Britânicos preparam “castigo” a Sunak nas urnas. Trabalhistas mais perto de Downing Street

Ao fim de 14 anos no poder e cinco primeiros-ministros, os conservadores liderados por Rishi Sunak devem sair derrotados e assistir a uma vitória esmagadora dos Trabalhistas de Keir Starmer.

Mais de 47 milhões eleitores britânicos são esta quinta-feira chamados às urnas para eleger um novo Parlamento no Reino Unido. A decisão acontece depois de, inesperadamente, Rishi Sunak ter antecipado eleições mesmo numa altura em que os receios de uma crise económica na região desvaneciam. Em junho, os dados revelavam que inflação homóloga da região desacelerou para 2% em maio, contra 2,3% do mês anterior, atingindo o objetivo estabelecido pelo Banco da Inglaterra pela primeira vez em quase três anos.

“Dentro do partido havia pressão para que se antecipassem eleições para aproveitar o cenário económico. Foi uma jogada política arriscada que não parece que vá colher frutos“, diz Paulo Sande, especialista em assuntos europeus ao ECO, argumento subscrito por Henrique Burnay. “Mesmo com isto nas mãos só prova que Sunak não sabe o que faz, nem escolher um timing indicado“, atira o analista o consultor de assuntos europeus.

Depois de uma governação imprevisível de Boris Johnson, a passagem curta (mas danosa) de Liz Truss e a incapacidade política de Rishi Sunak, a popularidade dos Conservadores (Tories) – pressionada, simultaneamente, por sucessivas polémicas internas – está em baixa, e nem os dados macroeconómicos parecem convencer os eleitores que procuram por alguma estabilidade política naquelas que serão as primeiras eleições depois do Brexit.

As sondagens antecipam uma reviravolta na Câmara dos Comuns com um regresso em alta do partido Trabalhista (Labour). Num Parlamento em que se sentam 650 deputados, as intenções de voto para o partido de centro-esquerda são de cerca de 40% o que poderá traduzir-se em 428 lugares, contra 203 na legislatura anterior. É preciso recuar até 1997 para se verificar uma vitória tão significativa. Na altura, o Labour de Tony Blair obteve 415 deputados, conquistando mais 147 deputados em relação a 1992, uma ampla maioria absoluta.

Já para os Conservadores, as sondagens não são tão animadoras. As intenções de voto não superam os 20%, o que se traduz em 127 lugares na Câmara dos Comuns na próxima legislatura, contra 365 conquistados nas últimas eleições.

Câmara dos Comuns do Reino UnidoJESSICA TAYLOR HANDOUT/EPA

 

Além de uma reviravolta significativa, também se admite Rishi Sunak falhe a eleição pelo círculo de Richmond, em Yorkshire, um condado no norte de Inglaterra que o próprio representa desde 2015, noticia o The Guardian. “Uma derrota enorme”, quantifica Paulo Sande, sublinhando que internamente “o partido está dividido”. Já a própria campanha eleitoral conduzida por Sunak, durante o último mês, com especial enfoque sobre a imigração, “envergonha qualquer conservador”, considera Burnay.

O resultado, diz o consultor em assuntos europeus, é uma reação “evidente” da parte dos eleitores que estão a “castigar” um governo que está no poder há mais de uma década, e sob a liderança de cinco primeiros-ministros diferentes, da forma mais democrática possível. “Os conservadores estão a pagar o preço de duas coisas: por um mau governo e por um Brexit que não teve as consequências que se previam“, diz.

“Em França, as pessoas mostram o seu descontentamento com manifestações. No Reino Unido, o sistema político funciona e por isso os eleitores irão votar em alternativas“, simplifica o consultor em assuntos europeus. Os Trabalhistas são, neste momento, a opção favorita. Mas nem sempre foi assim. Afinal de contas, os Tories ocupam o nº10 em Downing Street há 14 anos.

 

Depois de sucessivas expulsões de figuras mais radicais da extrema-esquerda dentro do Labour – entre elas, a de Jeremy Corbyn e Nick Brown –, assistiu-se a uma necessidade de reposicionar o partido mais ao centro, mas sem nunca abandonar as raízes de esquerda. Isso está patente no programa eleitoral que promete mais investimento público (sobretudo na saúde e energia) e um aumento dos impostos no setor privado, sobretudo das grandes empresas, na próxima legislatura.

Sir Keir Starmer, advogado de direitos humanos de 61 anos, e adepto aguerrido de futebol nos tempos livres, é a cara dessa ambição e poderá estar perto de se tornar no próximo primeiro-ministro do Reino Unido já no próximo dia 17 de julho, dia em que o Rei Carlos oficializa a agenda legislativa do governo. Ingressou na política em 2015 quando foi eleito deputado pela primeira vez, e assumiu a liderança do partido cinco anos mais tarde.

