O presidente da Amcham não considera que a presença de acionistas chineses em empresas portuguesas seja um foco de tensão. Espera melhoria de relação bilateral.
As relações com os Estados Unidos melhoraram durante a presidência de Joe Biden e o presidente da Câmara de Comércio Americana em Portugal (Amcham), António Martins da Costa, confia que o mesmo acontecerá caso Donald Trump consiga voltar à Casa Branca. Reforço de relação bilateral em detrimento da União Europeia “tem alguns benefícios”, defende numa entrevista conjunta com Elsa Henriques e Bernardo Correia, membros da direção da Amcham.
“Embora sejam adotadas normalmente políticas mais protecionistas, barreiras alfandegárias, etc., é privilegiado o relacionamento bilateral e não tanto o relacionamento entre blocos“, começa por apontar António Martins da Costa, que é também assessor do Conselho de Administração Executivo da EDP.
“A União Europeia, num cenário desses, se calhar perde protagonismo relativamente à relação transatlântica. Mas a relação bilateral dos Estados Unidos, país a país, tende a reforçar-se do ponto de vista económico. E nesse aspeto Portugal tem alguns benefícios“, sublinha. Até porque “nós continuamos a ter um conjunto de fatores que são extremamente interessantes para os Estados Unidos”.
Portugal tem uma importância estratégica e não podemos pensar que é apenas mais um país da União Europeia. Portugal tem muito para oferecer e os Estados Unidos conhecem isso muito bem, independentemente de qual é a administração que lá está.
“Portugal tem uma importância estratégica e não podemos pensar que é apenas mais um país da União Europeia. Portugal tem muito para oferecer e os Estados Unidos conhecem isso muito bem, independentemente de qual é a administração que lá está”, sublinha o presidente da Amcham.
António Martins da Costa aponta a importância de Sines, “o porto de águas profundas que está mais perto do Canal do Panamá” que é um dos poucos que tem capacidade de regaseificação do gás natural liquefeito (GNL) que é transportado em navios. É ainda um hub de telecomunicações devido ao cabo submarino.
O presidente da Amcham destaca também a capacidade de Portugal para a produção de hidrogénio verde, as segundas maiores reservas de lítio da Europa, o facto de os Açores serem um “um porta-aviões no meio do Oceano Atlântico” e a “ligação preferencial que Portugal tem com os países africanos de língua oficial portuguesa”. “Essas características continuam a ser algo bastante estratégico”, remata.
“Aquilo que tem sido a evolução do relacionamento económico entre Portugal e Estados Unidos tem sofrido pouco, conforme a administração é mais do Partido Democrático ou do Partido Republicano”, defende António Martins da Cruz.
O presidente da Amcham argumenta com números: “Nós atingimos em 2023 praticamente dez mil milhões de exportações de bens e serviços de Portugal para os Estados Unidos. Os Estados Unidos ultrapassaram tradicionalmente um parceiro importante para Portugal para as exportações, que é o Reino Unido, sendo o quarto maior destino das exportações portuguesas.” O saldo nas relações comerciais é favorável, dado que Portugal importa cerca de seis mil milhões dos Estados Unidos, entre bens e serviços. Acresce que há cerca de 2.000 milhões de euros em stock permanente de investimento, sobretudo em empresas tecnológicas. O antigo administrador executivo da EDP aponta ainda os dois milhões de visitantes americanos em Portugal: “É o maior crescimento em número de turistas praticamente de todos os contingentes de turismo que tenham relevância.”
Elsa Henriques, presidente da Comissão de Educação e I&D da Amcham, realça ainda outra dimensão. “Há uma procura cada vez maior por Portugal ao nível das universidades, quer de professores e investigadores, mas também de alunos“, afirma.
“Tirando aquilo que são os programas e parcerias internacionais muito dirigidas, havia um desconhecimento do que era Portugal quer em termos de geografia quer em termos da qualidade e da dimensão do nosso sistema científico, tecnológico e académico. E isso hoje é completamente diferente”, acrescenta a administradora executiva da fundação Luso-Americana.
“Estive naquilo que é a maior feira de mobilidade académica, que é sempre nos Estados Unidos, embora seja uma feira mundial. Estavam mais de 20 escolas e universidades portuguesas num stand com alguma dimensão, 50 pessoas. E o nosso stand estava sistematicamente cheio e era procurado por universidades de todos os cantos dos Estados Unidos na procura de destinos para os seus estudantes. Quase que um Erasmus entre os dois continentes. Mas também para parcerias em termos de investigação, em termos de intercâmbio de docentes, de investigadores e de alunos”, conta Elsa Henriques.
Para António Martins da Costa, a presença de acionistas chineses em grandes bancos (BCP) ou empresas (como a EDP e a REN), não é um um fator de tensão nas relações entre Portugal e os EUA. “Que eu tenha sentido, não”, responde. “São relações comerciais normais. Portugal opera de acordo com as leis portuguesas, com as regras da União Europeia, respeita-as. Não podemos esquecer que Portugal há 500 anos que tem relações com China e é um relacionamento que é assinalado de forma muito positiva também pelos nossos parceiros chineses”, afirma.
