Jorge de Melo, CEO da Sovena, antecipa "um ambiente de preços sensivelmente mais baratos" no final do ano. Mas avisa que não voltarão ao valores que existiam antes do surto de inflação.
A quebra da produção de azeitona, sobretudo em Espanha, fez disparar o preço do azeite nos supermercados. Um ano mais chuvoso abre as perspetivas de um aumento da produção, que deverá permitir uma diminuição do preço mais para o final do ano, antecipa Jorge de Melo, presidente executivo da Sovena, empresa que em 2023 faturou 1,72 mil milhões de euros.
“Diria que no final do ano podemos viver um ambiente de preços sensivelmente mais baratos do que os atuais”, afirma o gestor em entrevista ao ECO, admitindo “baixas entre 15% e 20%”.
A subida do preço provocou uma forte quebra do consumo. “O mercado em Portugal está este ano a cair entre 20 e 20 e poucos por cento, em cima de uma queda já também de 20% no ano passado“, estima. Jorge de Melo acredita, no entanto, que, com a descida do preço, a procura irá voltar aos níveis anteriores.
Uma coisa é certa: os preços “dificilmente irão para níveis tão baixos como tivemos nos últimos dez ou 15 anos, também porque os fatores de produção, os inputs, estão todos mais caros”. Já o preço dos óleos alimentares deverá manter-se nos valores atuais.
Jorge de Melo alerta ainda que a estratégia do Prado ao Prato da União Europeia pode fazer voltar os protestos dos agricultores e levar a um incremento no preço dos alimentos.
Queria começar por um tema que interessa a todos os portugueses, que é o preço do azeite. Sabemos que teve um aumento muito significativo nos últimos dois anos. Vai começar a baixar?
A nossa expectativa é que os preços a médio-prazo possam ter uma baixa relativamente aos preços atuais. Porquê esta subida nos últimos dois, três anos? Tradicionalmente, os preços do azeite andavam ali entre os dois e os quatro euros, na ótica da nossa compra ao agricultor. Tivemos ali um pico em 2016, 2017, se não me engano, de quatro euros e pouco. A Espanha, que é o principal produtor mundial de azeite — produz cerca de 50% dos 3 milhões de toneladas que se produzem anualmente –, viveu dois anos de seca severa. No ano passado produziu cerca de 850 mil toneladas, e há dois anos 660 mil toneladas.
Houve uma quebra brutal na produção.
Em dois anos fez o que faria em um ano. Isto tem um efeito imediato no que é a disponibilidade de produto. Se no primeiro ano ainda existiam alguns stocks que permitiram de alguma forma acomodar esta falta de produção, dois anos seguidos de seca severa levam a uma escassez de azeite e um incremento dos preços.
E agora para a frente, o que é que espera?
Foi um ano climático diferente. Choveu de alguma forma. Em Espanha também. Portugal beneficiou de melhores condições climáticas nos últimos anos do que Espanha, além de ter a capacidade de armazenar água que Espanha não tem. O Alqueva teve sempre disponibilidade de água e, portanto, a produção portuguesa não foi tão afetada como a espanhola.
Mas não escapámos ao aumento de preço.
Não escapámos porque isto é o mercado global.
Os preços já se ajustaram de alguma forma. Hoje em dia podemos falar de um virgem extra em 7,5 euros meio, face a um pico que teve de 8,5 euros há pouco tempo.
Este ano temos, então, um clima mais favorável.
Mais favorável. A produção da campanha que aí vem, que começa no final de outubro/novembro, ainda é prematuro dizer que quantidades é que vamos ter, mas a expectativa é que haja mais disponibilidade. Os preços já se ajustaram de alguma forma. Hoje em dia podemos falar de um virgem extra em 7,5 euros meio, face a um pico que teve de 8,5 euros há pouco tempo. A nossa expectativa é que na próxima campanha seja algo de mais baixo. Agora, é muito difícil estarmos aqui a determinar qual é o valor exato.
Essa nova baixa pode-se sentir a partir de quando?
Em Portugal, o circuito logístico é curto, ou seja, os operadores não têm grandes stocks. Diria que no final do ano podemos viver um ambiente de preços sensivelmente mais baratos do que os atuais.
