“Os carros a combustão não vão desaparecer”
Carlos Barbosa, presidente da ACP, alertou para um desinteresse nos carros elétricos durante a conferência Outlook Auto, na qual especialistas falam dos desafios e futuro da mobilidade sustentável.
“Há uma desaceleração do boom dos carros elétricos e as fábricas mudam os planos completamente. Eu acho que nós ainda não estamos totalmente preparados para a excitação que houve com o carro elétrico. O carro elétrico é fundamental, mas vai ser um modo de mobilidade como outro qualquer. Aliás, eu penso que os carros a combustão não vão desaparecer, até porque cada vez mais há combustíveis mais limpos. Inclusivamente, os carros clássicos já podem trabalhar com biodiesel“, começou por dizer Carlos Barbosa, presidente da ACP, durante a conferência Outlook Auto, a decorrer nos dias 24 e 25 de setembro, no estúdio ECO, onde especialistas debatem a transformação do setor automóvel. A mobilidade sustentável, que parecia seguir um rumo claro, enfrenta agora obstáculos.
No primeiro dia do evento, o primeiro painel, dedicado ao tema “Cenários de Mobilidade Sustentável – Presente e Futuro”, que contou com a presença de Carlos Barbosa, Presidente ACP; Mário Alves, Especialista em Transportes e Mobilidade; e Tiago Farias, Professor do Departamento de Engenharia Mecânica do Instituto Superior Técnico, abordou alguns dos desafios que têm dificultado a transição para uma mobilidade mais sustentável.
"O parqueamento à superfície deve ser caríssimo, já o estacionamento por baixo da terra deve ser muito barato ou quase de borla. A mobilidade das pessoas à superfície não pode ser prejudicada pelos estacionamentos.”
Além do abrandamento na compra de elétricos, Carlos Barbosa destacou, também, a necessidade de infraestruturas verdadeiramente preparadas para a circulação de carros elétricos: “Ou nós nos preparamos para efetivamente receber o carro elétrico e temos infraestruturas para o carregar, ou então é complicado“.
Neste ponto, acrescentou ainda a importância de se ter “bons transportes públicos” e “rápidos”, bem como um “parque automóvel no meio da cidade”. “O parqueamento à superfície deve ser caríssimo, já o estacionamento por baixo da terra deve ser muito barato ou quase de borla. A mobilidade das pessoas à superfície não pode ser prejudicada pelos estacionamentos”, disse.
Estádio da Luz e Alvalade são soluções?
Sobre este tópico, Mário Alves, Especialista em Transportes e Mobilidade, referiu que “as cidades têm um problema em termos de espaço”: “A ideia de andarmos nas ruas dentro de uma tonelada e meia com quatro lugares vazios é um bocado absurda. Portanto, vamos ter que começar a repensar este tipo de coisas e, nos centros das cidades, vamos ter que começar a regular muito melhor. A questão do estacionamento é fulcral, como retirar estacionamento para evitar que as pessoas venham, e, obviamente, um investimento no transporte público, que é fundamental”.
No entanto, se, por um lado, é importante reduzir ao estacionamento, por outro lado é importante assegurar que ele exista para as pessoas que não têm outras opções, mas sem obstruir as vias públicas. Nesse sentido, Carlos Barbosa revelou uma proposta que a ACP fez ao anterior governo com uma solução para este problema. “O Estádio da Luz tem, durante a semana, quatro mil lugares disponíveis. E o Estádio de Alvalade tem cerca de três mil lugares. Nós propusemos aos governos anteriores um passe de 25 euros, que permitia que as pessoas deixassem lá o carro, já que são duas entradas importantíssimas de Lisboa, e têm, quer um quer outro, metropolitano praticamente dentro do estádio. Só aqui, em dois sítios, metíamos sete mil carros”, contou.
"Temos de ter segurança para os peões e para as bicicletas chegarem às estações e às grandes interfaces da Área Metropolitana de Lisboa (AML).”
