Lagarde brinda ao futuro, mas faz escassa futurologia

A certa altura engasgou-se e, com o humor a que já nos habituou, levantou o copo de água e disse "brindo ao futuro". Sobre os próximos meses, contudo, deu só alguns sinais e todos com cautela.

Sempre elegante, Christine Lagarde surgiu na conferência de imprensa do BCE esta quinta-feira com um look que não seria desadequado numa festa ou num requintado cocktail – vestido com detalhes brilhantes, alfinete prateado e colar de pérolas. Nas semanas que antecederam a reunião de política monetária, os analistas e investidores davam como praticamente certo que o banco central ia oferecer motivos de celebração na forma um novo corte nas taxas de juro. A grande dúvida era sobre se a festa em Frankfurt iria ser apenas o ligeiro e simpático beberete esperado ou um banquete com mais novidades, nomeadamente sobre o futuro.

Nas comunicações dos bancos centrais, o futuro é quase sempre o tema central. Após um longo período de taxas de juro elevadas, desenhadas para reduzir uma dolorosa inflação, é natural que os agentes económicos aguardem com expectativa novidades sobre o rumo do custo do dinheiro nos meses seguintes.

O comunicado do BCE confirmara o corte, mais que esperado, de 25 pontos base da taxa de juro de facilidade permanente de depósito, o segundo este ano e que a coloca agora nos 3,5%, descrito como mais um passo para moderar o grau de restritividade da política monetária, uma pequena pista sobre o futuro.

A novidade era uma nuance, que o BCE decidiu alargar o diferencial entre as taxas diretoras, que durante vários anos se manteve nos 50 pontos base, ao cortar em 60 pontos base a taxa de juro de refinanciamento e a taxa de juro aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez, que agora se fixam nos 3,65% e 3,9%, respetivamente. O ‘apertar’ deste corredor não deve ter grandes impactos imediatos nos mercados para já, pois a âncora é a taxa de depósitos, mas foi introduzido para reduzir volatilidade numa altura em que o BCE reduz o balanço.

O foco passava, então, para as palavras de Christine Lagarde. A certa altura, a francesa engasgou-se e, com o discreto humor a que já nos habituou, levantou o copo de água e disse “brindo ao futuro”. Sobre esse futuro acabou por não dizer muito. Ou melhor, disse algumas coisas, mas com bastante cautela. Por um lado, afirmou que a trajetória dos juros é obviamente descendente, mas também sublinhou que essa rota não é predeterminada nem em termos de sequência nem em termos de volume.

Lagarde reiterou a dependência dos dados, a necessidade das decisões serem tomadas de reunião em reunião, citando até o espanhol “que sera, sera para ilustrar a posição do banco central. E, neste momento, percebe-se perfeitamente bem essa postura. As novas projeções macroeconómicas do staff justificaram o corte de 25 pontos base e não são muito diferentes às de junho, mas incluem alguns detalhes que recomendam cautela, conforme Lagarde sublinhou. A ligeira revisão em alta para a inflação core – o aumento dos preços excluindo energia e bens alimentares – em 0,1 pontos base (para 2,9% e 2,3% este ano e em 2025, respetivamente) é a prova de que o combate à inflação não está ainda ganho e, portanto, é preciso ter cuidado no ritmo dos cortes dos juros.

Por outro lado, o BCE reiterou que os riscos relativos ao crescimento económico continuam inclinados para o lado negativo, especialmente tendo em conta uma economia alemã em estagnação. Isso poderá levar o banco central a acelerar os cortes nas taxas de juro, para garantir a chamada aterragem suave na economia da Zona Euro.

Perante estes equilíbrios, o ambiente de festa tornou-se mais calmo. Nos mercados e nas salas de análise a expectativa foi reforçada – o BCE deverá decidir um novo corte apenas em dezembro, fazendo nova pausa em outubro. Lagarde admitiu que o intervalo até à reunião do próximo mês é de apenas cinco semanas, menos que o habitual. E, em qualquer caso, o BCE parece estar inclinado a alterar as taxas de juro quando tem novas projeções económicas – e as próximas são no final do ano.

Pelo meio, já na próxima semana há nova festa, desta vez do outro lado do Atlântico e na qual a anfitriã é a Reserva Federal. Depois da recente turbulência nos mercados e os receios sobre a força da economia americana, a expectativa é enorme. Será muito difícil a Jerome Powell dizer algo como “whatever will be, will be“.

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