primeiro-ministro, Luís Montenegro. “Acho que é ainda mais impactante para um Governo que ainda não tem desgaste e que faz anúncios de dois em dois dias”, afirmou.
O próximo passo será, então, de auscultação da sociedade para que, quando for altura, o PS tenha condições de apresentar uma proposta de Governo estável. Até lá, prometeu o líder socialista, o principal partido da oposição não irá contribuir para a instabilidade política do país, sinalizando que na altura do debate do Orçamento do Estado para 2025, em outubro, o primeiro do Governo de Luís Montenegro, não serão colocadas entraves incontornáveis nas negociações.
Mas aos olhos dos politólogos, não é consensual a relevância e os timings em dar-se início a um processo de auscultação da sociedade civil, ainda que isso possa levar largos meses.
“Não vejo nenhuma necessidade em convocar os estados gerais para a formação de uma maioria alternativa ao Governo, a não ser que se pretenda precipitar uma crise com o Orçamento do Estado“, considera André Freire, professor catedrático do ISCTE-IUL, investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, ao ECO.
“Os estados gerais servem para preparar uma nova maioria, mas não vejo uma vaga de fundo no PS nem uma rejeição generalizada da Aliança Democrática. Estamos no início do ciclo eleitoral. Estes estados gerais servem para marcar a agenda e vender a ideia de que o PS ganhou [as eleições europeias], mas foi uma vitória muito ténue”, diz.
Já Paula Espírito Santo considera ser “importante” que o PS faça um balanço do ato eleitoral” por ser “o primeiro partido da oposição” e principal alternativa governativa.
“O partido deve estar em permanente contacto com os militantes, as bases do partido e a sociedade civil, de forma geral, no sentido de perceber como devem continuar a ser mobilizados para os próximos atos eleitorais“, aponta a investigadora no Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP) ao ECO, referindo, a título de exemplo, as autárquicas, em 2025.
“O que se está a fazer neste momento é medir o pulso da situação, perceber se há entendimento político internamente e, daí, delinear uma estratégia para o futuro. O tempo político tem de permitir que haja espaço para clarificar os eleitores”, acrescenta a politóloga que afasta o risco destes estados gerais precipitarem um novo terramoto político.
“É a grande questão que nos preocupa, mas creio que ainda não é tempo de pensar nesse desafio. Não seria benéfico para nenhum partido, sobretudo para o PS“, vinca.
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