Kamala “tem mais a provar” do que Trump no primeiro debate

  • Joana Abrantes Gomes
  • 10 Setembro 2024

A candidata democrata precisa de dar-se a conhecer ao eleitorado. Passado de Kamala Harris como procuradora pode ser crucial para o confronto com o ex-presidente republicano.

Na próxima madrugada, quando os relógios marcarem as 2 horas de quarta-feira em Portugal, os dois candidatos às eleições presidenciais norte-americanas sobem ao palco montado no National Constitution Center, em Filadélfia, para o primeiro e, pelo menos para já, único debate entre ambos.

Até há menos de dois meses, seria Joe Biden a enfrentar Donald Trump, mas, após um frente-a-frente que ficou marcado mais pela condição frágil e a falta de memória do primeiro do que pelas dezenas de mentiras ditas pelo segundo, o atual Presidente dos EUA desistiu da corrida para dar o lugar à sua número 2, que, na opinião dos analistas, tem muito mais a provar do que o rival republicano.

Ainda que sejam muito comuns noutras democracias além dos Estados Unidos, o debate desta noite, em particular, afigura-se decisivo para a corrida à Casa Branca. Em primeiro lugar, porque Kamala Harris só é candidata à presidência desde julho; em segundo, porque as sondagens mostram pouca diferença percentual entre as intenções de voto na democrata e em Trump, inclusive nos swing states; e, em terceiro, porque, como demonstrou o debate de 27 de junho, a imagem que ficar deste frente-a-frente pode ser mais importante do que o que é dito sobre determinados temas.

Por causa disso, Vasco Rato, que presidiu a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) entre 2014 e 2020, considera que a campanha eleitoral, que historicamente arranca no feriado do Dia do Trabalhador (celebrado na primeira segunda-feira de setembro), “começa verdadeiramente com este debate”.

No entanto, os candidatos não partem do mesmo ponto de partida: enquanto Donald Trump beneficia do facto de já ter sido candidato e Presidente, além de estar na campanha há mais tempo, Kamala Harris é vice-presidente e menos conhecida em comparação com o seu adversário.

Kamala Harris e Donald Trump debatem esta noite no National Constitution Center, um centro educativo privado sem fins lucrativos e um museu dedicado à Constituição dos EUA, em Filadélfia.

“Há uma grande expectativa” em torno da prestação de Harris, pela sua capacidade de recuperar alguns votos para os democratas após a desistência de Biden, assinala Vasco Rato, em declarações ao ECO. Só que “agora as pessoas vão querer saber o que é que ela realmente quer, [porque] esta coisa da felicidade já não é suficiente“, acrescenta o também investigador no Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa (IPRI-UNL), que vê “algumas vulnerabilidades” na vice-presidente dos EUA.

Entre elas, explicita Vasco Rato, constam a “falta de substância e de clarificação” nas propostas que a candidata democrata tem apresentado, a par com “mudanças de posição” em algumas políticas, como por exemplo no que diz respeito ao fracking – um assunto importante para o eleitorado da Pensilvânia, o swing state com o maior número de grandes eleitores (19) no Colégio Eleitoral e onde Harris e Trump surgem empatados nas sondagens –, que terá de justificar no debate desta noite.

"O ponto fraco de Trump é [o facto de ser] impulsivo, portanto, será tentado a interromper a Kamala Harris, a mandar bocas. Por isso é que a equipa dele insistiu que os microfones estejam desligados durante o debate.”

Vasco Rato

Ex-presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD)

Luís Tomé, professor catedrático e diretor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), concorda que “Kamala Harris tem mais a provar e a demonstrar” do que o seu opositor, “precisamente porque o eleitorado está bastante mais familiarizado com o estilo e as ideias de Donald Trump e, por isso mesmo, este provoca tantos anticorpos e é tão polarizador”.

Isso mesmo indica a sondagem do New York Times e da Siena College publicada no último fim de semana: 28% dos eleitores prováveis dizem precisar de saber mais sobre o que defende Kamala Harris, uma percentagem que, relativamente a Donald Trump, é de apenas 9%.

Mas, embora o ex-presidente tenha uma “carapaça” que lhe será útil neste debate, também tem um ponto fraco: a impulsividade. “Trump será tentado a interromper e a mandar bocas a Kamala Harris. Por isso é que ele insistiu que os microfones estejam desligados enquanto fala o adversário”, uma regra já estabelecida quando ainda era Joe Biden o candidato democrata, aponta o ex-presidente da FLAD, notando que, nas suas últimas intervenções públicas, o republicano estava “mais controlado”.

“Por muita preparação dos dois lados e antecipação que possamos fazer, a imprevisibilidade de Trump é perigosa para ele e é arriscada também para Kamala Harris. Ninguém sabe, ninguém controla o que é que Donald Trump poderá fazer ou dizer num momento concreto e isso pode ser muito definidor do debate“, contrapõe, por seu lado, o investigador Luís Tomé.

Os microfones ligados permitiriam que os candidatos se desafiassem mutuamente, o que era preterido pela campanha de Kamala Harris, que, nesse cenário, esperava que o republicano pudesse fazer uma declaração controversa em plena televisão, num debate que se espera que chegue a mais pessoas do que aos 51,3 milhões de espetadores que assistiram ao debate de junho – longe, ainda assim, do recorde de audiência de 84 milhões no primeiro frente-a-frente entre Hillary Clinton e Trump em 2016, de acordo com a Associated Press.

Para o professor catedrático da UAL, o candidato republicano terá de fazer um “equilíbrio” entre não ser demasiado agressivo, não acentuar muito a tónica do género, sobretudo por estar a debater com uma mulher, e não denegrir as minorias, e, ao mesmo tempo, tentar manter a postura a que já habituou o eleitorado. Caso contrário, vai dizer-se que “está pouco enérgico” e que, como Biden, “está envelhecido”, realça.

Kamala Harris, por seu lado, “não pode cair na ratoeira de se pôr apenas a discutir frases, controvérsias e crimes de Donald Trump e de ter o mesmo tipo de linguagem que o adversário – algo que, por exemplo, sucedeu com Biden nos debates, ao referir-se a Trump nos termos em que este se referiu a ele”. Em vez disso, Luís Tomé acredita que a democrata vai procurar mostrar que “é uma mulher dura, que está à altura do lugar de presidente dos Estados Unidos, que está a lidar com Trump como lidou com criminosos enquanto procuradora”.

O debate entre os dois candidatos às eleições presidenciais de 5 de novembro decorre às 21 horas locais (2 horas de quarta-feira em Portugal) e terá a duração de 90 minutos, com dois intervalos publicitários, enquanto a moderação e a transmissão ficam a cargo da ABC News. Cada candidato terá dois minutos para responder a cada pergunta, tendo outros dois minutos para refutar uma resposta do adversário e um minuto adicional para um acompanhamento, esclarecimento ou resposta.

Kamala Harris tem mais a demonstrar, por um lado, porque as expectativas são muito altas, mas, por outro lado, porque o eleitorado está bastante mais familiarizado com o estilo e as ideias de Trump do que com as dela.

Luís Tomé

Professor catedrático e diretor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL)

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