Política Polaroid
A política à portuguesa faz-se a um ritmo Afro Fado. É a “política da epiderme e do efémero”. É a “política do espectáculo e da facilidade”. É a “política exibicionista e instantânea”.
Fazer uma rentrée para fechar o ano político não faz sentido. Fazer o discurso ao país e depois ir de férias é uma ideia política extravagante. A rentrée abre o novo ano político e não pode apresentar-se como o encerramento do velho ano político. A não ser que o futuro político seja igual ao passado político e então tudo é indiferente e de uma coerência absurda – tudo o que o Governo apresentou é tudo o que o Governo tem para apresentar. Estamos conversados.
A tradição da rentrée política é um hábito paroquial em que o estadista repousa dos assuntos da pátria e do mundo para se dedicar a nada. O nada que é tudo envolve toda uma biblioteca de leituras, passeios higiénicos na natureza, o convívio espiritual com a família e por um instante o regresso à normalidade do cidadão normal. O país aguarda pelo regresso do herói com a indiferença de quem não se importa nem está preocupado. Deste modo se fortalece a ligação entre governantes e governados no período mágico em que todos descansam das obrigações da realidade.
A rentrée é uma fuga à realidade. A rentrée é um retrato estático daquilo que não vai ser. A rentrée é o ritual dos dias em que chove luz e que o calor enfraquece a vontade. E a política é o ministério da vontade ao serviço da nação.
E que nos diz a rentrée que fecha o ano político? Para além de um discurso sobre o vazio em que “nós” somos a virtude do país e que “eles” são os vícios da política, ficam os portugueses informados de que este Governo tem uma actuação “estratégica e estrutural”. É uma estratégia das pequenas medidas que trata os pequenos detalhes da estrutura. É na ambição das pequenas coisas que se vê a ambição da grande política e do progresso do país. A novidade da rentrée não é uma ideia para o país nem uma visão do posicionamento de Portugal na geopolítica do mundo nem um programa de modernização a curto prazo. A novidade da rentrée nem sequer inclui uma mudança no tom do discurso político. A forma condiciona o conteúdo e o tom político para o segundo acto do Orçamento fica no silêncio das verdades e das mentiras que todos calam. Nada. Na suspensão perfeita de uma imagem tecnicolor fica o vazio branco de uma polaroid com defeito de fábrica. Uma imagem tecnicolor que regista a verdadeira estratégia para o país.
Mas o discurso da rentrée sempre inclui uma espécie de trailer para a nova temporada. Um “suplemento extra” para os pensionistas, passes socias nacionais para os comboios de Portugal, dois novos cursos de medicina. Continua a longa reconciliação com a classe pensionista, continua a impotência relativamente ao SNS, continua a clássica solução do escapismo subsidiado numa versão moderna do “Vá para fora cá dentro” ou na variante utilitária da “Pontualidade e Produtividade é igual a Modernidade”. A única dimensão estrutural da política reside na indigência de um país envelhecido, empobrecido, limitado, que só poderá entender estas medidas na lógica de uma estratégia política de adiamento do futuro. Tudo somado representa o prolongamento de uma situação política e social que destapa a pequenez e a menoridade. O Governo não pode fazer nada de estruturalmente revolucionário. O Governo não consegue fazer nada de estrategicamente modernizador.
O PS que ainda tem as ideias de férias reage com uma violência exaltada. O líder do PS é um tremendista que só vê incompetência no Governo. Percebe-se a fixação do líder socialista na incompetência política uma vez que foi ministro de um governo incompetente. Socialista por vocação, radical por opção, o líder socialista vê eleitoralismo em cada gesto oficial e os malefícios da direita em cada anúncio do Governo. O PS está transformado num partido revanchista, ressentido com os portugueses que o expulsaram do Governo. O PS está transformado num partido moralista que só identifica no Governo os atentados de uma política materialista.
Portugal está dividido entre um Governo materialista e uma Oposição moralista. Até parece que o país deixou de ser um paraíso socialista para se transformar num oásis liberal. Entre o paraíso e o oásis sobra um país em que a moral nacional vai diminuindo ao ritmo da necessidade material.
A política à portuguesa faz-se a um ritmo Afro Fado. É a “política da epiderme e do efémero”. É a “política do espectáculo e da facilidade”. É a “política exibicionista e instantânea”. É uma espécie de realidade sem factos entre um presente não recomendado e um futuro sempre adiado. A política portuguesa precisa de inventar com urgência a ideia mínima de um futuro máximo.
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