“É alguém moderado, de centro-esquerda, que irá certamente promover uma relação mais saudável entre o Reino Unido e a União Europeia (UE)”, diz Henrique Burnay. Mas não irá mais longe que isso, e o próprio líder dos Trabalhistas assim garantiu: o Reino Unido não voltará a aderir à UE, ao mercado único nem à união aduaneira se for eleito primeiro-ministro.

“É alguém centrista. É criticado por ser alguém com pouco carisma, pouca ambição e por fazer uma política muito burocrática“, explica Paulo Sande. Uma figura muito oposta de Nigel Farage, que regressa à política para dar voz aos eurocéticos da ala mais extremista do Partido Reformista (outrora Partido do Brexit) e para trazer algum “frenesim” à campanha eleitoral, admite o especialista em assuntos europeus.

As sondagens indicam que o partido está a ganhar força (16% das intenções de voto) e poderá eleger até oito deputados para Câmara dos Comuns. Um resultado “pouco relevante”, considera Burnay, perante uma Europa que tenta resistir à ascensão da extrema-direita. Mas num Reino Unido em que as legislativas se disputam em 650 círculos uninominais a uma só volta, ganhando o mais votado, se o eleitorado de direita se dividir entre candidatos Tories e os Reformistas, os Trabalhistas saem beneficiados.

Da esquerda para a direita: Nigel Farage, Keir Starmer e Rishi Sunak

 

Por ser quase certo que os Trabalhistas poderão ganhar as eleições desta quinta-feira, a questão que agora se coloca é qual será o futuro dos Conservadores. Pela Europa fora, são vários os países, como em França, Espanha e na Grécia, em que os partidos tradicionais veem-se ameaçados pelas alternativas mais radicais.

“Vai ser importante perceber o que vai acontecer com os Tories: se vai ser tomado assalto pela ala radical ou se vai fazer uma renovação e voltar ao centro-direita, resistindo ir buscar votos à ala mais radicalmente anti-europeísta”, aponta Henrique Burnay.

As urnas abrem às 7h da manhã e só fecham às 22h. Será por volta dessa hora que serão conhecidas as primeiras sondagens à boca das urnas. Depois disso, é uma questão de esperar que cada círculo eleitoral anuncie os resultados das suas contagens. Será uma noite longa: Segundo o The Guardian, os primeiros resultados são esperados por volta das 23h30 e os restantes serão divulgados até às 3h da manhã. Cerca de 440 dos 650 lugares serão declarados nas duas horas seguintes. Só pelas 8h da manhã de sexta-feira estarão contados todos os votos.

Crescimento ligeiro e inflação alta com Labour no poder

Os analistas do Goldman Sachs também já dão como garantida a vitória dos Trabalhistas, antecipando impactos económicos que resultarão numa mudança de inquilinos em Downing Street. Numa nota enviada às redações, os especialistas antecipam um “crescimento a curto prazo ligeiramente mais forte e uma inflação ligeiramente mais elevada” com uma maioria trabalhista na Câmara dos Comuns.

“Prevemos uma subida do crescimento de cerca de 0,1 pontos percentuais em cada um dos anos de 2025 e 2026, o que provavelmente aumentaria marginalmente o crescimento dos salários e a inflação“, revela a nota.

Mas além de as políticas dos trabalhistas pressionarem a economia, vão também apertar o orçamento. De acordo com as contas da Goldman Sachs, “os Trabalhistas tencionam seguir as mesmas regras orçamentais que o atual governo, o que resulta numa margem de manobra orçamental limitada no manifesto”. Dito isto, adiantam os analistas, o partido liderado por Keir Starmer teria “provavelmente” de aumentar a despesa em 14 mil milhões de libras por ano (cerca de 16,54 mil milhões de euros) a mais do que o previsto até ao final ano para evitar uma derrapagem na despesa dos serviços públicos.

O banco norte-americano antecipa que “grande parte deste aumento” seria financiado através de perdas contabilísticas mais baixas do mecanismo de compra de ativos do Banco de Inglaterra, “quer através de uma redução do ritmo de aquisição de ativos, quer através de uma redefinição das regras orçamentais“. Ou até mesmo de “aumentos modestos dos impostos para manter a margem de manobra aos níveis atuais“, nomeadamente, sobre as mais-valias e as heranças.

Quanto às políticas propostas pelos Trabalhistas, o Goldman Sachs estima impactos económicos positivos a curto e médio prazo, desde logo, um impulso na produtividade e construção de casas através de uma reforma do sistema de planeamento e uma melhoria nos laços comerciais com a UE que resultariam de um maior investimento do setor público – algo que, por sua vez, atenuaria os custos do Brexit.

Por outro lado, impostos mais elevados poderiam reduzir os incentivos ao investimento; e a promessa do Partido Trabalhista de reduzir a migração líquida poderia afetar a oferta de mão de obra. “Estes potenciais efeitos no crescimento a médio prazo são, contudo, difíceis de quantificar sem sem mais pormenores políticos”, diz o banco.

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