IVA na restauração. Quem saiu beneficiado?
Dado o crescimento que o turismo e o aumento do rendimento disponível das famílias, o setor da restauração vive um bom momento. É difícil de justificar o benefício face a outros setores.
Dia 1 de julho faz um ano que entrou em vigor o IVA de 13% para a restauração. Esta medida visou reverter uma das medidas mais polémicas tomadas no Orçamento do Estado para 2012, que determinou o aumento da taxa de imposto sobre estes serviços de 13% para 23%, passando-se assim da taxa intermédia para a taxa normal.
Em 2012, os argumentos contra a subida do IVA na restauração foram que o aumento do preço das refeições, associado à crise económica e à quebra de rendimentos, levaria muitos estabelecimentos à falência, com consequências ao nível da atividade económica e do emprego. No entanto, sou de opinião que a descida da taxa do IVA para a restauração, há um ano atrás, foi um erro de política económica e social.
Qualquer sistema fiscal tem três objetivos: arrecadação de receita, redistribuição de riqueza e promoção do desenvolvimento económico, naquilo que em Finanças Públicas se designa por “Funções Orçamentais de Musgrave”. Uma medida na área fiscal terá sempre impacto em pelo menos um de estes três níveis, donde que a questão deve sempre ser analisada à luz destes objetivos.
Relativamente ao objetivo de arrecadação da receita, os defensores da redução do IVA neste sector argumentam que o aumento da taxa acarretou uma redução da receita, sugerindo um efeito da “curva de Laffer”. O único relatório disponível sobre isto é de 2013, sendo proveniente do governo de então. A subida da taxa do IVA gerou em 2012 um aumento de receita de 272 milhões de euros, o que representa um aumento de 109%. Como o aumento da taxa, de 10 pontos percentuais (pp), é apenas responsável por um aumento de 77%, os autores deste relatório estimam que o impacto do combate à evasão fiscal seja responsável por um aumento de 44,3%, sendo que a quebra do volume de negócios terá representado uma diminuição da cobrança de imposto em 12,2%.
O relatório estima que o efeito líquido deste aumento terá sido de 172 milhões €, uma vez que houve uma quebra na cobrança de IRS, IRC e contribuições para a segurança social no montante total de cerca de 100 milhões €. Contudo, este cálculo do efeito líquido não se afigura correto, já que não é possível separar o que na quebra de receita do IRS, IRC e contribuições para a segurança social, foi efeito da quebra na atividade económica por via da alteração dos padrões de consumo e o que foi efeito da quebra da atividade por via do efeito preço do aumento do IVA.
Já para a descida do IVA, o OE/2016 apontava, no seu relatório, para uma perda de receita de 175 M€ para um período de seis meses. Na prática, embora a receita não seja linear, dado o efeito de sazonalidade, esta medida poderá ter representado uma perda de receita anual entre os 300 a 400 M€.
Já o segundo e terceiro objetivos devem, neste caso, ser analisados em conjunto.
Sempre que existe um facto tributário que está sujeito a uma taxa de imposto inferior à taxa normal ou máxima (ou, no limite, a uma isenção), estamos perante um benefício fiscal. Os benefícios fiscais são designados em Finanças Públicas como despesa fiscal. Sendo que um benefício fiscal gera sempre uma perda de receita (fiscal) que tem de ser compensada no Orçamento, segundo uma de três formas, ou uma combinação destas: aumento de outro imposto, redução da despesa ou aumento do défice orçamental (e, consequentemente, da divida pública).
Desta forma, a descida da taxa de IVA da restauração de 23% para 13% significa uma subsidiação deste serviço. Entenda-se: trata-se, simplesmente, de colocar todos os contribuintes a subsidiar os consumidores ou produtores deste serviço.
De facto, um beneficio fiscal consiste numa vantagem (ou desagravamento) de certa entidade, atividade ou situação face às demais, o que, naturalmente, terá impacto nas preferências dos agentes económicos.
Assim, não se pode compreender um benefício fiscal que não seja, per si, um instrumento de política económica, ou que não tenha um objetivo económico-social ou outra finalidade extrafiscal que possa justificar essa exceção e, com esta, a derrogação dos importantes princípios fiscais da igualdade e da capacidade contributiva.
Por outro lado, não obstante podermos afirmar que se trata de um serviço com impacto significativo no consumo privado, não se afigura sensato designá-lo como um bem de primeira necessidade. Podemos mesmo sustentar que existirá uma forte correlação entre o rendimento disponível e o consumo de serviços de restauração, quer em volume quer em preço. Na realidade, as famílias de baixos rendimentos não terão, por norma, padrões de consumo em que se incluam estes serviços.
Consequentemente, e ao contrário do que muitos julgarão, uma descida da taxa do IVA sobre estes serviços promove uma transferência de rendimentos entre as famílias de rendimentos mais baixos para as de rendimentos mais elevados. O que, naturalmente, significa um aumento na desigualdade da distribuição de riqueza e nas assimetrias sociais.
Olhando de perto o terceiro objetivo, não deixa de ser verdade que o serviço da restauração é um serviço de trabalho intensivo. Tal implica que um elevado número de falências pode, de facto, gerar um volume considerável de desemprego.
No entanto, dado o crescimento que o turismo teve nos últimos anos e o aumento do rendimento disponível das famílias, o setor da restauração vive um bom momento, pelo que se torna difícil de justificar este benefício face a outros setores. E o ajustamento neste setor terá sido feito durante os anos de crise. Ninguém empregou no último ano mais pessoas por via da descida do IVA. O aumento de emprego neste setor resulta do crescimento do negócio via sobretudo turismo.
No final, temos duas hipóteses sobre este último ano, com uma taxa de IVA de 13%: ou os preços praticados nos restaurantes desceram, e quem beneficiou deste “subsídio” foram as famílias de maiores rendimentos ou os preços não desceram, e quem beneficiou deste “subsídio” foram os donos dos restaurantes.
Em qualquer dos casos não me parece que se faça (boa) política económica e social desta forma….
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