Domingo ao almoço em casa de Manuel Osório
É frequente o Fundador de um Grupo Familiar criar momentos com os filhos para discutir o negócio. Mas será correto, em termos de governance, que tomem decisões nesses momentos?
Da harmonia e coesão familiar à governança da empresa da Família
O relógio de parede herdado do seu Pai bate a badalada da uma da tarde. Os três filhos e a filha de Manuel Osório, dois rapazes e uma rapariga, já chegaram, com mulheres e marido e os quatro bébes. É mais um Domingo em que se cumpre esta tradição tão cara para Manuel Osório.
A pandemia impediu estes almoços durante muitos meses e quando voltaram a poder estar juntos foi uma festa. Redozinda, a velha cozinheira, assou um cabrito de leite magnífico e preparou o arroz doce especial para comemorar a reunião. Manuel Osório não se ficou por menos e abriu duas garrafas do Barca Velha 85 guardadas desde a festa de inauguração da fábrica.
Manuel Osório fundou o seu pequeno império Manuel Osório & Filhos há quarenta anos com o valioso e permanente apoio da sua Maria de Fátima e tem feito questão em ter os filhos e a filha sempre próximos de si . Desde pequenos que os levava a visitar a fábrica e depois a outras três fábricas que foi comprando, deixava-os fazer perguntas tontas aos diretores, mas via que pouco a pouco eles gostavam, que eles se iam ligando emocionalmente à sua obra.
Hoje a Família alargou-se com o genro, as noras e os netos, que estraga com mimos sem ligar às repreensões dos Pais “Oh Pai que nos estraga os miúdos e depois somos nós que somos os maus a pô-los nos eixos!”. Mais tarde, completaram os seus cursos universitários e fizeram alguns anos de excelentes carreiras fora. Já de volta a Portugal, a filha Sandra trabalha com o Pai – os outros dois não, um é médico e o outro ainda está na multinacional onde tem feito carreira mas já em Lisboa.
Depois destes anos de separação com os filhos fora, Manuel Osório sente-se feliz em tê-los de volta e está determinado em aproveitar para os reaproximar do negócio. Venham ou não a ser executivos, tenha ou não nalgum deles um sucessor, Manuel Osório sabe que o seu legado continuará vivo e forte e o negócio vai crescer e ganhar valor se os filhos assumirem uma postura de acionistas coesos, preocupados, envolvidos e comprometidos. Sabe que a força dum Grupo Familiar através das gerações seguintes depende disso – e ainda quer contribuir para que o mesmo se passe com os seus netos.
Hoje é Domingo e a família está toda junta à mesa. Ao almoço fala-se de tudo e impera o bom humor e as piadas novas “na fronteira”. Enfim, fala-se de tudo – mas não do negócio. Depois do almoço, Manuel os filhos e a filha retiram-se um par de horas para conversar sobre empresa. Manuel explica como estão as coisas, todos fazem perguntas e sugerem ideias e medidas, o Pai toma notas e, no fim, faz uma proposta de ação para ver se todos estão de acordo. E se estiverem, nessa altura está tomada uma decisão.
A colisão entre os gestores profissionais e o modelo informal de gestão familiar
A Empresa tem uma Comissão Executiva com quadros que, na sua qualidade de Administradores Executivos, há muito que se queixam entre si e com o próprio Manuel Osório de haver decisões tomadas nestes momentos familiares informais e fechados. São profissionais competentes, queridos e respeitados e querem naturalmente ter palavra a dizer nessas decisões, independentemente de acharem que são acertadas ou não.
Muitas vezes estas decisões colidem com os seus poderes e responsabilidades executivos… o que desmotiva e frustra os profissionais que as recebem como facto consumado. O peso do Fundador por detrás destas decisões garante que em larga medida sejam acertadas. Não é por isso um problema de conteúdo – mas é seguramente um problema de forma.
Então, o que deve fazer o Sr Manuel Osório?
- Deve evitar que a Família tome decisões em foro informal?
- Deve fazer perceber quem manda e apresentar as decisões em Comissão Executiva e Conselho de Administração como facto consumado?
- Ou, então, procurar forma de compatibilizar o modelo familiar informal com as regras fiduciárias de gestão da empresa que garantam o conforto e a motivação de todos – acionistas, membros da Comissão Executiva externos à família e não executivos independentes sentados no Conselho de Administração?
As reuniões informais da Família sobre o negócio não podem ser postas em causa
A Família não deve evitar discutir e tomar decisões sobre o negócio em foro informal. É um sinal virtuoso do Fundador e da segunda geração já maior de idade ter oportunidade de falar sobre o negócio. Bernard Arnaut, Alexandre Soares dos Santos, João Eusébio… tantos grandes líderes não separavam Família e gestão, pelo contrário, criavam momentos para ter a Família junta, discutiam situações e frequentemente tomavam decisões.
Esta prática permite aos futuros acionistas uma participação mais próxima e ativa no negócio e ao Sr Manuel Osório desenvolver os filhos com questões difíceis e ir percebendo quem é mais ou menos capaz – um ingredientre valioso do processo de sucessão.
É uma boa prática segundo as regras de governança de um grupo empresarial onde as discussões e decisões devem ser tomadas em CE ou CA, com outros acionistas ou não familiares a participar? Não, de facto não é.
Está errado por causa disso ? Claro que não. Qualquer iniciativa ou rotina que conduza a maior coesão do fundador e dos seus descendentes, a estimular os filhos com o negócio e ao mesmo tempo a permitir a Manuel Osório tomar notas para a condução da sua sucessão é um elemento de grande valor acrescentado para o reforço e para a preservação do grupo familiar.
Não é correto impor em CE e CA decisões tomadas nas reuniões informais de Família
Impor as decisões segunda feira na empresa como um facto consumado não é, obviamente, recomendável e é um convite aos melhores executivos não familiares para partir à procura dum novo desafio.
Acresce que há seguramente detalhes que não foram tidos em conta e que no limite podem obrigar a uma reconfiguração dessa decisão – que se não forem tidos em consideração podem obviar a que se obtenham os resultados pretendidos e naturalmente à desmotivação do executivo responsável pela área afetada por essa decisão.
A solução: Pragmatismo, humildade e deixar o negócio falar mais alto
Segunda feira, a Comissão Executiva está reunida. Da Família só o Sr Manuel Osório e a filha Sandra. É um foro descontraído porque todos se conhecem bem e os executivos não familiares não vão ficar surpreendidos por serem confrontados com uma “proposta” preparada pela Família na véspera, “não será nem a primeira nem a última vez …“, pensam.
Ao Fundador é tão simples explicar o que se passou no Domingo ao almoço em sua casa, que se discutiu e que se tomou uma decisão – mas que essa decisão só vai para a frente depois de ouvidas as opiniões de todos na sala.
A Sandra apresenta a proposta, discute-se e a decisão é ratificada – ou afinada com os contributos da CE. Se houver bons argumentos para “matar” a proposta então o Fundador, no melhor interesse do seu património, agradece e reverte a decisão. “Fim de história, parece que o vinho ontem era uma tentação… ponto seguinte na agenda Dr. Florentino” remata o Sr Manuel Osório.
Uma palavra final
A tomada de decisões no estrito âmbito de uma família acionista mesmo havendo órgãos societários com profissionais externos à Família é dificilmente evitável e é mesmo virtuosa pelo contributo positivo que oferece à formação da geração seguinte e à coesão entre actuais e futuros acionistas.
Dificilmente um Fundador como Manuel Osório pode ou quer evitar discutir, ouvir, envolver os filhos na gestão da empresa. Mas há que compatibilizar isso com o cumprimento das regras inerentes ao modelo societário de qualquer empresa, no qual as decisões devem ser tomadas pela Comissão Executiva e propostas por esta ao Conselho de Administração – o que é muito simples se Manuel Osório for um líder assertivo, forte e cioso do seu negócio mas também humilde, humano… e com sentido de humor.
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