Talento interno é insuficiente para mercado de tecnologia
“Os últimos quatro, cinco anos para Portugal, em termos de ciência e tecnologia e na relação com os Estados Unidos, são absolutamente estratosféricos“, avalia Bernardo Correia, presidente da Comissão de Inteligência Artificial, Dados e Cibersegurança da Amcham e country manager da Google Portugal.
Em termos de reskilling de competências digitais da população, em termos da digitalização das PME e da capacidade de transformar, para além do setor tecnológico ou académico, para levar essa transição digital para a totalidade da economia, está muito por fazer.
“Quase todas as grandes startups, unicórnios, empresas de tecnologia, estão numa estratégia de US first. Não é US only, mas é US first. Isto é essencialmente por causa da atividade e dinamismo do mercado americano”, aponta.
“Mas é também um reflexo da dificuldade que muitas vezes as empresas de tecnologia têm em fazer negócio na Europa e ultrapassar as dificuldades que o mercado único europeu tem em ser um mercado fluído. Primeiro vão para os Estados Unidos, para criar escala, e só depois vêm para a Europa”, acrescenta.
“Há coisas muito positivas na construção de Portugal e da Europa como um destino de investimento tecnológico, mas é preciso percebermos que temos ainda muito caminho pela frente. Por exemplo, em termos de reskilling de competências digitais da população, em termos da digitalização das PME e da capacidade de transformar, para além do setor tecnológico ou académico, para levar essa transição digital para a totalidade da economia, está muito por fazer”, considera o country manager da Google em Portugal.
Para Bernardo Correia “o desenvolvimento de talento interno é obviamente insuficiente para captar as necessidades do mercado de tecnologia” e “são precisos muito mais”. “A Europa como um todo deve apostar em competências digitais. Há três formas principais de as obter: primeiro, formar nas universidades; segundo, com programas de requalificação da população em geral; e terceiro importar de fora”, defende.
“Tem a ver com trazer ou importar talento qualificado de outros mercados e de outros países em geral. É assim que se criaram os Silicon Valley desta vida. São centros de talento global. Aliás, basta ver a composição das administrações das grandes empresas de tecnologia: são um pouco de todo o mundo. Em Portugal falta fazer esse caminho”, diz.
“Uma coisa mais importante a fazer, especialmente para reduzir o risco de desigualdade na introdução de tecnologia na economia é espalhar as competências digitais de uma forma mais equitativa para a população. E nisso estamos muito, muito atrás”, diagnostica.
Ainda no desenvolvimento de talento, Elsa Henriques defende que Portugal deve manter as parcerias com o Massachusetts Institute of Technology (MIT), a Universidade de Austin e a Carnegie Mellon, que o anterior Governo começou a renegociar. “Eu espero firmemente que sim”, diz, afirmando que os valores não são elevados face ao benefício. “Nunca foi mais do que 2% ou 3% do orçamento anual da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Se é para nós catapultarmos aquilo que são as nossas competências, temos que aprender com os melhores”, defende.
Regulação com mais caixas que a tabela periódica
Para António Martins da Costa, “a Europa corre o risco de ficar atrás daquilo que é a máquina permanente de inovação dos Estados Unidos e da China, com um modelo diferente”. O presidente da Amcham aponta a regulação com um dos fatores de bloqueio. “Aliás, na brincadeira costuma dizer-se que o maior produto que a Europa exporta é a regulação.”
Qual a diferença em relação aos Estados Unidos? “A regulação nos EUA é um processo bottom-up [de baixo para cima]. Aparece alguma ideia nova, um mercado que se gera à volta dessa ideia, aparecem concorrentes, começa-se a desenvolver os operadores e consumidores começam a sentir a necessidade de ordem e surge a regulação”, começa por responder o presidente da Amcham.
Se eu mostrar aqui o quadro de toda a regulação do setor digital na Europa, tem mais caixinhas que a tabela periódica dos elementos.
“Na Europa é ao contrário, normalmente é top-down [de cima para baixo]. Sabe-se que existe uma determinada matéria, começa-se por fazer um enquadramento e um edifício regulatório, bem feito, devo dizer, geralmente são coisas muito sólidas, e depois pede-se que quem vai operar esses mercados comece a encaixar-se nesse edifício. São ambos corretos, só que o europeu é mais lento e mais restritivo na forma de desenvolver. O americano dá muito maior liberdade para crescer“, considera.
“Se eu mostrar aqui o quadro de toda a regulação do setor digital na Europa tem mais caixinhas que a tabela periódica dos elementos. Isso para empresas grandes, multinacionais, pode não ser o final do mundo, aumenta um pouco os custos de compliance. Para empresas de tecnologia, startups, é mais uma razão que leva a apostar noutro mercado, especialmente nos EUA, antes de desenvolver na Europa”, aponta Bernardo Correia.
Onde deve Portugal colocar as suas fichas? “A Inteligência artificial, estando muito no início, era mesmo muito importante que a Europa fizesse grandes passos no desenvolvimento e na adoção dessa tecnologia. Mas há outras. A computação quântica é uma delas, a robótica é outra. E não devemos estar à espera que apareçam empresas que venham investir. Devemos criar nós próprios os centros de investigação, para depois podemos exportar essas tecnologias”, recomenda Bernardo Correia.
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Eleição de Trump pode ter “alguns benefícios” para Portugal
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