Manter viva e vibrante a alma do fundador

Capitalizar na figura do Fundador homenageando sem reservas o seu legado é uma capacidade distintiva exclusiva de Grupos Familiares que pode aportar um retorno sem paralelo.

1. A Alma do Fundador: o que a caracteriza e porque representa um ativo crítico

Um Grupo Familiar nasce quase sempre da capacidade empreendedora duma pessoa que fez obra graça a reunir um conjunto de atributos fortes e distintivos : o Fundador. Foi a sua força, o seu talento e a sua perseverança que o levaram a idealizar o seu negócio, a fazê-lo crescer ganhando mercado e dinheiro e a preparar a sua sucessão. Porque qualquer grande Fundador sabia, e sabe, que preparar a sua sucessão com tempo e rigor e transmitir um ethos de ambição aos seus descendentes, filhos ou filhas, era essencial para que partisse em paz, tranquilo sobre o futuro dos frutos do seu trabalho.

Hoje, os melhores Grupos Empresariais Familiares têm uma característica determinante em comum – duas, três, quatro ou mais gerações depois os descendentes comungam de uma veneração do Fundador e têm uma noção clara de quanto isso é importante para a coesão familiar e a força e competitividade do negócio do Grupo.

E os membros das Famílias desses Grupos Empresariais estão determinados em preservar e reforçar os valores e o ethos que ele passou para os seus descendentes cultivando a sua imagem, tendo presente as qualidades da sua personalidade que fizeram a diferença no seu tempo e expondo, para dentro e para fora, histórias, episódios, citações ou testemunhos marcantes do Fundador que o mantêm bem vivo.

E a Família não o faz apenas por uma questão sentimental ou pelo orgulho de mostrar para fora a qualidade das suas raízes. Sabe que o Grupo ganha, em muitos níveis, com a notoriedade e admiração pública que o Fundador receber – ganha na qualidade da sua imagem de marca, no respeito e colaboração de stakeholders externos ao longo da cadeia de valor, no preço dos seus produtos ou qualidade do ambiente organizacional que vai atrair e reter os melhores colaboradores.

Em síntese, não há dúvida que a figura do Fundador tem um potencial único para ser uma incomparável mais valia para o desenvolvimento de um Grupo Familiar e do seu negócio. Cabe agora ao Grupo Familiar saber explorar esse potencial da forma mais eficaz, atrativa e consistente com os seus valores fundamentais, o que pode ser mais fácil se a figura marcante for o Fundador e não um descendente e a designação ou a marca comercial do Grupo coincidir com o apelido da Família.

2. Como Grupos Familiares famosos usam a sua História na conexão com os seus stakeholders internos e externos: Resultados de um estudo recente em Itália

Postais, fotos, livros de contabilidade antigos ou logotipos e imagens de marcas e campanhas publicitárias do tempo da fundação do Grupo são mais do que apenas lembranças do passado de um Grupo Familiar – são uma parte importante do legado familiar, uma rede de significados que é transferida e transmitida de uma geração para outra, alimentando a paixão e o apego a esse passado.

Em 2023, uma equipa de investigadores italianos mergulhou na história de três Grupos Familiares famosos para perceber como capitalizam nos seus atributos históricos distintivos – Pirelli, Zegna e Dompé. Deste estudo tiraram quatro grandes conclusões, que reproduzimos aqui para reforçar a nossa perspetiva sobre o legado da empresa e , naturalmente, a importância de manter viva e vibrante a alma do Fundador:

