O que é preciso para gerir uma empresa familiar

Um negócio herdado não é apenas olhar para trás para o que é valorizado do ponto de vista familiar, mas também olhar para o futuro e ver o que motiva as famílias a continuar a fortalecer o legado.

Os desafios da evolução de Grupos Familiares numa perspetiva diferente

Valores, sucessão, governança. Assuntos que esta crónica tem abordado de uma forma extensiva ao longo dos últimos meses dissecando problemas e apresentando soluções. Mas como se compara a visão que tenho partilhado com outras visões externas, sobretudo de peritos independentes com uma experiência distinta? Tropecei recentemente numa peça publicada em torno da visão de um especialista eminente, nomeado no artigo. Apesar de o fazer a um nível mais genérico, as suas observações têm muito interesse e mostram como também no Oriente as recomendações para a preservação e fortalecimento dos Grupos Familiares são as mesmas que a ARBORIS aqui tem apresentado e defendido. Por isso achei que daria uma leitura muito interessante e que valia a pena partilhá-la nesta primeira crónica pós férias. Quanto à imagem, dispensa comentários – referir apenas que se trata de um famoso Grupo Familiar fictício de tremenda prosperidade e o desafio de deixar a cada um recordar a sua história e os seus valores ao longo do artigo.

As bases da perspetiva de Tatwamasi Dixit

Quando se trata de empresas familiares, o legado é o tecido conjuntivo que dá corpo ao propósito fulcral do negócio – os valores e conquistas acumulados ao longo de gerações. Ao receber as rédeas, a próxima geração de qualquer Grupo Familiar legado pode reforçar ou quebrar a herança.

Para garantir um bom funcionamento do negócio sob a geração seguinte é imperativo ter um plano de indução do sucessor preparado com antecedência, juntamente com a clarificação de papéis, métricas de responsabilidade e desempenho, um diálogo fluido e objetivo e experiência de trabalho externo sob mentorship de líderes do setor.

Muitos especialistas têm-se debruçado sobre o tema. Partilho a perspetiva de Tatwamasi Dixit, presidente do Family Business Research International Centre (FABRIC), que considero particularmente interessante… e perfeitamente alinhada com o nosso próprio ponto de vista: “Para realmente nutrir a próxima geração, devemos plantar as sementes do conhecimento e da paixão desde cedo, permitindo que elas floresçam em administradores capazes de receber o legado. Devem ser-lhes facultadas as competências necessárias para se integrarem com sucesso no ecossistema dos Grupos Familiares em geral e do seu em particular. A geração atual deve ser clara sobre os papéis que a próxima geração desempenhará, sejam eles proprietários-gestores, proprietários-estrategistas ou proprietários-investidores, estabelecendo expectativas claras e capacitando-os no momento certo. Os recursos e capacidades devem ser gradualmente ampliados no sistema de acordo para apoiar a próxima geração“.

Um negócio herdado não é apenas olhar para trás para o que é valorizado do ponto de vista familiar, mas também olhar para o futuro e ver o que motiva uma Família Empresarial a continuar a construir esse valor através das gerações futuras. “Não existe uma receita: o processo é único para cada Grupo Familiar e depende da composição da Família e da natureza do seu Negócio. No entanto, se a próxima geração tem uma paixão diferente, é igualmente importante apoiar os seus caminhos individuais, permitindo-lhes continuar como proprietários-investidores no seu Grupo Familiar”, defende Tatwamasi Dixit a propósito da cadeia de valor de sucessão familiar.

A próxima geração: uma herança que não é fácil

Embora a manutenção do legado familiar seja uma obrigação já pesada para as gerações mais jovens, é importante que compreendam as responsabilidades que isso acarreta. A natureza pragmática dos Grupos Familiares e a sua prosperidade a longo prazo estão intimamente ligadas aos fundamentos emotivos do legado da família. Descodificando esse aspeto emocional, Dixit refere que: “Muitas vezes, já após a sucessão, há vários desafios em torno da decisão. Os fundadores são frequentemente atormentados por pensamentos de perda de identidade ou controlo, perda de poder ou de centralidade. Além disso, a próxima geração também enfrenta dúvidas sobre o futuro, já que a maioria tem alta confiança e na reputação do antigo líder e da geração anterior. É difícil para a próxima geração desfrutar desse tipo de confiança desde o início da indução do sucessor, leva tempo“.

