Fusões e aquisições de empresas nacionais em mínimos de oito anos
Há três anos seguidos que o volume gerado em fusões e aquisições (M&A em inglês) de empresas nacionais está em queda e no primeiro semestre deste ano atingiu o valor mais baixo desde 2016.
O mercado global de fusões e aquisições (em inglês: Mergers and Acquisitions – M&A) apresentou uma dinâmica interessante no primeiro semestre de 2024, com um crescimento robusto em termos de valor e volume de negócios. No entanto, em Portugal, a realidade foi bastante distinta, com o mercado nacional a registar a terceira queda homóloga do volume global de negócios e a contabilizar o valor mais baixo dos últimos oito anos.
Globalmente, o montante gerado com operações de fusões e aquisições de empresas registou um aumento de 24% no primeiro semestre do ano em comparação com o mesmo período de 2023, segundo dados do mais recente relatório sobre esta indústria da consultora Bain & Company.
Segundo a análise de David Harding e da restante equipa de analistas da Bain & Company, o crescimento global de M&A foi impulsionado principalmente pelos setores de energia e tecnologia, que juntos representaram uma parte substancial do valor total das transações.
Contrariamente à tendência global, o mercado de M&A em Portugal registou uma queda acentuada no primeiro semestre de 2024. Foram registados apenas 295 negócios, uma redução de 22% face ao mesmo período de 2023, marcando a maior queda homóloga de um primeiro semestre em pelo menos 10 anos.
No setor energético, por exemplo, as grandes operações de consolidação foram predominantes, refletindo a contínua dependência de recursos fósseis da economia mundial e a necessidade de fortalecer posições estratégicas, como ficou espelhado com a oferta da Diamondback Energy pela Endeavor e a aquisição da Marathon Oil pela ConocoPhillips, ambas avaliadas em mais de 20 mil milhões de euros.
Já no setor tecnológico, o destaque foi para os investimentos em inteligência artificial generativa, com um aumento significativo no valor das transações que, segundo dados da Bain & Company, resultou em 11 aquisições de empresas deste setor e efetuados 110 investimentos iniciais num valor total de 7.500 milhões de dólares, só no primeiro trimestre do ano.
“As empresas estão a reestruturar as suas estratégias de M&A para se adaptarem a condições macroeconómicas em mudança”, refere Álvaro Pires, sócio da Bain & Company.
Contrariamente à tendência global, o mercado M&A em Portugal registou uma queda acentuada no primeiro semestre de 2024. De acordo com dados da TTR Data, foram registados apenas 295 negócios, uma redução de 22% face ao mesmo período de 2023, marcando a maior queda homóloga de um primeiro semestre em pelo menos 10 anos.
“As taxas de juro continuam a ter um efeito decisivo no volume de transações. Havia expectativas de uma inversão relevante da política monetária que animou o início do ano, mas que foram desfeitas pelos factos”, refere Duarte Schmidt Lino, sócio co-coordenador de Corporate M&A da PLMJ.
Em termos de volume de negócios também se verificou a mesma tendência de queda, contabilizando-se uma correção homóloga de 6,58%, com os primeiros seis meses do ano a fecharem com apenas 7.513 milhões de euros contabilizados em operações de fusão e aquisição envolvendo empresas nacionais, um mínimo de oito anos. É preciso recuar ao primeiro semestre de 2016 para se encontrar um valor tão baixo, segundo dados da TTR Data.
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António Rodrigues, strategy & corporate finance da PwC, explica que o mercado nacional de fusões e aquisições tende a apresentar um desfasamento temporal relativamente aos mercados mais maduros, como os EUA e o Reino Unido. “É frequente assistir-se a um atraso temporal quer nos períodos de aceleração da atividade, quer nos períodos de abrandamento”, diz o especialista, sublinhando que, “no primeiro semestre deste ano, a acentuada redução da atividade em território nacional é coincidente com a verificada na segunda metade do ano anterior em mercados mais maduros, pelo que, só por si, não constitui um fator de alarme.”
Apesar da queda geral, alguns setores destacaram-se no mercado português. A indústria transformadora, tradicionalmente ativa na consolidação empresarial, continuou a enfrentar desafios devido à volatilidade dos preços da energia e matérias-primas. Este cenário criou incertezas quanto à sustentabilidade dos modelos de negócio, dificultando a concretização de transações.
No entanto, entre os 10 maiores negócios concretizados em Portugal entre janeiro e junho, sete envolveram ativos e empresas ligadas ao setor da energia. É o caso do maior negócio do ano até ao momento, protagonizado pela Galp Energia e pela petrolífera estatal do Emirado de Abu Dhabi, a ADNOC (Abu Dhabi National Oil Company), que envolveu a alienação de 10% dos ativos upstream da petrolífera nacional em Moçambique por 650 milhões de dólares.
Mas também a conclusão da venda de alguns ativos brasileiros por parte da EDP Brasil (subsidiária da EDP) à empresa brasileira Actis por 482 milhões de euros, e a celebração oficial de uma joint-venture realizada entre a Galp e a Mitsui & Co, logo no início do ano, para produzir e comercializar biocombustíveis avançados numa unidade adjacente à refinaria de Sines com uma capacidade de 270 mil toneladas por ano, num negócio avaliado em 400 milhões de euros.
Visão animadora para o resto do ano
O primeiro semestre trouxe uma contração significativa ao mercado de fusões e aquisições em Portugal, à imagem do que também já tinha sido o primeiro semestre de 2023, reflexo de um cenário económico desafiador marcado por um ambiente de elevadas taxas de juro.
No entanto, há alguns sinais que apontam para uma recuperação nos próximos seis meses. “Os grandes fundos de investimento internacionais de capital de risco e de infraestruturas, mas também vários investidores nacionais, estão com muita liquidez acumulada para aquisições”, refere Duarte Schmidt Lino.
Estes atores do mercado, após um período de cautela, revelam-se mais abertos a concretizar novas oportunidades de investimento. É isso que também antecipa António Rodrigues. “A elevada liquidez nas mãos de large corporates e fundos de private equity, bem como o surgimento de um novo tipo de investidor até então praticamente inexistente, os family offices, constituem os principais fatores impulsionadores da esperada recuperação da atividade de fusões e aquisições, onde a maior profissionalização dos empresários também vem imprimir uma nova dinâmica.”
O mercado continua a favorecer os comprados com liquidez e pouca necessidade de alavancagem, mas com a expectativa de que o pico das taxas de juro já foi atingido, é provável que se assista a um aumento gradual nas transações alavancadas.
Esta combinação de capital disponível e o surgimento de novos investidores pode catalisar um aumento significativo nas transações nos próximos meses.
Os especialistas antecipam que os setores da indústria, tecnologia, saúde e imobiliário deverão liderar a recuperação do mercado, mantendo-se como os mais ativos e atrativos para investidores. Particularmente no setor industrial, tradicionalmente um dos mais dinâmicos em Portugal, espera-se que a volatilidade dos preços da energia e das matérias-primas dos últimos anos comece a estabilizar, reduzindo a incerteza e facilitando a concretização de negócios.
Esta estabilização pode ajudar a diminuir o hiato entre as expectativas de compradores e vendedores, que tem sido um dos principais obstáculos às transações recentes, de acordo com várias fontes ouvidas pelo ECO, que sublinham o facto de o mercado continuar a favorecer os compradores com liquidez e pouca necessidade de alavancagem.
No entanto, com a expectativa generalizada de que o pico das taxas de juro já foi atingido, é provável que se assista a um aumento gradual nas transações alavancadas à medida que o ano se aproxima do fim.
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