Presidente 26

Entre o Presidente-Rei e o Rei-Republicano, os grandes homens de acção vão agir com a emoção inteira que conduz a democracia ao Infinito. E Portugal está sentado numa cadeira presa por elásticos.

Enquanto a TAP não voa para fora da esfera pública, enquanto o país se arrasta na intriga do Orçamento, enquanto as escolas abrem sem professores, enquanto as Urgências fecham sem médicos, enquanto a Procuradora se despede com palavras exóticas, a política ocupa-se agora com a questão urgente das Presidenciais.

É como se o Presidente da República estivesse em fim de prazo e às portas de Belém à espera de um táxi para o levar para a próxima estação. Sim, porque o futuro de Marcelo é incerto sem a Universidade e sem o admirável mundo do comentário político. Seria interessante uma reflexão política sobre o perfil do próximo ex-Presidente da República. Mas neste ponto as especulações são curtas e pedestres porque simplesmente inexistentes. Ninguém imagina o actual Presidente em silêncio na figura reverencial de um Senador da República. Silêncio e invisibilidade não casam com o perfil de Marcelo o exuberante, o optimista católico e o político de uma vida. Um cargo internacional, que é a ambição clássica dos políticos portugueses reformados ou rejeitados pela nação, não se configura com o carácter de Marcelo. O ainda Presidente é um produto certificado da política nacional, português genuíno que consegue conciliar o perfil de um Estado Novo progressista com a cultura democrática de um Abril conservador revolucionário. A questão interessante que parece não ocorrer a ninguém é como será feita a despresencialização do Presidente da República. Ninguém imagina Marcelo imóvel na moldura do retrato oficial na Galeria dos Retratos Presidenciais.

Mas sendo Portugal um país incapaz de estabelecer um elenco racional de opções e prioridades, a questão das Presidenciais surge para preencher o vazio da política real. E surge também porque as Presidenciais são o território hipócrita das ambições pessoais revestidas pela película pública do imperativo moral e cívico em nome da nação. É comovente observar como políticos e figuras adjacentes sentem o impulso cívico da República. Ministros falhados, Comentadores excitados, Cidadãos interessados, Militares reformados. Convém sublinhar que neste próximo episódio Presidencial o elenco não convida a grandes expectativas. Observa-se a sociedade portuguesa na sua generalidade superficial e são poucas as figuras que alcançam com propriedade o estatuto fictício de Presidenciável. A democracia portuguesa de meio século não foi capaz de produzir gente e pessoal político com a elevação e a qualidade reconhecida para ser Presidente da República. Não existem figuras de destaque que ocupem com naturalidade o relevo e o perfil da Presidência. Como explicar este fenómeno de empobrecimento dos quadros políticos, de degradação das práticas institucionais, de vulgarização da cidadania cívica?

A política portuguesa acaba por estar reduzida à órbita restrita dos partidos, nomeadamente, do PS e do PSD. A eleição para Presidente é uma decisão pessoal para um cargo uninominal, mas na realidade é uma extrapolação política centrada nos dois grandes partidos do sistema político. No dia em que os portugueses elegerem um Presidente da República sem currículo partidário será escrita uma página de ouro na História da Democracia. Mas será possível? No Portugal em que a sociedade civil é incipiente e dependente do Estado a eleição de um Independente, Empresário, Actor, General, Almirante, Académico, Reitor, oscila entre o improvável e o impossível. Se Portugal fosse um Município já teríamos Presidente.

O debate partidário presidencial já está em pleno movimento. O PS lamenta os 20 anos da direita em Belém. O PSD silencia os 20 anos de domínio em Belém. Não será de mais sublinhar que antes da direita em Belém, o país conheceu 20 anos da esquerda na Presidência da República. Foram 20 anos decisivos na definição de um predomínio da esquerda, decisivos para a hegemonia de uma cultura de esquerda como elemento central à democracia portuguesa. A partir de Belém, a esquerda tornou-se o elemento estruturante ao regime democrático. E o país passou a ter direito à direita que a esquerda permitia.

Os 20 anos da direita em Belém não tiveram o mesmo efeito. É verdade que o mundo mudou, o país transformou-se, os portugueses progrediram, mas a marca da esquerda continua a definir a cultura política da Presidência da República. Para aqueles que julgavam possível a definição de uma identidade política à direita projectada através da Magistratura de Influência de Belém, assistiram antes à criação de um híbrido político que não é de esquerda mas também não é de direita. A direita em Belém falhou como projecto político.

Recomeça então a semântica moralista rumo à Presidência da República. Entre o Presidente-Rei e o Rei-Republicano, os grandes homens de acção vão agir com a emoção inteira que conduz a democracia ao Infinito. Entretanto, Portugal está sentado numa cadeira presa por elásticos.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Presidente 26

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião