Para Luís Araújo, ex-presidente do Turismo de Portugal, não existe turismo a mais no país, mas crítica a gestão em Lisboa e admite que privatização da TAP pode ter impacto no setor.
Luís Araújo foi presidente do Turismo de Portugal durante mais de sete anos, período em que o país assistiu a um boom do setor. Saiu em junho de 2023, altura em que também deixou de exercer funções como presidente da European Travel Comission (ECT), que agrega os turismos dos países europeus. Numa pausa estratégica para refletir, continua um entusiasta da área, sem deixar de lhe reconhecer os desafios.
Em entrevista ao ECO, destaca que o país deverá atingir já este ano, três anos antes do objetivo, mais de 27 mil milhões de euros de receita e 70 milhões de dormidas, mas admite que deve existir maior preocupação face aos desafios do futuro. Perante um setor que no passado atingiu máximos históricos e contribuiu para cerca de metade do crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) e que cresceu 4,5% no primeiro semestre impulsionado pelos estrangeiros, defende que não existe turismo a mais, considerando antes que em Lisboa, por exemplo, “há má gestão”.
Para o antigo responsável do Turismo de Portugal a privatização da TAP poderá ter impacto no setor, argumentando ser imperativo que quem comprar a companhia mantenha o objetivo de ligação e preocupação relativamente às exportações portuguesas de serviços e “que haja uma palavra pelo menos do setor do turismo relativamente a esse papel”.
Defensor de maior transparência sobre onde são aplicadas as taxas turísticas cobradas pelas cidades e de uma maior aposta na mobilidade, particularmente na ferrovia, Luís Araújo afirma que a questão da mão de obra é o “segundo maior” desafio do setor e apela à responsabilidade social nos investimentos. Contudo, refuta que o turismo seja o principal motivo para as dificuldades no acesso à habitação.
O turismo em Portugal continua a bater recordes. É uma tendência que se vai manter?
Diria que tem crescido de uma forma sustentada. Conseguiu-se implementar aquilo que foi definido na estratégia de 2017 ao longo dos anos: a diversificação de mercados, a diversificação no território e estamos a crescer mais em receitas do que em número de turistas, o que é extremamente positivo. Vamos atingir os resultados da “Estratégia 2027” três anos antes, em 2024. Este ano, em princípio, chegamos aos mais de 27 mil milhões de euros de receita e 70 milhões de dormidas. Agora, se me pergunta se este crescimento não tem limites ou se é um crescimento que tem de ter uma preocupação maior, principalmente face aos desafios do futuro, diria que sim. Hoje, mais do que nunca, é importante estarmos atentos a esse crescimento sustentado do setor no país.
Vamos atingir os resultados da “Estratégia 2027” três anos antes. Este ano, em princípio, chegamos aos mais de 27 mil milhões de euros de receita e 70 milhões de dormidas. Se me pergunta se este crescimento não tem limites ou se é um crescimento que tem de ter uma preocupação maior, principalmente face aos desafios do futuro, diria que sim
Partilha da opinião que deve existir um limite à entrada de turistas nos países e nomeadamente no caso de Portugal, uma solução que está a ser adotada em alguns alguns países?
Sou da opinião que é preciso tomar decisões rapidamente relativamente aos dados que temos na mão e, com base nesses dados, tomar decisões que permitam este crescimento equilibrado. Não sou da opinião que se tomem decisões com base nos comentários do Facebook ou das redes sociais. Isso claramente não. Muitas vezes aquilo que temos e isso é ou são decisões que são tomadas em cima de declarações ou de afirmações que muitas vezes não têm correspondência com a realidade.
Não considera, portanto, que existe um excesso de turismo em Portugal?