  • O legado é um ativo distintivo de qualquer Grupo Familiar e assenta nos atributos da sua história – mas não está relegado ao passado. Pode e deve contribuir para o sucesso atual do Grupo criando uma profunda consciência do que o Grupo fez e significou para as pessoas. Criar uma narrativa em torno do passado do Grupo pode tornar os seus valores fundadores visíveis e credíveis hoje, mostrando que são as raízes do negócio, e não apenas instantâneos do passado.
  • A recolha sistemática de artefactos históricos pode construir um repertório poderoso de narrativas e histórias essenciais para construir a comunicação do legado familiar a nível interno e externo. Acionistas e gestores do Grupo devem ter presente que o seu trabalho pode ser uma peça importante no “legado futuro” do Grupo e isso alimenta a consistência de práticas e a ambição no dia a dia.
  • As práticas estabelecidas de gestão do património e da gestão de arquivos são importantes para tornar o legado dum Grupo Familiar significativo para o futuro. Vale a pena investir em suporte profissional externo para organizar os fluxos de documentos, selecionar artefactos materiais, conectar a estratégia de arquivo com as diferentes funções do negócio. Os três Grupos estudados dedicam grande esforço às suas Fundações, provando que se trata de instrumentos eficazes para a capitalização no legado do Fundador ligando-o à contribuição para as grandes preocupações sociais dos dias de hoje.
  • Finalmente, uma boa coleção de artefactos é importante mas tem de ser mantida viva. Esses artefactos materiais precisam ser incorporados em histórias que moldam a imagem externa da empresa familiar. Histórias, e não apenas artefactos materiais, ressoam com os stakeholders do Grupo e por isso tem de existir uma estratégia de comunicação atrativa que reforce a transmissão dos atributos do legado para dentro e para fora.

3. Na senda da capitalização na imagem do Fundador: casos selecionados

A nível internacional, há dezenas de casos que se destacam pela forma como tiram partido da figura do Fundador. Destes escolhemos cinco europeus pela sua universalidade e relevância para o próprio valor do Grupo através das suas marcas – não por acaso coincidentes com o nome do próprio Fundador, são os exemplos mais poderosos.

Ralph Lauren

Ainda vivo e na liderança executiva do seu negócio, o estilista americano funda a Ralph Lauren Corporation em 1967 e desde o início que determina e comunica da forma mais intensa possível a sua personalidade, os seus valores e um claro posicionamento social alvo de viva voz ou através dos artigos da sua marca e dos elementos chave do seu estilo de vida que quer projetar na marca – o rancho ou uma das mais valiosas coleções de automóveis antigos do mundo são dois exemplos. Preparando a sua sucessão, reforça a projeção da marca através da Fundação Ralph Lauren dedicada em particular aos cuidados de prevenção do cancro.

Estée Lauder

Em 1946, funda com o marido a sua própria empresa Estée Lauder Companies. A sua personalidade, o seu sucesso, a admiração de que era alvo e o seu espírito visionário foram intensamente exploradas na comunicação dos produtos da sua marca e a simbiose desta comunicação entre a Fundadora e a marca foram a essência do seu sucesso – reconhecido em 1998 pela revista Time como a única mulher dentre os 20 génios empresariais mais influentes do século XX. A marca explora muito citações suas que ficaram famosas, como “Act tough: what others call tough I call persistent”

Chanel

Coco Chanel, uma empresária determinada e elegante consciente da importância da exclusividade, fundou a sua empresa nos anos de 1920 ganhando forte notoriedade graças à inovação e iumagem marcante do corte da roupa, dos tecidos, das carteiras e do próprio perfume. Um estilo e um portfolio de artigos icónico que evoluiram até hoje mas preservando os atributos distintivos originais da marca e da Fundadora. A marca vive em larga medida da imagem da sua Fundadora e o Grupo não se inibe em explorar os atributos de Coco Chanel – basta ver os filmes, as fotos e o repertório de histórias do site do Grupo.

