BCE avança com cautela na segunda descida de juros

A taxa dos depósitos deverá descer para 3,5% e os economistas aguardam nova pausa antes do terceiro corte previsto para dezembro. Uma travagem mais forte da economia pode tornar o BCE mais agressivo.

Com a inflação da Zona Euro a baixar em direção à meta dos 2%, a evolução dos salários a abrandar e o crescimento económico a permanecer anémico, os argumentos estão reunidos para que o Banco Central Europeu (BCE) prossiga com o alívio da política monetária, embora sem transmitir sinais de que vai acelerar o ritmo de corte de juros e desviar-se da estratégia de adotar decisões reunião e reunião e dependente dos indicadores económicos.

Depois da pausa em julho, a autoridade monetária deverá assim anunciar esta quinta-feira o segundo corte de 25 pontos base na taxa dos depósitos, que baixará de 3,75% para 3,50%. Se nesta taxa de referência não se esperam surpresas, esta reunião trará novidades nas restantes taxas, refletindo a revisão do quadro operacional do BCE que foi anunciada em março.

O banco central decidiu encurtar o diferencial entre a taxa de depósitos e as taxas de financiamento. Deste modo, a taxa de juro aplicável às operações principais de refinanciamento (Refi) e as taxas de juro aplicáveis à facilidade permanente de cedência de liquidez deverão sofrer uma redução mais pronunciada de 60 pontos base, para 3,65% e 3,9%, respetivamente.

Os economistas veem esta alteração como meramente técnica, pelo que não deve ser entendida como um abrandamento mais significativo na política monetária que permanece em níveis restritivos. Serve sobretudo para o BCE ter um controlo mais apertado das condições de mercado numa altura em que está a reduzir a dimensão do seu balanço.

Inflação em queda e economia fraca

Alterações técnicas à parte, esta descida de 25 pontos base na taxa dos depósitos reflete uma postura cautelosa do banco central, que recusa carregar a fundo no travão da política monetária restritiva com medo de uma inversão na tendência de descida da inflação, ao mesmo tempo que pretende amortecer o abrandamento da economia.

O índice de preços no consumidor (IPC) da Zona Euro baixou em agosto para 2,2%, o que representa um mínimo de três anos. Contudo, os preços dos serviços aceleraram no mês passado para 4,2% (4% em julho) e não registaram qualquer alívio este ano, enquanto a inflação subjacente (exclui alimentos e energia) permanece encostada aos 3%.

No que diz respeito aos salários, está cada vez mais a deixar de ser uma preocupação do BCE, deixando inclusive de surgir de forma frequente nos discursos dos responsáveis do banco central. O crescimento dos salários da Zona Euro abrandou para 3,55% no segundo trimestre, contra 4,74% nos primeiros três meses deste ano.

Este abrandamento reflete sobretudo a debilidade da economia europeia, em particular da Alemanha, que voltou a contrair no segundo trimestre (PIB recuou 0,1% em cadeia). O PIB da Zona Euro cresceu apenas 0,2% no segundo trimestre, com o investimento a pressionar e o consumo das famílias a permanecer fraco. Esta evolução frágil da economia dá confiança ao BCE para prosseguir com o alívio da política monetária, pois a procura ténue tende a exercer uma pressão descendente sobre os preços dos produtos e serviços.

Os indicadores avançados continuam desfavoráveis, pelo que a atividade económica deverá continuar fraca na segunda metade do ano. Uma estagnação que estes cortes de juros do BCE não deverão amortecer, uma vez que existe um gap temporal na transmissão da política monetária e o efeito das taxas mais baixas só se deve sentir na plenitude em 2025.

A questão não está em saber se o BCE corta em setembro, mas o que o BCE vai dizer sobre os próximos passos do ciclo de alívio da política monetária.

Deutsche Bank

Lagarde inamovível na estratégia

“A moderação do mercado de trabalho e atividade económica desde a reunião junho devem reforçar a confiança de que o processo de desinflação está no bom caminho, em particular tendo em conta o abrandamento no crescimento dos salários”, refere o Danske Bank. Os economistas do banco dinamarquês antecipam quem Christine Lagarde confirme que o BCE “está numa fase de redução de juros”, mas “sem um compromisso com um calendário específico para novos cortes”.

A presidente do BCE deverá assim optar por “não se desviar da abordagem de reunião a reunião e dependente dos dados para definir as taxas de juro, mantendo assim a opcionalidade e flexibilidade” na orientação da política monetária futura (guidance), acrescenta o Danske Bank.