Não. Mais uma vez vamos buscar os dados. Vamos pegar nas cidades, que é onde as pessoas dizem que há mais excesso de turismo. Se considerarmos o total de população residente com os turistas, fiquem eles em hotelaria ou em alojamento local, ocupando 100% das unidades num espaço temporal, hoje temos menos pessoas na cidade de Lisboa e no Porto do que tínhamos há 30 anos. Há 30 anos havia à volta de 800 mil habitantes, perdemos 30% da população, portanto, se somarmos as pessoas que dormem cá ainda assim temos menos população do que há 30 anos. Mas temos cinco vezes mais carros. Se compararmos, temos pessoas concentradas numa percentagem do território muito menor. Portanto, pegando nisto, aquilo que nós temos que fazer é a distribuição no território, é melhoria da orientação e da capacidade de circulação dentro de uma cidade, é estimular que os próprios turistas sejam melhores turistas e tenham mais responsabilidade perante aquilo que é o território e se integrem mais naquela que é sociedade. Para responder à sua pergunta, se me pergunta se em Lisboa há turismo a mais ou a pessoas mais, eu digo que não. Se me pergunta se há má gestão, eu digo-lhe que sim. É preciso é melhorar a gestão.
De que forma é que se deve melhorar essa gestão?
Variadíssimos modelos. Desde a comunicação… muitas vezes falhamos nessa comunicação que é dada aos estrangeiros, até porque grande parte deles fica não fica em hotelaria, fica em alojamento local. Num hotel temos o rececionista e temos as pessoas que lá trabalham, num alojamento local muitas vezes não temos essa interação. A comunicação é um mecanismo para estimular que o turista seja mais cidadão e menos turista dentro do território. Mas há outras ideias, desde o investimento que é feito, aliás, com a maravilhosa taxa turística que agora duplicou em Lisboa.
Concorda com essa decisão? O aumento das taxas turísticas não poderá permitir ajustar um bocadinho o excesso?
Não me parece. O aumento da taxa turística não vai selecionar os turistas, mas por outro lado, é importante que quem mora em Lisboa saiba exatamente para o que é que vai aquelas taxas turísticas. 80 milhões de euros por ano é muito dinheiro para percebermos como cidadãos, e se calhar também como turistas, que aquela taxa não traz melhorias significativas na limpeza, na segurança, no ordenamento do território, na mobilidade, na habitação. Se eu não percebo para que é que aquela taxa turística vai tão claramente, acho que é um excesso. Não é uma questão de perda de competitividade, porque todos os destinos estão a fazer. Aliás, o turista que é informado e que sabe ser um bom turista, chamemos-lhe assim, também percebe que aquelas taxas são um contributo dele próprio para um território que o recebe tão bem. Diria que a questão é colocada do lado de o que é que se faz com a taxa turística? Qual é o papel que tem no território? O papel tem de ser claramente para a melhoria da vida de todos. Quando digo da vida de todos, digo de um turista que também não gosta de ver lixo na rua, mas digo claramente para um residente que é aquele que se incomoda mais, e com razão, de ver o avolumar dos problemas da cidade, mas não numa ótica de selecionar quais é que são os melhores, porque só os melhores é que podem pagar a taxa turística.
A Câmara de Lisboa tem deixado a desejar nisso, na gestão que tem feito?
Adoraria saber qual é que é a gestão que é feita. Basta passear pela cidade e perceber isso. Agora parece que vamos ter novas medidas contra, ou para reestruturar e organizar, os tuk tuks. É importante percebermos o que é que é feito neste neste quadro. Enquanto cidadão, digo sempre que temos aquela componente de quem chega de fora, não conhece o país… Há muito a fazer. É preciso fazer com base em dados, com base naquilo que temos hoje no território, com decisões que são tomadas no imediato para corrigir determinadas situações, mas para o bem de turistas e de residentes. Se houvesse muito mais transparência relativamente a essa questão e se víssemos essa componente a funcionar através de regulamentos camarários, de segurança… Quando falo de segurança, não é só de segurança física, não é só de proteger dos assaltos, é de evitar que haja aglomerações, evitar que haja distúrbios.
Maior policiamento na rua?
Claramente maior policiamento, maior pedagogia sobre aquilo que é a cidade e quem são os seus habitantes, o que é que eles fazem e qual é o estilo de vida que têm.
É importante que quem mora em Lisboa saiba exatamente para o que é que vai aquela taxa turística. 80 milhões de euros por ano é muito dinheiro para percebermos como cidadãos, e secalhar também como turistas, que aquela taxa não traz melhorias significativas na limpeza, na segurança, no ordenamento do território, na mobilidade, na habitação.
