Os fogos em Portugal
Haverá sempre fogos e Portugal terá sempre mais fogos que a Bélgica, por razões óbvias. O que não pode suceder é termos um número de fogos exorbitantemente alto face a Espanha ou à Grécia.
Não sou a pessoa mais indicada para falar de fogos e de política florestal. Afinal, a minha área de especialização são as Finanças. Mas face ao que sucedeu este fim de semana na zona de Pedrógão Grande, entendi junto com o diretor do ECO que hoje escreveria sobre este tema.
Há, evidentemente, que separar o que é uma enorme tragédia — que nos comoveu, sobretudo pelas pessoas que perderam a sua vida e pelo sofrimento das suas famílias e amigos –, daquilo que é a “big picture” do problema dos fogos. O que ocorreu no fim de semana teve uma dimensão dantesca muito por via de um efeito brutal da natureza (embora a história da trovoada seca e da árvore não me convença muito). Mas o que se passa nas nossas florestas não tem apenas a ver com a questão do clima e da natureza, vai muito para além disso. E vale a pena ler alguns peritos no tema aqui, aqui e aqui, por exemplo.
Portugal representa 2% da área da União Europeia, mas representa 50% da sua área ardida. Ora, como é evidente, as condições meteorológicas são igualmente adversas no centro e sul de Espanha, em Itália e na Grécia, mas quando juntamos os quatro países, Portugal tem quase 2/3 dos fogos, apesar de ter menos de 10% da superfície.
O problema dos fogos recordou-me, ontem, que Portugal foi “campeão da Europa” durante décadas noutro aspeto trágico: a sinistralidade e mortalidade rodoviária. Durante os anos 80 e 90, Portugal liderava as estatísticas com um volume de acidentes e mortos em estrada por milhão de habitantes muito superior aos outros países (tinha mais de 200 mortos por milhão de habitantes passando para cerca de 40 em 2015; e isto num contexto de muito mais tráfego). O problema foi fortemente mitigado, e Portugal não tem hoje o panorama negro que tinha há 15-20 anos atrás.
O que sucedeu? Atuou-se em três vertentes: promoção, prevenção e punição. Passo a explicar: promoção, porque o Estado desenvolveu uma rede rodoviária de top mundial, embora em alguns casos com exageros que ainda hoje se pagam bem caro (Portugal tem a 2ª melhor rede rodoviária do mundo de acordo com o World Economic Forum) e porque o parque automóvel melhorou substancialmente. Melhores estradas e carros conduzem naturalmente a menos acidentes e vítimas. Refira-se que a tendência Europeia foi de redução, mas Portugal teve melhores resultados que a maioria dos países (o que, claro, também traduz a pior posição que tínhamos).
Prevenção porque durante muitos anos apostou-se em ações de informação e de consciencialização de hábitos de segurança rodoviária: usar cinto de segurança, ter cadeiras para os bebés e crianças, não conduzir sob o efeito do álcool, etc.
Punição, porque comportamentos deste tipo são hoje fortemente punidos, quer em coimas, quer em perda da carta e eventualmente penas de cadeia.
Ora, parece-me que é assim que devemos olhar para o problema dos fogos. Haverá sempre fogos e Portugal terá sempre mais fogos que a Bélgica, por razões óbvias. O que não pode suceder é termos um número de fogos exorbitantemente alto face a Espanha ou à Grécia.
Assim, temos de olhar para a floresta de forma integrada e não como um conjunto alargado de entidades, dispersas por vários ministérios e autarquias, que de forma pouco coordenada operam a floresta ao longo do ano.
Assim, há um conjunto de medidas que me parecem urgentes e imprescindíveis para fazer com que este problema não continue a ter as proporções atuais.
A primeira medida em termos de promoção e prevenção é concentrar todas as atividades relacionadas com a floresta numa única entidade (uma unidade com verdadeiro poder), para que o planeamento e a atuação pública sejam concertados e coesos. Esta é, aliás, a grande mudança que é necessário operar na Administração Pública (AP). Temos uma AP que ainda funciona nos moldes dos anos 50 e 60, de forma hierarquizada e verticalizada. Uma AP moderna e eficiente tem de ser organizada em rede e fortemente descentralizada.
Assim, há um conjunto de áreas, que são de tal forma transversais a vários ministérios e entidades do poder regional e local, que não podem continuar confinadas a uma organização por ministérios, secretarias de estado, direções gerais, etc. Estou a falar da floresta, do mar, da atração de investimento estrangeiro, entre outras. Repare-se que, para a questão dos fogos, temos no atual governo um secretário de estado para as florestas e um para a agricultura, ambos no ministério da agricultura; um para o ordenamento do território no ministério do ambiente; um responsável pelos bombeiros e proteção civil no ministério da administração interna.
Depois, há que repensar o ordenamento do território e a política florestal. Adicionalmente, temos de criar incentivos para que se reduza a acumulação de mato, reduzindo o “combustível” que está nas florestas nacionais. Isso faz-se com incentivos à pecuária, à biomassa e à própria produção florestal (vale a pena recuperar este artigo).
Há também que afastar qualquer hipótese de negócio em volta do combate aos fogos. A responsabilidade desse combate deve estar centrada no setor público, em torno de três entidades: um corpo de bombeiros profissionais que inclua também um grupo de guardas florestais; a proteção civil e as Forças Armadas. Nesse sentido, é incompreensível a decisão, que ocorreu no ano passado, de retirar a Força Aérea do combate aos fogos, bem como a opção, há uns anos atrás, de comprar helicópteros Kamov, hoje parados e ineficientes (e acerca dos Kamov haveria ainda mais para dizer…). Além disso, a necessidade de reduzir o défice e ao mesmo tempo distribuir privilégios por setores do eleitorado, levou a uma redução das verbas na prevenção e no combate aos fogos em 2016 e 2017, ao ponto de (e isto chega a ser indigente) se propor que os bombeiros fossem de comboio para os fogos.
Por último, há que ter coragem de avançar com medidas que são muitas vezes apelidadas de populistas, mas que são da mais básica necessidade: punir fortemente os incendiários (criminalmente, mas também socialmente), pôr os presos a limpar as matas (fazem-no nos Estados Unidos) e por o Exército a patrulhar as florestas nas zonas mais suscetíveis de terem fogos (e as áreas mais perigosas já estão há muito identificadas).
Esta é uma área de consenso nacional. Não apenas pelos danos económicos, mas pela integridade do território nacional e a defesa dos Portugueses. Imagino, nesta altura, como devem estar arrependidos alguns agentes políticos que em 2015 culparam o governo de então pelos fogos. A hipocrisia dos agentes políticos tem de parar. Este não é um problema de um governo, mas de todo um país.
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