Reduções da ordem dos 10% a 20%?
É difícil dizer, mas podemos ter baixas entre 15% e 20%.
A tempo do Natal?
Gostaria que sim, para a consoada fosse mais económica para os portugueses. Este aumento de preços, que foi significativo, também nos afeta a nós, enquanto comercializadores de azeite. O mercado em Portugal está este ano a cair de 20 a 20 e poucos por cento, face a uma queda já também de 20% no ano passado. É uma queda significativa.
Uma queda acumulada de cerca de 40%.
Poderá quase estar nesses valores. Não deixa de demonstrar que, mesmo assim, há alguma resiliência no que é o consumo de azeite e alguma elasticidade. Há dados positivos da relação do consumidor português, e do europeu também, com o consumo de azeite, que faz parte da cultura gastronómica. Agora, com o abrandar dos preços, pode retomar os níveis de consumo que tinha anteriormente.
![Jorge de Melo, CEO da Sovena, em entrevista ao ECO - 10JUL24](https://ecoonline.s3.amazonaws.com/uploads/2024/07/jorge-de-melo03.jpg)
É possível que os preços voltem aos níveis em que já estiveram, de dois e quatro euros por litro?
Acho que dificilmente irão para níveis tão baixos como tivemos nos últimos dez, 15 anos, também porque os fatores de produção, os inputs, estão todos mais caros.
Nesta fase em que os preços estão ainda bastante elevados, em Espanha o azeite continua a estar temporariamente isento de IVA. Acha que o mesmo devia acontecer em Portugal?
Eu não sei se abrir exceções é o caso indicado, porque são medidas temporárias. O que eu vejo relativamente a Espanha é que há uma vontade de pôr todos os produtos alimentares na taxa mais baixa. Em Portugal, no azeite, temos a taxa reduzida de 6%, e temos o óleo nos 13%. Acho que é uma medida socialmente muito justa se os produtos alimentares, pelo menos os que são de necessidades mais do dia-a-dia e básicas, tiverem [a mesma taxa], nomeadamente os óleos. Seria algo que tinha toda a lógica.
Existe uma lei relativamente à inviolabilidade dos galheteiros, em que não podem ser feitas ali misturas e vemos que isso não se está a aplicar a 100% no setor.
Até porque, neste período, e face a essa quebra acentuada que referiu no consumo do azeite, houve aqui uma substituição por óleos alimentares.
Há alguma substituição? Vemos que o mercado dos óleos tem tido uma dinâmica interessante, não só no consumo para o consumidor final, mas também para a indústria. Por exemplo, a indústria das conservas pode levar alternativamente ou azeite ou óleo, e tem tido mais procura, como é natural, pela parte do óleo. Foi um produto que, de alguma forma, substituiu alguns tipos de consumo de azeite. Temos alguma preocupação, por exemplo, no que é a restauração. Existe uma lei relativamente à inviolabilidade dos galheteiros, em que não podem ser feitas ali misturas, e vemos que isso não se está a aplicar a 100% no setor.
Tivemos também vários casos de azeite falsificado.
Falsificado. Vamos aos mercados mais tradicionais e vemos o azeite, entre aspas, a preços que são impossíveis. Temos que perceber que não é azeite que nos estão a vender, mas outro tipo de produto. Tem de ser o consumidor, ele próprio, a estar atento.
Falámos do preço do azeite. E em relação ao preço dos óleos alimentares o que é esperado?
O preço do óleo teve em 2022, na altura da guerra, uma subida abrupta com situações de escassez de disponibilidade e de açambarcamento nos supermercados. Uma subida de mais do dobro do preço que tinha anteriormente. E desde aí que vem numa tendência de descida. Diria que agora está ao nível mais ou menos do pré-guerra, embora não esteja aos níveis mais baixos, mas já passou o pico.
A expetativa daqui em diante qual é?