Outro dos desafios em Portugal quer para turistas, quer para quem vive em Portugal são os transportes. Que alterações deveriam ser feitas para maior acessibilidade dos principais destinos?
Aí toca num ponto que não é só Lisboa. Em Portugal, à volta de dois terços dos nossos turistas são estrangeiros e desses dois terços 90% chega de avião. Portanto, a componente de ligação aérea é essencial para o nosso país…
Neste sentido, como é que olha para a questão da privatização da TAP? É um processo que pode ter impacto para o turismo em Portugal?
Acho que pode ter impacto. A TAP é um elemento valiosíssimo. Aliás, os números que dei antes, a TAP é responsável por grande parte dessa ligação e também responsável pela diversificação de mercados que foi feita. A ligação com os Estados Unidos e o volume de turistas que hoje temos dos Estados Unidos é muito graças também ao papel da TAP. Diria que as decisões relacionadas com a TAP dizem respeito a todos e são uma preocupação de todos. Acredito que sejam na ótica do melhor. É essencial que essa ligação e que essa preocupação da TAP relativamente às exportações, ou seja, ao trazer turistas para Portugal, se mantenha e que haja uma palavra, pelo menos do setor do turismo relativamente a esse papel. Sempre dissemos que um voo que é colocado pela TAP de Lisboa para Cancún pouco ou nenhum interesse tem para o país, apesar de ser um mercado mexicano, que é um mercado importantíssimo. Mas como Cancun é um destino recetor de turistas, estaríamos a aumentar as importações ou levar portugueses para Cancun. Ao contrário, cada voo que se coloca nos Estados Unidos ou do Brasil, ou até do México, relacionado com um mercado maior e com um especial de exportação para Portugal, é um mercado importante.
São essas questões…
Essas são questões que para nós são essenciais, que o turismo tenha sempre uma palavra a dizer relativamente àquilo que são os destinos e os mercados importantes para Portugal enquanto destino turístico. O que é importante é percebermos que o facto de estarmos não vou dizer dependentes, mas as ligações ferroviárias serem aquilo que sabemos, de estarmos numa posição geográfica, num extremo da Europa, e de grande parte dos nossos mercados serem ainda mercados europeus é importantíssimo. Percebermos que se houver evolução desta componente de sustentabilidade ambiental e de penalização das companhias aéreas e das ligações aéreas, claramente vamos perder competitividade. É importante acelerarmos rapidamente com a componente ferroviária, é importante promovermos termos sistemas integrados de mobilidade dentro do território, que muitas vezes e em muitos pontos do país, não existem.
Se pensarmos no interior do país há muitas cidades e regiões que não têm ligação ferroviária.
Que muitas vezes não têm essa ligação ferroviária e a ligação rodoviária que existe às vezes é difícil ou é difícil de perceber como é que funciona. Há aqui também um papel do público do privado. De termos mais informação e melhor comunicação relativamente a essa capacidade de mobilidade no território. Acho que esse é um dos grandes desafios, a componente de mobilidade para Portugal.
As decisões relacionadas com a TAP dizem respeito a todos e são uma preocupação de todos. Acredito que sejam na ótica do melhor. É essencial que essa ligação e que essa preocupação da TAP relativamente às exportações, ou seja, ao trazer turistas para Portugal, se mantenha e que haja uma palavra, pelo menos do setor do turismo relativamente a esse papel
Deixe-me recuar em relação à questão da TAP, um dos principais interessados é o grupo IAG. Como é que olha para esta solução? Portugal não corre o risco de se tornar um satélite de Madrid?
Não sei quais são as estratégias dos interessados na TAP, não sei qual é que vai ser o modelo que vai ser seguido do ponto de vista da privatização, aquilo que sei é que hoje temos um valor acrescentado que é único. Qualquer empresa que participe da TAP ou que venha a participar da TAP sabe exatamente a importância de Lisboa, a importância de Portugal, dos cinco aeroportos nacionais e o crescimento que esses aeroportos têm tido. Mais do que pensar se a concorrência vai ganhar ou vai tirar, é preciso sabermos que hoje temos esse valor intrínseco e que qualquer acionista de uma empresa dessas não vai deixar de olhar para isso como uma enorme oportunidade de crescimento também para essa empresa.
