Governo trava regresso de milhares de professores à Caixa Geral de Aposentações

Trabalhadores precários, forçados a interromper a atividade por um dia ou um ano, não vão poder reinscrever-se. Decreto baseia-se num acórdão mais restrito e contraria centenas de sentenças.

Milhares de professores da escola pública com contratos precários, no passado, e que viram a carreira interrompida por um dia ou um ano, contra a sua vontade, não vão poder reinscrever-se na Caixa Geral de Aposentações (CGA), segundo o decreto aprovado esta quinta-feira em Conselho de Ministros. Trabalhadores das autarquias e das forças armadas também serão afetados.

O diploma baseia-se num acórdão mais restrito e contraria centenas de decisões de tribunais que foram favoráveis ao regresso de trabalhadores que saíram do Estado e voltaram mais tarde. A Fenprof admite contestar junto do Tribunal Constitucional.

O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, foi claro, esta quinta-feira, quando explicou que só é garantido “o direito de reinscrição aos trabalhadores que tenham continuidade material no exercício de funções públicas”. Por isso, “há uma série de casos que não estão incluídos na garantia”, ressalvou, no final do Conselho de Ministros.

O ministro da Presidência, António Leitão Amaro. JOÃO RELVAS/LUSAJOÃO RELVAS/LUSA

O diploma do Governo baseia-se num acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 6 de março 2014 que restringe a possibilidade de voltar ao regime de proteção social da Função Pública aos trabalhadores com continuidade do vínculo público, mesmo que tenha havido mudança de instituição, sabe o ECO com base na documentação que a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, apresentou aos grupos parlamentares para justificar o decreto interpretativo da lei da CGA.

O caso, julgado pelo STA, diz respeito a um professor, subscritor da CGA “sem nunca ter interrompido o vínculo com a Administração Pública”, lê-se no acórdão. “Deixou um cargo de equiparado a professor adjunto da carreira do ensino superior politécnico do Instituto Superior de Engenharia do Porto a 31 de agosto de 2006, na modalidade de contrato administrativo de provimento e passou, a partir de 1 de setembro de 2006, a exercer outro, na mesma modalidade contratual, neste caso, na Universidade da Madeira“, de acordo com o processo.

Uma vez que a CGA deixou de aceitar novas subscrições a partir de 1 de janeiro de 2006, aquele professor, ao mudar de instituto, perdeu acesso ao regime. Porém, e uma vez que não existiu quebra de vínculo com a Administração Pública nem alteração da modalidade contratual”, o STA decidiu que o docente tem “direito à manutenção da inscrição e da qualidade de subscritor da Caixa Geral de Aposentações”.

Só faria sentido esta alteração para quem nunca quis sair da Função Pública, mas, por terem trocado da entidade A para a B, posteriormente a 2005, perderam o direito à CGA. Outras situações estão excluídas da garantia.

António Leitão Amaro, ministro da Presidência

“Só faria sentido esta alteração para quem nunca quis sair da Função Pública, mas, por terem trocado da entidade A para a B, posteriormente a 2005, perderam o direito à CGA. Outras situações estão excluídas da garantia”, sublinhou Leitão Amaro.

Mas “isto poderá deixar de foram mais de seis mil professores que tinham contratos precários, a termo, foram forçados a interromper a atividade por um dia ou um mês ou porque as colocações se atrasaram ou porque os vínculos terminaram e foram depois novamente contratados”, revelou ao ECO o secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), Mário Nogueira.

Por exemplo, “um docente que estava na CGA e, depois de 1 de janeiro de 2006, viu o seu contrato terminar, e passados uns meses, foi reintegrado numa escola, está a conseguir, neste momento, reinscrever-se no regime de proteção social da Função Pública, porque há centenas de sentenças transitadas em julgado favoráveis”, indicou.

“A nova lei que o Governo aprovou vai impedir o entendimento mais abrangente da lei, é uma perversão das decisões dos tribunais, porque se baseia apenas no acórdão de 2014 cujo argumento é a continuidade do vínculo público”, esclareceu Mário Nogueira.

O ECO questionou o Executivo se, efetivamente, os funcionários públicos que viram a sua carreira interrompida contra a sua vontade, por terem tido contratos a prazo, não poderão regressar ao regime da proteção social da Função Pública, mas fonte oficial do Ministério do Trabalho, que tutela esta área, referiu apenas que “não tem adicionais e remete para o comunicado do Conselho de Ministros”.

Na nota do Conselho Ministros, lê-se que o Governo “aprovou um decreto-lei que, em linha com decisão do Supremo Tribunal Administrativo, clarifica a interpretação da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, no que respeita a convergência do regime de proteção da função pública (Caixa Geral de Aposentações) com o regime geral da Segurança Social, garantindo o direito de reinscrição aos trabalhadores que tenham continuidade material no exercício de funções públicas”. Ou seja, não pode haver interrupções ou descontinuidade no vínculo.

Impacto orçamental da medida “não está quantificado”

Sobre o impacto orçamental da medida, o gabinete da ministra indicou que “não está quantificado”, acrescentando que “a maioria dos trabalhadores” que poderão voltar a registar-se na CGA “são professores, mas também há funcionários das autarquias e das Forças Armadas”.

“A partir do momento em que a lei for publicada, os trabalhadores que estavam na CGA e saíram ou porque ficaram no desemprego ou porque foram para o setor privado já não vão poder reinscrever-se”, sinalizou o líder da Fenprof que admite “contestar o diploma junto do Tribunal Constitucional.

A partir do momento em que a lei for publicada, os trabalhadores que estavam na CGA e saíram ou porque ficaram no desemprego ou porque foram para o setor privado já não vão poder reinscrever-se.

Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof

Uma das razões que levaram os funcionários públicos a querer voltar à CGA tem a ver com o regime das baixas por doença, que é mais benéfico do que o da Segurança Social. Assim, na Caixa Geral de Aposentações, nos três primeiros dias de incapacidade, não há direito a compensação alguma, sendo que a partir do 4.º e até ao 30.º dia de baixa o trabalhador recebe 90% do ordenado. Na Segurança Social, os primeiros três dias também não são remunerados, mas a partir daí e até ao 30.º dia, o subsídio corresponde a apenas 55% do salário.

A partir de 1 de janeiro de 2006, a CGA passou a ser um sistema fechado e deixou de receber novos subscritores. Assim, os trabalhadores que iniciaram ou reiniciaram funções depois de 31 de dezembro de 2005 passaram a estar inscritos no regime geral da Segurança Social.

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