A nossa expectativa é que os preços se possam manter estabilizados, embora estejamos um bocadinho dependentes de fatores climáticos. Por exemplo, no caso do girassol, neste momento, estamos a recorrer muito à compra de matéria-prima à Roménia e à Bulgária, que vivem, ao contrário de aqui, na Península Ibérica, um período de calor muito intenso no verão, o que está a afetar, de alguma forma, essa campanha. Estamos aqui no dia-a-dia a gerir, a ver como é que está o tempo na Roménia, e se há barcos com sementes ou não. São alguns cabelos brancos que vêm.
![Jorge de Melo, CEO da Sovena, em entrevista ao ECO - 10JUL24](https://ecoonline.s3.amazonaws.com/uploads/2024/07/jorge-de-melo04.jpg)
Estratégia do Prado ao Prato pode encarecer alimentos
Como é que a Sovena está incorporar a estratégia do Prado ao Prato da União Europeia?
Houve algum voluntarismo da União Europeia e uma tentativa aqui de puxar demasiado rápido algumas normas e exigências para os agricultores e a consequência foram estas greves ou revoltas. Nós estamos naturalmente a acompanhar e a fazer o que nos é exigido. Temos um cuidado extremo no que são utilizações de todo o tipo de fertilizantes, etc. Aliás, este tipo de olival mais moderno, é o olival que menos recursos consome por unidade produzida. São tipos de culturas muito eficientes.
Há muitas críticas ao olival intensivo.
Eu não lhe chamo intensivo, chamo-lhe moderno, mas existe bastante crítica por alguma desinformação. Nós temos sempre a porta aberta e disponibilizamos a nossa casa para as pessoas que fazem essas críticas irem ao local e ver um pouco aquilo que é feito. Nós neste momento temos sistemas de digitalização e mesmo já de inteligência artificial que nos permitem otimizar até ao mínimo possível tudo o que seja consumo de insumos e de água. Depois da vinha o olival é aquela cultura que consome menos água por hectare. Em termos de biodiversidade, dos 9.000 hectares que eu referi, cerca de quase 2.000 estão preservados para a manter.
Por falar em água, gostava de ter visto nas 60 medidas apresentadas pelo Governo para a economia alguma direcionada ao agroalimentar e à falta de água?
O setor da água não vi ali tratado, o que não quer dizer que não esteja contemplado no que é o plano mais geral do Governo. Fala-se agora no Alqueva do Ribatejo, por exemplo. Este ano se calhar não estamos tão cientes disso, mas Portugal continua a ter um problema de seca. Apesar de termos algumas barragens, era importante contribuir para um melhoramento desse fator.
Quando transformamos um olival que era um olival tradicional, no sentido não biológico, para o olival biológico, as perdas em termos de rendimento são brutais, de mais de metade.
Voltando aos protestos dos agricultores, acha que podem regressar?
Tudo o que não seja razoável e não trabalhe de mão com o que são as preocupações dos agricultores pode suscitar de novo esses protestos. Acredito que houve, de alguma forma, algum retrocesso no que eram as medidas que estavam a ser impostas. Nós já temos alguma transformação das nossas herdades para o olival biológico, por exemplo. Agora também constatamos que quando transformamos um olival que era um olival tradicional, no sentido não biológico, para o olival biológico, as perdas em termos de rendimento são brutais, de mais de metade. Deve haver aqui algum equilíbrio no que é a imposição dessas medidas. Deve-se assegurar, sim, que não existem casos de más práticas agrícolas. Agora nós estamos a crescer enquanto população e a população mundial vai necessitar de alimentação. A Europa se quer ter também um papel de alguma autonomia estratégica, tem que ter essa preocupação. Não tanto no caso do Olival, mas noutras culturas há concorrência de outros países em que as condições que são impostas são totalmente diferentes.
Esta estratégia do Prado ao Prato vai conduzir a uma inflação no preço dos alimentos?
Pode ter como consequência exatamente isso. Se pusermos uma série de obrigações para a parte agrícola ou temos alternativas vindas de fora da União Europeia que são mais baratas, ou então a consequência mais natural é mesmo o incremento do preço. É por isso, por exemplo, que os alimentos biológicos são mais caros, porque são mais caros de produzir.
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Preço do azeite pode “baixar entre 15% e 20% no final do ano”, diz CEO da Sovena
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