Por mais bem preparado que tenha sido, quando chega a altura de assumir a liderança, o sucessor da nova geração da Família Acionista vai perceber a importância dos grandes conselhos clássicos.

A preparação do sucessor e o choque das primeiras semanas

Depois de ter sido escolhido como sucessor do Pai, de cinco anos de preparação em cargos de crescente responsabilidade no Grupo e de uma fase de transição que levou Pedro a deter a liderança virtual do Grupo durante um ano, chegou o dia de assumir formalmente as rédeas sentado na cadeira do Pai. Agora está por sua conta – nomeia a sua Comissão Executiva (a CE, onde uns ficam, outros não), faz um périplo pelas equipas nos vários negócios e geografias, aprova um novo Plano Estratégico e prepara-se para o implementar com a organização. As expectativas são altas – Pedro é um rapaz bem parecido, calmo, bem humorado e carismático. Por isso na organização Pedro é carinhosamente conhecido como “O Príncipe”.

Depois do frenesim das primeiras semanas, Pedro apercebe-se de que começa a ter dúvidas sobre a sua forma de estar e as posturas e estilos a adotar na sua relação com os Acionistas, os colegas da CE e os colaboradores em geral agora neste seu novo papel. Não houve preparação para isto e então vai falar com o Pai que o ouve atentamente e lhe responde apenas “Nunca esqueças o teu Maquiavel”.

A vida e o legado único de Nicolau Maquiavel

A vida e obra de Nicolau Maquiavel não é seguramente uma novidade para muitos leitores, mas para os outros fica uma breve perspetiva daquele que foi uma das mais sublimes figuras da Renascença italiana.

Nasceu em Florença a 3 de maio de 1469 e veio a falecer a 21 de junho de 1527, um período conturbado da história de Itália dominado pelas lutas entre as maiores cidades Estado. Serviu os Medici e o Estado de Florença toda a vida e privou com grandes figuras da época como Catarina Sforza de Milão, Cesare Borrgia de Veneza , Carlos VIII e Luís XII de França e o papa Alexandre VI.

Em 7 de novembro de 1512, Maquiavel foi demitido sob a acusação de ser um dos responsáveis por uma política anti-Médici e proibido de entrar na Toscânia. Recluso, dedicou-se até ao fim da sua vida à escrita assinando mais de uma dezena de obras. Uma das primeiras foi “O Príncipe”, um retrato pedagógico das virtudes de um líder político capaz de unificar a Itália e com o qual Maquiavel quer recuperar as boas graças de Florença, oferecendo-a como tributo a Lourenço de Médici, que nunca o reconheceu. Só com a morte de Lourenço em 1520 e a ascensão do seu irmão Júlio (mais tarde papa Clemente VII) os Medici reconhecem apreço por Maquiavel nomeando-o para a corte de Florença, onde fica até à queda da casa dos Medici às mãos de Carlos I de Espanha no próprio ano da sua morte.

Considerado o “pai da moderna teoria política”, Maquiavel defende a ideia de que um Estado forte depende de um governante com grande habilidade política. Para si, um bom Príncipe tem de ser acima de tudo de ser bondoso, caridoso, religioso e ter fortes princípios morais. Ora, isto é válido para Lourenço II como para o nosso jovem sucessor Pedro – mas Pedro precisa de ir mais fundo, precisa de compreender e reter, uma a uma, as lições do Mestre que melhor o possam orientar, sabendo que a sua leitura tem de descortinar a relevância das mensagens duma obra com 510 anos o ambiente de um Grupo Empresarial nos dias de hoje.

Vou à estante buscar o meu velho exemplar. Passeando por muitos sublinhados e notas isolo dez citações como as mais úteis para acudir à dúvidas de Pedro e ajudá-lo a a tornar-se Príncipe não só no nome mas em toda a extensão do título.