Voltando ao crescimento do turismo e à importância que tem para para Portugal, é um risco um país ser economicamente tão dependente deste setor?
Essa é aquela velha máxima do “há turismo a mais ou economia menos?”. Acho que há um papel importantíssimo, que não é só associado ao setor do turismo. A curva de crescimento do volume de exportações de vinho para determinados mercados, por exemplo, os Estados Unidos, é exatamente igual à curva de crescimento de turistas daquele mercado para Portugal. Não é uma coincidência. Quando falamos que há turismo a mais ou economia menos, não podemos ver o turismo como uma questão estanque. Precisamos de ver os efeitos de arrastamento que têm noutras atividades económicas, na valorização dos produtos endógenos, no empreendedorismo que temos, principalmente a nível das camadas mais jovens, na distribuição de pessoas pelo território, no investimento que é feito, na recuperação, etc. Isso sim é importante. Quando entramos em disputas de se há mais de uma coisa ou menos de outra, a resposta lógica é temos que equilibrar e temos que cortar num lado e promover o outro e isso normalmente não funciona. Aquilo que podemos estar a fazer, aí sim, é criar entropias e uma imagem negativa relativamente a uma atividade que, acredito, deu muito ao país – e acho que todos reconhecemos – e que tem muito potencial ainda para dar ao país. Quando se fala da componente de uma marca Portugal, a marca Portugal é a marca de turismo. É o turismo que arrasta os outros setores, é o turismo que tem dado visibilidade ao país. É importante percebermos o que é que é essencial e como é que conseguimos fazer o equilíbrio das coisas, sem esconder que o turismo é uma atividade positiva, mas também traz desafios para o território e para as pessoas.
Uma das fragilidades que é apontada ao setor é o tipo de emprego cria, normalmente com menos valor acrescentado. Como é que avalia esta questão? Qual é o impacto de maiores restrições à imigração no setor?
O segundo grande desafio para qualquer destino, mas principalmente para Portugal, é a componente de mão de obra. A componente mão de obra tem a ver com tradicionalmente ser no setor do turismo uma componente de baixas qualificações e logo associada a salários baixos. Hoje aquilo que estamos a ver é, obviamente, também pela falta de mão de obra no território que existe uma valorização cada vez maior desses salários. Os últimos indicadores que tenho mostram que o crescimento dos salários no setor do turismo tem sido superior nos últimos anos ou da média da economia. O que é muito positivo. Temos de perceber que a componente de mão de obra não se resolve só com salários mais altos, por variadíssimas razões. Temos uma população que está a envelhecer – e esta atividade está também associada a uma componente de gente mais jovem -, existe uma série de outras atividades que absorvem também essa mão de obra, e ainda bem que é assim, e por isso precisamos de trazer pessoas de fora. A componente de emigração é importantíssima para Portugal. Precisamos de qualificar melhor as pessoas que trabalham no setor e precisamos ter condições também para atrair as melhores pessoas para dentro do setor. Não vou dizer que é o calcanhar de Aquiles, mas há questões que têm que ser claramente tratadas e há aqui uma componente de responsabilidade de todos, públicos e privados, relativamente ao tratamento que é feito das pessoas.
Uma responsabilidade comum…
Acredito que a responsabilidade social no turismo hoje é muito mais importante do que a componente ambiental. Quando falamos de responsabilidade social, falamos do cuidado que temos com as pessoas que vivem no território, mas principalmente com aqueles que trabalham nas nossas empresas. Acho que foi feita uma evolução e feita uma evolução muito grande, até, mais uma vez por condicionamentos externos, mas ainda há um caminho para fazer. Custa-me muito ver empresários ou associações dizerem que se não houver imigração não conseguimos ter projetos turísticos ou não conseguimos ter turismo em Portugal. É uma visão de muito curto prazo. Aquilo que queremos é que esta atividade seja sustentável ao longo do tempo e a longo prazo. Isto é uma maratona, não é uma corrida de 100 metros. É importante percebermos que essa responsabilidade é, se calhar, aquilo que vai determinar o sucesso ou insucesso do futuro do turismo em Portugal.
