O mundo e o Orçamento

As circunstâncias gritam que não se deve somar incerteza a tanta que já existe, mas a vontade parece ser mesmo levar os portugueses às urnas, um exercício pífio que deixará o país no mesmo impasse.

O verão fina-se já amanhã, mas tirando as merecidas férias não deixa grandes saudades.

A economia arrefeceu na mesma medida em que o calor apertava. A maior do mundo, a americana, está em desaceleração e ressurgiram os temores de que poderá tombar sob o peso da política monetária. A confiança dos investidores tremeu e a volatilidade nos mercados saltou.

A Europa está ainda mais fria. O PIB cresceu 0,3% em cadeia no segundo trimestre quer na Zona Euro quer no conjunto da União Europeia, o mesmo que nos primeiros três meses do ano. A Alemanha registou mesmo uma ligeira contração de 0,1% face ao trimestre anterior.

A maleita espalhou-se pelos dois meses seguintes, com os indicadores avançados a apontarem para uma estagnação da atividade em julho e agosto nos países da moeda única. A indústria continua mergulhada numa recessão, cujas consequências começam a fazer-se sentir de forma mais aguda.

A portentosa indústria automóvel europeia é, ao mesmo tempo, causa e vítima da crise. Na Alemanha, a VW teve mesmo de rasgar os acordos laborais que impediam despedimentos antes de 2029, num sinal de que a eles terá de recorrer para fazer face ao aperto em que se encontra. Um mau augúrio para o país, mas também para o resto da Europa onde o construtor alemão e outras marcas têm fábricas e centenas de fornecedores.

Xi Jinping também não tem razões para sorrir. A economia chinesa está a perder gás, com a produção industrial e as vendas a retalho a desacelerarem, num reflexo das crescentes dificuldades externas e internas.

Ao menos a inflação está a entrar nos eixos, seja nos EUA seja na Europa, permitindo que os bancos centrais venham em socorro da economia. O BCE já coleciona dois cortes de 25 pontos base e a Reserva Federal um de 50, fresquinho desta semana. Na ausência de novos choques, os bancos centrais deverão ser capazes de ir navegando a conjuntura.

Só que o mundo não ficou menos instável e perigoso nestes últimos meses, pelo contrário. No Médio Oriente, os esforços diplomáticos para chegar a um cessar-fogo entre Israel e o Hamas continuam sem frutificar, a tensão com o Irão cresce e um conflito alargado com o Hezbollah no Líbano parece cada vez mais provável.

A Ucrânia surpreendeu com a conquista de cerca de 1.200 km2 de território russo na região de Kursk, uma estratégia para obrigar Putin a “gastar” tropas para contrariar a ofensiva e ganhar força negocial, mas é uma evidência que o exército de Zelensky não tem argumentos para desalojar o invasor russo. Cada vez mais convencido de que será capaz de reter o território, o Kremlin até já ordenou a abertura de dependências de bancos russos.

Não ajuda que a consistência política no eixo mais influente nos destinos da União Europeia continue a esboroar-se. Na Alemanha, Olaf Scholz sai enfraquecido de sondagem em sondagem, de eleição em eleição. A extrema-direita vai ganhando força. A Alternativa para a Alemanha venceu no estado da Turíngia (32,8%) e ficou em segundo na Saxónia (30,6%), mas muito perto dos cristãos-democratas. A união dos restantes partidos impedirá que venha a chegar ao poder, mas a força crescente no leste da Alemanha não deixa de alarmar.

Em França, Emmanuel Macrom apostou em Michel Barnier para tentar segurar as pontas de um novo Governo. Conservador gaulista, com larga experiência política doméstica e na Europa, antigo negociador do Brexit, a principal tarefa será tentar corrigir o descalabro nas contas públicas. Uma missão normalmente premiada com uma governação curta. Revoltada, a esquerda avançou com um processo de destituição do Presidente.

Nos EUA, a entrada da candidata suplente dos Democratas não virou o jogo mas voltou a deixar tudo em aberto. Trump já vai na segunda alegada tentativa de assassinato, marca de uma nova era de violência política que o próprio inaugurou ao instigar a invasão do Capitólio.

Com o mundo neste estado Governo/PSD e PS entretêm-se em ataques e vitimizações a propósito do Orçamento do Estado para 2025, semeando caminho para novas eleições.

As circunstâncias gritam que não se deve somar incerteza a tanta que já existe. Um é Governo sem maioria, o outro o maior partido da oposição. É simples: cedem ambos e chegam a um compromisso. A vontade parece ser mesmo levar os portugueses às urnas, um exercício pífio que deixará o país no mesmíssimo impasse.

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