Acresce que provar o valor de uma pessoa no seio dum Grupo Familiar pode ser incrivelmente desafiador devido à complexa mistura de relacionamentos pessoais e profissionais. Ao contrário das empresas não familiares, os acionistas de Grupos Familiares têm frequentemente expectativas estabelecidas, pressões legadas e potenciais enviesamentos inerentes, com a geração mais jovem a achar geralmente difícil ser ouvida e as suas opiniões aceites. “Decidir cedo se deve aderir à empresa familiar pode ajudar significativamente na construção de uma base sólida. Não é um pré-requisito para o sucesso, mas certamente ajuda. Ganhar 2-3 anos de experiência corporativa externa é altamente recomendado, pois fornece insights valiosos e novas perspetivas. Uma compreensão profunda da história, dos valores e dos objetivos estratégicos do negócio é vital na preparação. Construir relacionamentos fortes e respeito profissional mútuo com membros da família e funcionários promove confiança e colaboração” refere Dixit.

É importante compreender os cenários envolvidos na comprovação do mérito de alguém no processo de sucessão: “Por exemplo na segunda geração, desde muito cedo a educação é normalmente repleta de valores, ética, insights sobre como os negócios são abordados e orientação sobre as ações a tomar. O Fundador lança as bases do Grupo e estabelece uma referência rigorosa para os filhos e filhas criando uma base forte para esta primeira passagem de testemunho. Quando são crianças pequenas, podem não entender o contexto, mas assim que entram no mercado de trabalho, é inevitável refletir sobre as orientações recebidas. Passam a ser capazes de absorver essas orientações na sua plenitude, entender como ele se relacionam com a sua pessoa, por que foi dito na época e como devem aplicá-las na sua vida profissional”

Uma comunicação eficaz é fundamental para manter a continuidade e clareza operacional e não se deve evitar conversas difíceis com os membros da família. O sucesso de um Grupo Familiar requer competência profissional, inteligência emocional e um compromisso genuíno com a visão de longo prazo da empresa. Equilibrar estes elementos pode ajudar a aperfeiçoar a própria visão estratégica do negócio e contribuir significativamente para o seu crescimento e valorização. E, neste contexto, para que um membro da próxima geração se possa distinguir, é crucial respeitar as tradições estabelecidas pelas gerações seniores e introduzir ideias inovadoras.

Embora possa haver vários pontos de vista entre diferentes gerações sobre como gerir o negócio, há uma coisa que permanece constante: o desejo de manter e fazer crescer o negócio e o legado da família. No entanto, os diferentes estilos de trabalho da geração atual e da anterior muitas vezes entram em conflito. “Às vezes, o propósito da geração anterior e da geração seguinte não está alinhado. A falta de competência e uma atitude extravagante da próxima geração com uma mentalidade de consumidor em vez de uma mentalidade de contribuinte, muitas vezes leva à discórdia. No que diz respeito a valores e propósito, eles têm de estar na mesma página para garantir o crescimento.”

O desafio da governança familiar: reforçar a confiança entre os diferentes acionistas

Nos Grupos Familiares em geral, a construção de confiança com quatro grupos de stakeholders continua a ser uma pedra angular para prosperar: família, clientes, funcionários e público em geral (que inclui parceiros financeiros/bancos). A crescente incorporação de profissionais de topo externos à Família tem ajudado neste processo, sendo incentivada uma maior participação e envolvimento a todos os níveis.

Sempre que se trata da conexão entre propriedade e gestão, a convivência deve ser harmoniosa e a gestão deve abraçar o espírito pioneiro e inovador que marcou a geração fundadora. “A única forma de preservar a harmonia é se ambas as partes estiverem numa jornada inclusiva, a que chama processo de planejamento paralelo (PPP). Se houver colaboração, não haverá conflito de interesses. Os promotores não devem tratar os profissionais como serviçais, têm de tratá-los como parceiros”, disse Dixit. O processo de planeamento paralelo requer um compromisso de conversas contínuas, documentar decisões e medir o alinhamento de metas.

Há clara consciência de que lidar com conflitos nunca foi fácil para as empresas familiares. Faz parte de uma luta contínua que muitos têm para estabelecer estruturas fortes de governança familiar. De acordo com estudos recentes da PwC, mecanismos de resolução de conflitos para lidar com disputas familiares foram usados em 13% de casos em todo o mundo e apenas 65% dos líderes de Grupos Familiares a nível global dizem ter estruturas formais de governança em vigor. Isso inclui acordos de acionistas, constituições e protocolos familiares e até mesmo testamentos.

Cabe ainda referir o benefício potencial de um Administrador independente, de um Assessor de topo ou mesmo da existência de um Conselho formal, Dixit disse: “Eles trazem uma visão imparcial sobre a mesa e fornecem um espaço seguro. Eles podem mediar e facilitar conversas e ajudar na resolução de impasses. É importante ter uma pessoa independente, que possa ser empossada como diretor, como conselheiro ou facilitador. É basicamente um conselheiro de confiança em quem todos estão prontos para acreditar“.

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