Custa-me muito ver empresários ou associações dizerem que se não houver imigração não conseguimos ter projetos turísticos ou não conseguimos ter turismo em Portugal. É uma visão de muito curto prazo. Aquilo que queremos é que esta atividade seja sustentável ao longo do tempo e a longo prazo. Isto é uma maratona, não é uma corrida de 100 metros.
Mas num período mais imediato, maiores restrições à imigração não poderão pôr em causa a resposta do setor?
Não tenho uma bola de cristal que diga… e mais uma vez, também não existe essa quantificação de quantas pessoas é que são precisas. Digo sempre que hoje é mais importante para um empresário que vai construir um hotel ou que vai fazer um projeto em qualquer parte do país saber de onde é que vêm os seus colaboradores, onde é que dormem, em que escolas é que vão colocar os filhos, como é que chegam até ao trabalho do que propriamente saber de onde é que vêm os turistas. Sei que isto pode parecer um exagero, e secalhar deveríamos discutir isto muito mais a fundo, mas diria que essa preocupação é algo que tem que estar muito presente na tomada de decisões, tanto de investimento como de operação turística. Dito isto, ainda ontem ouvi alguns comentários de que Portugal já estava a ficar demasiado caro para os portugueses. Acho que Portugal não é só para os portugueses, não é só para os portugueses do ponto de vista turístico e de mercados, mas também não é só para os portugueses do ponto de vista de quem trabalha e de quem quer trabalhar em Portugal.
Outro dos desafios tem a ver com a gentrificação, principalmente nas grandes cidades de Lisboa e Porto. Como é que olha para esta questão? De que forma é que se responde a este desafio?
Todos concordamos que houve uma transformação extremamente positiva. Aquilo que vejo nas cidades é que existe uma necessidade de olharmos para estes dados e planearmos aquilo que é o crescimento da cidade e como é que podemos acolher tanto os turistas como os residentes, nomeadamente as camadas mais jovens, seja do ponto de vista de residências universitárias, de moradias a custo controlado… que têm a ver com uma série de razões, mas que muitas delas até nem têm a ver com o setor do turismo. A falta de habitação tem a ver com o excesso de procedimentos que existem burocráticos, o custo que existe para construir e para equipar uma casa. Construir uma casa nova obriga a que haja não sei quantos pareceres e não sei quantos projetos de entidades completamente diferentes. Isto tem um custo… Não é o facto do senhor Smith ter comprado uma casa em Alfama. Pode contribuir em parte, mas o que é importante é percebermos que muitas destas situações têm outras causas que pelo facto de acharmos que só aquela é importante, ignoramos e não atacamos. Vou dar um exemplo muito concreto: o número de fogos dedicados ao alojamento local em Lisboa, no total de fogos da cidade, é de 6,7%, repito 6,7%. Vai dizer-me que está concentrada em determinados bairros? Se calhar é verdade, mas por isso é que existem regulamentos municipais e regras onde se podem ou não podem abrir alojamento local.
Portugal não é só para os portugueses, não é só para os portugueses do ponto de vista turístico e de mercados, mas também não é só para os portugueses do ponto de vista de quem trabalha e de quem quer trabalhar em Portugal.
Há dados que indicam que, por exemplo, nas zonas onde o alojamento local começou a ser a ser limitado, o número de hotéis abertos também disparou. O mercado vai sempre encontrar formas de reagir…
Sim. O mercado acomoda-se e mais importante, do que apelarmos a esta componente da regulamentação, que é importante, é percebemos o que é que pode ser construído e qual é o equilíbrio que existe. Não é só o facto de abrirem hotéis e abrirem alojamento local, é o facto de aparecerem as mercearias, as lojas tradicionais. Nós temos que andar a dois quilómetros para comprar fruta.
E entretanto passamos por uma série de lojas que são todas iguais.
Exatamente, é isso mesmo. Portanto, essas questões têm que ser tratadas a nível próprio. E, obviamente, mais uma vez, da mesma maneira que eu perguntava se há turismo a mais ou economia a menos, agora pergunto se há turismo a mais ou gestão a menos? Muitas vezes é essa componente da gestão que é importante, sabermos que a gestão das nossas cidades tem de ser muito mais rápida, tem de ser muito mais focada naquilo que são os dados que temos e como é que atingimos um determinado resultado e muito menos com base naquilo que ouvimos dizer ou pelas críticas que alguém faz.
