Exportadoras portuguesas começam a sentir o impacto da crise política em França
Empresários apreensivos com instabilidade política em França, o segundo melhor mercado de exportação para as empresas nacionais e que ocupa o mesmo lugar na lista de investidores estrangeiros no país.
Cerca de 80% dos sofás vendidos pela Suffa têm como destino França. Trata-se do principal mercado da fabricante de sofás premium localizada em Lordelo, no concelho de Paredes, que fechou o ano passado com uma faturação de 5,2 milhões de euros. E que já está a sentir o impacto da crise política nas vendas. “O atual contexto político e económico de França está a afetar a confiança dos consumidores“, reconhece André Fernandes, CEO da Suffa, acrescentando que o clima de incerteza política pode levar a uma retração no consumo. As preocupações do empresário nortenho são transversais às associações empresariais que representam os setores mais expostos àquele que é um dos principais parceiros económicos de Portugal e que emprega 60 mil pessoas no país.
As empresas portuguesas exportaram, no ano passado, 10,1 mil milhões de euros em bens para França, o equivalente a 13% das exportações nacionais, com o mercado francês a ocupar a segunda posição no ranking dos maiores destinos de venda de bens portugueses. Olhando para o período entre janeiro e abril deste ano, os últimos dados disponíveis, as exportações para França somam 3.421,3 milhões de euros, -4% que em igual período do ano passado, e 12,9% do total das exportações portuguesas.
Do lado das importações, França ocupa também um lugar de destaque, surgindo como o terceiro maior fornecedor de Portugal, com um peso de cerca de 7% (7,3 mil milhões de euros) nas importações nacionais, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) compilados pela AICEP para o ECO.
França tem um papel muito importante em Portugal, com grandes grupos, como a Airbus e a Renault, a investir.
França é ainda o segundo maior investidor direto estrangeiro em Portugal, que atingiu 17,4 mil milhões de euros no ano passado, ligeiramente acima dos 17,3 mil milhões registados em 2022, revelam os números do Banco de Portugal. “França tem um papel muito importante em Portugal, com grandes grupos, como a Airbus e a Renault, a investir”, adiantou ao ECO Laurent Marionnet, diretor-geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Francesa (CCILF), à margem de um evento organizado em fevereiro.
Com o país à beira da indefinição política, perante a subida do partido de extrema-direita francês União Nacional nas intenções de voto, André Fernandes alerta que “a incerteza política e as repercussões das possíveis mudanças sociais e económicas, não só em França como também noutros países europeus, podem ter um impacto direto no comportamento do consumidor e um efeito de retração no momento de compra, faz com que os mercados, e sobretudo os investidores, fiquem mais cautelosos”. Uma situação que vem acentuar as dificuldades enfrentadas pelo setor, que já se debatia com a incerteza económica e os aumentos no preço da eletricidade, problemas que “deverão manter-se a curto e médio prazo”.
Quanto ao negócio da Suffa em França, o CEO da empresa de sofás reconhece que “desde o início do ano que [verifica] um abrandamento no ritmo das encomendas”. “Os últimos dados de que dispomos, e que são relativos a abril, indicam um decréscimo de 9%, sendo que em março tinha atingido o 8º mês consecutivo em queda. Há uma maior ponderação no ato de compra, que passou a ser menos impulsiva”, justifica.
França é mercado principal das exportações portuguesas de mobiliário, ao representar 32% das vendas, no valor de 710 milhões de euros. As exportações portuguesas em 2023 foram de 2,2 mil milhões de euros. Gualter Morgado, diretor executivo da Associação Portuguesa das Indústrias de Mobiliário e Afins (APIMA) contabiliza que no primeiro trimestre deste ano, o mercado francês quebrou 10% face ao mesmo período do ano anterior. Para a associação do mobiliário, não restam dúvidas que o setor está perante um “claro abrandamento económico”.
Questionado sobre o cenário de instabilidade com a ascensão da extrema-direita, o diretor executivo da Associação Portuguesa das Indústrias de Mobiliário e Afins (APIMA) responde que “qualquer governo que não promova a estabilidade social e o bem-estar da população, gera apreensão e baixa a confiança dos consumidores, levando-os a adiarem decisões de investimento, principalmente no que diz respeito a bens de consumo duradouro, como é o caso dos nossos setores de atividade”.
À semelhança do mobiliário, as vendas de componentes automóveis para o mercado francês (terceiro maior mercado da indústria portuguesa) também estão a abrandar, com as exportações para França a registaram uma quebra de 26,2% entre janeiro e abril deste ano. José Couto, presidente da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), constata que o “arrefecimento do consumo se traduz numa diminuição da procura a nível global”.
Metais, calçado e vestuário mais expostos
A Suffa é uma das 5.808 empresas que exportavam para França no final de 2022. As indústrias com maior peso para o mercado francês são as do calçado, têxtil, metalurgia e metalomecânica, e madeira. Segundo a Associação Empresarial de Portugal (AEP), em cada um destes setores, a dependência das vendas para a França é superior a 15%. “Tratando-se de setores de elevada especialização da economia portuguesa, é importante garantir que não venha a ocorrer um efeito negativo, que se arraste à economia portuguesa”, alerta o presidente do conselho de administração da AEP, Luís Miguel Ribeiro.