“A questão não está em saber se o BCE corta em setembro, mas o que o BCE vai dizer sobre os próximos passos do ciclo de alívio da política monetária”, refere o Deutsche Bank, assinalando que o banco central “até aqui tem estado reticente sobre o guidance e assim deverá continuar” nesta reunião.

O ING considera que o BCE tem “razões suficientes para reduzir o nível restritivo da política monetária” e não espera qualquer orientação sobre os próximos movimentos nas taxas de juro. “Até agora, a narrativa de dependência dos dados funcionou, então porquê alterar” a abordagem, questiona Carsten Brzeski, Global Head of Macro do banco dos Países Baixos.

BCE tem razões suficientes para reduzir o nível restritivo da política monetária. Até agora, a narrativa de dependência dos dados funcionou, então porquê alterar a abordagem?

Carsten Brzeski, Global Head of Macro do ING

Atenção às novas projeções

Se os economistas têm pouca esperança em ganhar visibilidade sobre a velocidade de corte de juros através das palavras de Christine Lagarde, a atualização das projeções económicas por parte do staff do BCE também não deve fornecer pistas consideráveis. Na reunião de junho, o banco central estimava um crescimento de 0,9% no PIB deste ano, 1,4% em 2025 e 1,6% em 2026. A inflação era vista a baixar para 2,5% este ano, 2,2% em 2025 e abaixo da meta só em 2026 (1,9%).

O ING antecipa que as novas estimativas do BCE vão ficar praticamente inalteradas, admitindo uma revisão em ligeira baixa nas previsões para a inflação em 2025 e 2026 devido aos preços mais baixos do petróleo e taxa de câmbio mais forte do euro. “Qualquer revisão em baixa no crescimento económico e inflação vai aumentar a probabilidade de um corte de juros mais célere, enquanto uma revisão em alta motivará os ‘falcões’ a abrandar cortes de juros adicionais”, comenta Carsten Brzeski.

Os economistas do Deutsche Bank esperam que o staff do BCE baixe ligeiramente as estimativas de crescimento da economia da Zona Euro em 2024, mantendo as previsões para os anos seguinte. A Capital Economics antecipa que a economia vai crescer no segundo semestre do ano, mas a um ritmo bem mais moderado do que o banco central estimou em junho (0,4%).

Pensamos que o ritmo mais provável passa por cortes de 25 pontos base por trimestre, até a taxa dos depósitos atingir 2,5% em setembro do próximo ano.

Capital Economics

Nova pausa em outubro

Apesar da visibilidade escassa sobre os próximos movimentos do BCE após setembro, a generalidade dos economistas acredita que a autoridade monetária vai manter a estratégia de intervalar cortes de juros com pausas, o que implica uma descida de apenas 25 pontos base a cada trimestre.

“Embora possa acontecer um corte de juros em outubro num cenário económico negativo, pensamos ser pouco provável que a informação que será divulgada entre as reuniões de setembro e outubro seja fraca o suficiente para justificar um novo corte de juros” a 17 de outubro, “a menos que Lagarde clarifique” já esta quinta-feira que é este o cenário central, refere o Danske Bank. A inflação nos serviços permaneceu elevada em agosto, “o que deve ser suficiente para manter os ‘falcões’ à defesa a defenderem uma abordagem gradual”, acrescentam.

O cenário central do Deutsche Bank aponta dezembro como a data da terceira descida de juros, mantendo o ritmo de um corte de juros por trimestre em 2025, até que seja atingida uma taxa considerada neutral entre 2% e 2,5% no final do próximo ano. “Lagarde não tem incentivos para alterar as expetativas nesta altura”, dizem os economistas do banco alemão, salientando que o BCE vai seguir com a estratégia “se não partiu, não conserte” e mostrar que “não tem pressa” no alívio da política monetária.

Tendo em consideração o cenário atual e as declarações dos responsáveis do BCE, “pensamos que o ritmo mais provável passa por cortes de 25 pontos base por trimestre, até a taxa dos depósitos atingir 2,5% em setembro do próximo ano,” refere a Capital Economics, antecipando que política monetária do BCE não será muito afetada pelas decisões da Fed, que deverá ser mais frequente a baixar juros do que o seu homólogo europeu.

A Fed só deverá iniciar o ciclo de alívio da política monetária na próxima semana, com uma descida de 25 pontos base, para 5,00%-5,25%. Os mercados estimam reduções de 111 pontos base nas três reuniões da Fed que restam este ano, enquanto para o BCE projetam apenas 63 pontos base (incluindo já a redução de hoje).

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