Porsche

Um ícone clássico do desportivo elegante e discreto mas capaz de conquistar um pedigree notável em Le Mans ou no Paris Dakar, a marca alemã Porsche foi fundada em 1931 por Ferdinand Porsche tendo o seu filho Ferry Porsche a seu lado. Seria difícil imaginar um Fundador e um Grupo Familiar mais alinhado com os típicos valores alemães – discrição, rigor, obsessão pelo perfecionismo na engenharia e no design quase escondendo uma grande ambição de vencer. Estes atributos distintivos não são mais do que a projeção da personalidade de Pai e filho que encarnam em conjunto a imagem do Fundador do Grupo. Ainda hoje nas redes sociais a comunicação mais frequente da marca assenta em fotos e filmes produzidos ao longo da sua História, não em material recente. O filme de Ferry Porsche a fazer o tour da fábrica de Zuffenhausen durante a produção do Porsche 356 tornou-se icónico – a abertura do filme diz tudo sobre o Fundador e os seus atributos únicos com Ferry Porsche, muito elegante num fato cinzento e gravata escura sentado com descontração no guarda lamas dum 356, a abrir a primeira imagem e saudar o espetador “Greetings to all our Porsche friends” . Mais elegante e discreto é impossível – e assim passa o Fundador os seus atributos ao Grupo e à marca.

Ferrari

We cannot describe passion, we can only live it“. Em 1929 Enzo Ferrari começa a competir com a sua Scuderia e em 1947 o Grupo começa a produzir automóveis de estrada para financiar o seu negócio de competição – mas o sucesso da procura foi muito maior do que se esperava e nasce o Grupo e a marca Ferrari. Apesar de continuar a fortalecer o seu pedigree único em competição, a marca ganha um estatuto de desejo incomparável no mundo automóvel e o negócio do Grupo reflete esse estatuto. A alma do Fundador esteve e está sempre presente: o seu caráter determinado, agressivo e vencedor é passado pelo Grupo em cada linha de carroçaria e cada cavalo de potência e muito do valor da Ferrari decorre da personalidade única do seu Fundador. O Grupo sabe e explora isso na comunicação mas sobretudo na agressividade e flamboyance dos seus modelos, um caráter quase oposto à Porsche. A Fundação Enzo Ferrari mantém viva a figura do Fundador de forma muito atraente, acessível e completa enaltecendo naturalmente os atributos mais caros à marca.

Nos cinco casos que acabámos de descrever a essência da alma do Grupo, e a própria denominação de marca, estavam no Fundador o que facilita a exploração da simbiose que se defende. Em Portugal escolhemos seis casos onde a simbiose pode ser mais difícil de explorar – porque nem sempre o apelido da Família é o nome do Grupo ou a denominação da sua principal marca ou porque não é ao Fundador que o Grupo vai buscar a raiz do seu legado ou dos seus valores mas a um descendente cuja alma se considera representar muito melhor esse legado e esses valores.

Mota Engil

Manuel António da Mota fundou, em Amarante, a Mota & Companhia, semente do Grupo Mota Engil após aquisição em 2000 da Engil SGPS. A ambição, a paixão pela qualidade e pelas grandes obras e um espírito humano são ainda hoje os alicerces da cultura do Grupo reforçados pela criação, ação e exposição da Fundação com o seu nome. Dentre os vários testemunhos que o Grupo partilha de forma exemplar destaco o do General Ramalho Eanes “Foi um homem que me impressionou tanto que eu acho que a vida dele é verdadeiramente um caso de estudo”. Não obstante as fotografias, a história ou os testemunhos o Grupo peca por não transmitir o percurso do homem, dos seus valores, das suas vitórias ou das suas frustrações à altura do testemunho apresentado – algum potencial por explorar.

Amorim

O Grupo nasce com António Alves Amorim em 1870 mas são os netos e em particular Américo Amorim que imprime a expansão mundial em cortiça e cria um portfolio de negócios paralelo hoje ainda mais valioso. Mais do que o avô, sente-se ter sido ele o verdadeiro Fundador e a sua personalidade de uma força, dinamismo e autoconfiança marcam os valores e o ethos do Grupo quer das suas filhas quer dos sobrinhos. A sua filha Paula frisava hoje numa conferência que foi aos 70 anos que o Pai fez o negócio da sua vida, a compra da Galp – um sinal de vitalidade notáve e invejável. Com tal figura como Fundador, o Grupo tem ainda potencial para ir muito mais longe na exposição da sua vida e da sua personalidade com os muitos “artefactos” que seguramente terá consigo, de facto hoje a exploração dos atributos de Américo Amorim é ainda algo sóbria e pouco rica.

Aveleda

Casa fundada há 150 anos por Manoel Pedro Guedes, grande sonhador e visionário cujos valores na criação de vinhos se mantêm presentes 5 gerações mais tarde. A sua presença é sentida de forma sóbria, num vinho de topo com o seu nome por exemplo, mas não se vislumbra que o Grupo tenha identificado e partilhado os aspetos potencialmente interessantes da sua personalidade, dos seus valores ou da sua vida e os “aartefactos” capazes de tornar o Fundado um fator de atração para o negócio do Grupo.

Pestana

O Grupo foi fundado em 1972 por Manuel Pestana com a abertura do primeiro hotel na Madeira e o atual presidente Dionísio Pestana assumiu a expansão nacional e internacional criando um dos maioes grupos hoteleiros de raiz europeia. O fundador foi na realidade Manuel Pestana, apresentado como uma personalidade visionária do Pestana Hotel Group mas cuja personalidade e valores não são explorados pelo Grupo em detrimento da visibilidade do filho que se diria ser o verdadeiro Fundador. De facto, a determinação, a visão e o esforço de erguer hotel a hote, resort a resort um grande Grupo apoiado numa organização altamente admirada torna Dionísio Pestana a figura incontornável do Grupo, que estando hoje ainda muito ativo é o maior promotor do Grupo pelo número qualidade e interesse das suas entrevistas à comunicação social.

Teixeira Duarte

Em 1921 Ricardo Teixeira Duarte funda o Grupo mas uma análise da comunicação do Grupo leva-nos a sentir muito maior relevo dado ao seu filho Pedro em termos da sua história pessoal , dos seus valores e da sua personalidade. O grupo passa assim de certa forma uma noção de que a sua verdadeira referência como Fundador não é Ricardo mas sim o seu filho Pedro. O que se conhece de Pedro, falecido no ano passado aos 105 anos, não poderia caracterizar uma figura mais positiva, ambiciosa, humana – um líder amado e incontestado. Tal figura oferece um enorme potencial enriqucer o Grupo com a força dos seus atributos mas esse potencial é explorado de forma muito discreta – o que se percebe e está escrito sobre Pedro Teixeira Duarte poderia ser mais rico e fortalecer a imagem distintiva do Grupo.

Sogrape

Com 77 anos de História, o Grupo foi fundado por Fernando Van Zeller Guedes, cuja imagem de amante da vida, algo aristrocrática e fortes atributos de personalidade passados ao Grupo como o arrojo e a inovação, são usados com intensidade na comunicação do Grupo e dos seus valores. No entanto o seu nome ficou no passado – são poucas as referências que o caracterizam como pessoa e fazem a ligação aos valores e ethos do Grupo hoje.

4. Comentário final

De facto, capitalizar na figura do Fundador homenageando sem reservas o seu legado é uma capacidade distintiva exclusiva de Grupos Familiares que pode aportar um retorno sem paralelo. Ficou demonstrado como se pode fazer e, com exemplos nacionais, o que pode faltar caso a caso para o conseguir à luz do estudo e casos europeus apresentados. Cabe agora a cada Grupo Familiar saber explorar o potencial da “Alma do Fundador” da forma mais eficaz, atrativa e consistente com os seus valores fundamentais. Isso pode sem dúvida ser mais fácil se a figura marcante for o Fundador e não um descendente e a designação ou a marca comercial do Grupo coincidir com o apelido da Família – mas em todo o caso os exemplos apresentados mostram que não serão nunca obstáculos para tornar mais viva e vibrante a Alma do Fundador – como ele e o Grupo merecem!

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