1. “Nos Estados hereditários e afeitos ao sangue do seu Príncipe, as dificuldades para os manter são bastante menores que nos novos – basta apenas não preterir as ordens dos seus antepassados e contemporizar com os imprevistos “
Pedro estaria numa situação menos confortável se tivesse sido contratado para gerir uma empresa qualquer que desconhecesse. Mas trata-se do seu Grupo Familiar e nessas circunstâncias deverá, antes de tudo o mais, entender e absorver o legado das gerações anteriores e nessa ótica estar preparado para os imprevistos que possam vir ao seu encontro.

2. “Aquele que acede ao principado com a ajuda dos grandes mantém-se com mais dificuldade do que aquele que se torna com ajuda do povo (…) aquele que chega ao principado com o favor popular não tem em redor ninguém que não esteja pronto a obedecer-lhe”.

Aqui, Maquiavel diz que se Pedro ascendeu à Presidência Executiva por decisão do seu Olimpo, é nas bases da organização que deve procurar a sustentação do seu reinado – ou seja, tem de conseguir obter da organização o respeito, a profunda obediência e a disciplina que garantam que toda a cadeia de comando da estrutura do Grupo vai funcionar como um motor bem lubrificado.

3. “Os grandes que não se vinculam por habilidade ou motivo ambicioso colocam os seus interesses à frente dos do Príncipe e do Estado. Deve o Príncipe guardar-se e temê-los como se fossem inimigos declarados porque na adversidade procurarão sempre arruiná-lo”.

Entramos aqui no território delicado das relações pessoais ao nível de topo – da Comissão Executiva e talvez de muitos dos Diretores que lhe reportam e têm normalmente muito poder. Pedro terá desde logo que conseguir perceber quem lhe é verdadeiramente fiel e quem não é – e focar nestes particular atenção. Nem sempre Pedro terá condições de substituir alguém que suspeite que lhe quer mal, por isso tem de encontrar modelos de relação perspicazes que o mantenham alerta e preparado para responder a qualquer manobra que surja de algum destes “não vinculados”.

4. “Só a um Príncipe é necessário ter um povo como amigo – de outra maneira não tem remédio na adversidade”.

Esta citação vem reforçar a que se apresentou no ponto 2: a solidez do reinado do Príncipe assenta num apoio genuíno da organização, claramente sentido na admiração e orgulho pelo novo líder e na forma como ele estimula a felicidade, o empenho e o desempenho individual e coletivo que vão aportar ao Grupo níveis superiores de crescimento e criação de valor.

5. “Um Príncipe não deve ter outro objetivo ou pensamento que não seja a guerra e nas suas ordens e disciplina, quando pensaram mais nas delícias do que nas armas os monarcas perderam o seu Estado. Na paz deve exercitar-se mais do que na guerra e andar sempre em caçadas para conhecer o seu território ao menor detalhe”.

Esta citação ganha relevância para Pedro se a guerra ilustrar os desafios do contexto externo em geral e a concorrência em particular. E a lição é manter um olhar muito atento sobre o que de fora pode afetar o Grupo, não se deixar distrair com mordomias e tem de estar sempre pronto a combater a próxima crise – porque pode parecer tudo ótimo mas mais tarde ou mais dedo a próxima crise chega sempre.

6. “Tem mais sabedoria ser visto como mesquinho, que gera má fama mas não ódio ou inveja, do que querer ser visto como liberal, que acaba por gerar má fama e ódio – nos nossos dias não temos visto obra feita senão aos monarcas mesquinhos”.

Esta é uma das minhas citações preferidas de Maquiavel porque, sendo clara, há muitos líderes empresariais que não a compreendem ou não a aceitam. Condena a atitude de mãos largas, despesismo e grande generosidade e elogia a “mesquinhez”: a sobriedade, a discrição, a valorização do que é material ao detalhe e no limite a própria avareza. E fecha com um ultimato a Pedro – “se queres fazer obra tens de ser “mesquinho””.

7. “É melhor ser temido ou amado? A resposta é que se quereria ambas mas, não sendo possível, é muito mais seguro ser temido do que amado – mas se não adquirir o amor fuja do ódio, seja temido e não odiado”.