A verdade é que há muitos residentes que gostavam de viver mais no centro de Lisboa e que são empurrados para a periferia. Isso também obriga a que, tendo em conta o estado dos transportes, os acessos…
Volta tudo ao mesmo. Secalhar se houvesse um sistema de transporte eficaz, se houvesse uma distribuição no território dos eventos culturais, se houvesse mais áreas verdes onde essas pessoas pudessem estar… é normalíssimo em qualquer cidade da Europa, em qualquer parte do mundo, ter zonas de periferia que são zonas muito agradáveis para viver. Temos de perceber isso. Por isso é que eu digo há turismo a mais ou gestão a menos?
Aqui não devia existir também um maior compromisso entre o público e o privado?
Sem dúvida, sem dúvida. A responsabilidade é também muito dos privados. Não percebo como é que se fazem projetos, que são projetos maravilhosos, cinco estrelas que vão atrair o tipo de turistas que queremos, mas depois colocam se lojas ancestrais ou lojas tradicionais na rua só para termos uma receção que tem 20 metros a mais ou termos uma sala de reuniões que tem 50 metros a mais. Isso não percebo e acho que isso é responsabilidade social. Tem de haver esse compromisso também, até porque é uma componente de valorização do que é o nosso património.
Dado o panorama que falámos como é que Portugal pode encontrar o equilíbrio certo entre receber bem os turistas e permitir que as pessoas que vivem em Portugal também vivam bem.
Essa é a pergunta que qualquer destino tenta fazer, que é esse equilíbrio entre uma parte e a outra. Neste mundo conturbado e caótico que vivemos, com conflitos, conseguimos ser um oásis, um destino que recebe bem e respeita as diferenças. Acho que temos que utilizar esse propósito para os nossos residentes, para os nossos trabalhadores, para todos. Se conseguirmos aplicar esse princípio temos um exemplo a dar ao mundo, que é um destino que recebe bem e respeita essas diferenças em todos os aspetos. Hoje mais do que estarmos preocupados se temos garrafas de plástico nos quartos dos hotéis ou se lavamos a roupa três vezes por semana ou cinco vezes por semana, estarmos preocupados se aquela pessoa que trabalha connosco de facto tem lugar para morar, consegue chegar ao local de trabalho por meio de transportes próprios, tem local para colocar a criança, vê perspetivas de futuro naquela carreira, sente-se satisfeito com aquilo que é a sua remuneração e os benefícios que recebe. Muito mais importante do que estarmos a falar de quantas receitas é que vamos ter, adoraria que a partir de agora se divulgasse e estimulasse que além do crescimento da receita turística, exista um crescimento da remuneração das pessoas e um grau de satisfação daqueles que vivem muito superior àquilo que é a média nacional ou a média internacional. Se percebermos internamente esta mais valia, externamente também vão perceber, valorizar e respeitar muito mais aquilo que são os nossos valores.
Isso leva-nos a outra questão, que é, como é que se pode ser melhor turista?
É uma belíssima pergunta e é algo que nós todos devíamos fazer todos os dias, até porque um bom turista é aquele que pergunta, é aquele que percebe, que sabe quais são os desafios que se vivem no território e aquele que sugere melhorias desse território. Muitas vezes temos mais interação com as pessoas que temos à vista ou que encontramos, secalhar com o rececionista ou com a pessoa que nos atende na mesa. É importante perceber se essas pessoas estão contentes, qual é a perspetiva de futuro delas e lutar para que isso mude, e quando digo lutar, é optando por soluções que muitas vezes valorizam essas pessoas. Ser um melhor turista é perceber o valor que aquele território, aquela cidade, aquele património, aquela natureza têm que, perceber o valor para quem lá vive e perceber o valor para mim, enquanto turista. Percebendo esse valor vou poder promover melhor e vou poder trazer aqueles que são os melhores turistas. Ser melhor turista é fazer as perguntas certas e estar atento aos pormenores.
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