No caso do metal, França é o segundo maior mercado do setor, com 15% das exportações, tendo sido responsável por vendas na ordem dos 3,9 mil milhões de euros em 2023. “Maioritariamente em produtos e serviços altamente especializados e de elevado valor acrescentado”, conforme explica Rafael Campos Pereira. Segundo o vice-presidente executivo da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), “Portugal é um fornecedor de confiança dos grandes clusters representados na economia francesa, como o aeronáutico, automóvel ou defesa“. Nos últimos anos, as exportações têm crescido de forma contínua, tendo aumentado 7,5% entre 2022 e 2023.
Portugal é um fornecedor de confiança dos grandes clusters representados na economia francesa, como o aeronáutico, automóvel ou defesa.
Rafael Campos Pereira admite que, segundo as sondagens, o “mais provável” é que o Rassemblement Nacional e os seus aliados ganhem as eleições, eventualmente sem maioria para formar governo, pelo que precisarão do apoio de outros partidos. E nesse cenário “poderá haver alguma instabilidade governativa”, analisa. Ainda assim, o porta-voz do setor mais exportador da economia portuguesa refere que “é uma economia que está altamente dependente de fornecedores de qualidade e que assegurem resposta às exigências dos grandes clusters — e nesse aspeto, o Metal Portugal ocupa um lugar de pódio”.
“Temos acompanhado de perto a situação e, para já, não se sentem grandes alterações. Aliás, continua a haver um grande foco no mercado francês, alavancado pela recente estratégia europeia de aposta no setor da defesa”, explica o representante do setor. “A indústria da defesa em França é muito relevante e a AIMMAP está a acompanhar um conjunto de iniciativas muito interessantes para ajudar a posicionar as empresas nacionais como fornecedores qualificados de excelência. As empresas estão muito interessadas em explorar esta oportunidade, até porque estão preparadíssimas para responder aos desafios desse setor”, remata.
A indústria têxtil e do vestuário exporta 16% para França. “Não podemos prever os resultados políticos das eleições em França, muito menos se haverá ou não instabilidade daí resultante. No entanto, considerando a importância que a França tem para Portugal, tanto no setor têxtil e vestuário como no resto da economia — mas também no contexto do mercado único e da economia (e indústria) europeia –, a Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP) espera que “esses resultados não causem instabilidade política que possa afetar a economia“.
“A França é um player extremamente importante no contexto europeu e internacional e esperamos que todos os agentes ajam com a responsabilidade necessária para evitar uma instabilidade política e, sobretudo, económica neste importante parceiro de negócios para o mundo e para Portugal”, acrescenta fonte oficial da ATP, em declarações ao ECO. Tal como nos metais, França é o segundo maior mercado para esta indústria, logo atrás de Espanha.
Segundo a ATP, em 2021 e 2022 França foi mesmo um dos mercados que mais cresceu. Em 2023 sofreu uma ligeira quebra, fixando-se o valor das exportações de têxteis e vestuário para este destino em 930 milhões de euros. Os dados do primeiro quadrimestre de 2024 revelam uma quebra de 8%, semelhante a outros importantes destinos das exportações portuguesas deste setor, relacionada com a tendência de quebra do consumo.
Para o calçado, “França é historicamente o principal mercado”, tendo apenas sido suplantada nos últimos anos, depois da pandemia, pela Alemanha, como explica Paulo Gonçalves, porta-voz da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS). Portugal exporta, em média, 400 milhões de euros por ano em sapatos para França. Sem querer alarga-se em comentários, o responsável refere que “precisamos, no essencial, de estabilidade” naquele mercado.
“No contexto da União Europeia, França é o segundo maior mercado, a seguir à Alemanha, com mais de 15% da população e mais de 17% do PIB. Neste sentido, qualquer instabilidade e incerteza do quadro político francês terá repercussões, não só para o próprio país, mas também para a Europa e, consequentemente, para Portugal“, alerta o presidente do conselho de administração da AEP, Luís Miguel Ribeiro.
Qualquer instabilidade e incerteza do quadro político francês terá repercussões, não só para o próprio país, mas também para a Europa e, consequentemente, para Portugal.
Luís Miguel Ribeiro alerta ainda que recentemente houve “outros importantes parceiros internacionais europeus com uma instabilidade política que se prolongou durante algum tempo”, como foi o caso de Espanha, o maior cliente e fornecedor das empresas portuguesas. “Provaram serem capazes de manter a sua economia resiliente, mitigando o impacto negativo nas relações económicas com Portugal”, completa o responsável, notando, porém, que “como qualquer cenário de imprevisibilidade requer, devemos manter a prudência”
Com as exportações portuguesas muito concentradas num pequeno conjunto de países, como é o caso de França, Luís Miguel Ribeiro alerta que “a prioridade nacional deve ser a de garantir, de forma pró-ativa, uma maior diversificação das exportações portuguesas, nomeadamente para mercados fora da União Europeia, designadamente de grande dimensão e dinâmicos, mitigando futuros riscos nos nossos principais clientes”.
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