A dialética entre ser amado e ser odiado dá origem a um dos princípios mais famosos d´”O Príncipe”. Todos gostam de ser amados, Pedro quer ser amado, mas Maquiavel avisa-o que antes de ser amado tem de ser temido. A força e o poder do líder pode não se manifestar a cada momento mas a organização tem que saber que lá está e que Pedro não vai hesitar em usar esse poder para admoestar, punir ou despedir. Mas Pedro tem de ter em atenção que este temor saudável não pode evoluir para ódio, que aconteceria por exemplo com ações duras e injustificadas sobre os colaboradores, o que o levaria a perder o seu “povo”.

8. “ A imagem do Príncipe deve projetar sempre cinco qualidades: piedade, fidelidade, integridade, humanidade e religião, mesmo que as qualidades não correspondam à realidade – mas essa realidade terá de ser sempre abafada pela imagem”.

A riqueza desta lição está na notável escolha das cinco qualidades e na preocupação de garantir que Pedro, mais do que as possuir, tem de saber projetá-las. Pode questionar-se ter a religião no conjunto mas aqui sim é mais um sinal do clima político da época (ao ponto de vários Medici terem ocupado o trono do Vatiocano) do que uma lição para os dias de hoje.

9. “O que torna o Príncipe desprezível é ser tido por inconstante, ligeiro, efeminado, pusilânime, irresoluto (…) Nas suas ações e postura deve reconhecer-se grandeza, ânimo, ponderação, força e manter sobre si uma imagem tal que ninguém pense nem em enganá-lo nem em dar-lhe a volta”.

Mais uma vez um ensinamento de grande riqueza que quase carece de explicação. Dita claramente as perceções que Pedro não pode gerar e, em complemento, as qualidades que lhe devem ser reconhecidas. Importante notar que, como sempre acontece com as avaliações da pessoa por Maquiavel, o importante não é a realidade mas a perceção que se forma de Pedro – se tem dúvidas que se aconselhe com aqueles que lhe são indefectíveis antes de falar sobre o assunto em público, o que faz com forte convicção. Quer isto da perceção dizer que se Pedro não tiver o dom da palavra terá, de tudo quanto fica destas lições, um “handicap” muito difícil de ultrapasssar.

10. “O Príncipe prudente deve evitar aduladores e escolher homens sábios a quem dá livre acesso para lhe falarem a verdade do que lhes pergunta, fazendo-os sentir que, quanto mais livremente se falar, mais o Príncipe os aceita e valoriza”.

A sabedoria subjacente a esta citação de 500 anos é notável na sua atualidade. Hoje tanto ou mais do que no séc XVI sabemos quão vulnerável é o espírito humano ao elogio, mesmo que exagerado, fácil ou falso. Não faltam hoje exemplos de líderes que na sua insegurança preferem os “yes men” ou “yes women” aos que dizem o que pensam, mesmo que críticos. Mas Pedro não tem dúvidas, seguir esta lição está no seu caráter mas ver escrito vai reforçar a sua postura afastando os aduladores e escolhendo os “homens sábios”

Maquiavel volta a tocar o coração dum líder – amanhã nasce o verdadeiro Príncipe Pedro.

Pedro fechou o livro e voltou a pô-lo na mesa de cabeceira. São quatro da manhã. Não tinha conseguido parar de ler O Príncipe até ao fim, mas o Pai tinha razão – os buracos que tinha no “queijo suíço” da sua preparação foram todos tapados. Não porque a obra lhe trouxera muitas coisas novas, muitas respostas cabais a questões que o perturbavam, não era a primeira vez que lia o livro e que retinha muito das suas recomendações. É que agora sim era o momento dele, só agora percebeu a riqueza da obra e porque era o momento de a ler.

Tal e qual como queria Maquiavel quando escreveu a obra e a tentou oferecer a Lourenço II de Médici logo após a sua ascensão ao trono, era este o “seu” Príncipe. Mas Deus assim não quis. O Príncipe morreu sem nunca ter lido a obra prima escrita a pensar nele, acabou por ser o seu filho a lê-la e a adular o seu autor.

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O Príncipe

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