Ainda assim, e apesar de ser uma solução para tirar os carros das ruas, Mário Alves reforçou a importância de se construírem vias seguras para atrair a população a deslocar-se até às estações de autocarro, metro ou comboio, a pé ou até mesmo de bicicleta: “Temos de ter segurança para os peões e para as bicicletas chegarem às estações e às grandes interfaces da Área Metropolitana de Lisboa (AML). É preciso começar a trabalhar muito melhor o urbanismo em torno dos interfaces”.
Por sua vez, Tiago Farias, Professor do Departamento de Engenharia Mecânica do Instituto Superior Técnico, acrescentou que “as pessoas vêm para Lisboa porque têm onde estacionar”: “O automóvel está parado mais de 90% do seu dia-a-dia a ocupar espaço público. E isto significa que nós temos que trabalhar no que não queremos. E o ´nós´ são as cidades, que têm de ter mais visão e mais estratégia“.
Bicicleta como meio de transporte alternativo
A melhoria do acesso aos interfaces poderia permitir que mais de 70% da população da AML se deslocasse até ao centro da cidade sem utilizar carro, de acordo com o especialista, que referiu até um estudo da Universidade de Arquitetura, para demonstrar o ponto de vista. “Há estatísticas muito interessantes. David Vale, da Universidade de Arquitetura, fez um estudo com sistemas de informação geográfica, que revelou o seguinte: a 10 minutos a pé das estações ferroviárias de Lisboa só vive 25% das pessoas, mas a 10 minutos de bicicleta vive 75% das pessoas da AML. Portanto, se nós começarmos a fazer vias seguras para bicicletas, vai haver muita gente que vai poder alimentar os transportes públicos de bicicleta“, explicou.
"A 10 minutos a pé das estações ferroviárias de Lisboa só vive 25% das pessoas, mas a 10 minutos de bicicleta vive 75% das pessoas da AML. Portanto, se nós começarmos a fazer vias seguras para bicicletas, vai haver muita gente que vai poder alimentar os transportes públicos de bicicleta.”
De acordo com Tiago Farias, a bicicleta também fará parte da eletrificação urbana, que encara como “um todo”: “A tendência é para a mobilidade urbana se eletrificar como um todo. Não me refiro apenas ao automóvel, mas também à bicicleta, ao autocarro… No entanto, o setor tem tido uma enorme dificuldade em fazer a sua descarbonização. Aliás, se repararmos, os dois momentos em que houve alguma descarbonização palpável foram duas crises: no momento da Troika e no momento da Covid-19. Eu diria que há muito por fazer”.
A solução passará, numa fase inicial, segundo o professor, coexistência de veículos elétricos e de veículos a motores de combustão, mas continuando a eletrificar a mobilidade urbana. Contudo, neste ponto, Carlos Barbosa alertou para a dificuldade que várias pessoas têm em aceder a carregadores elétricos ou, até, a pagar uma fatura de luz mais alta fruto dos carregamentos. “Eu considero que o carro elétrico é uma forma de mobilidade como é um carro híbrido e como é um carro a combustão. Quantas pessoas podem ter um carregador em casa e gastar mais eletricidade? É muito complicado”, questionou.
Impostos nos elétricos?
E, ainda na lógica das dificuldades, também referiu o peso do Estado na equação. “Isto da mobilidade elétrica é muito bonito, mas o Estado tira do setor automóvel 32% das receitas de impostos. Portanto, se ele está a ir buscar aos carros de combustão, quando isto passar para o elétrico, ele também vai querer ir lá”, lembrou.
"Isto da mobilidade elétrica é muito bonito, mas o Estado tira do setor automóvel 32% das receitas de impostos. Portanto, se ele está a ir buscar aos carros de combustão, quando isto passar para o elétrico, ele também vai querer ir lá.”
A mesma opinião foi partilhada por Mário Alves, que afirmou: “Esta lua-de-mel dos preços também vai acabar, com certeza. E isso também vai dificultar”. Por essa razão, outras soluções de mobilidade, como transportes públicos, bicicleta e até mesmo andar a pé, continuaram a ser colocadas no debate, no qual se destacou a predisposição dos mais jovens a adotar estas medidas mais sustentáveis. “A juventude prefere transportes públicos. Se nós lhes dermos condições para isso, eles não pegam nos carros”, referiu Carlos Barbosa.
“Eu diria que a integração e a informação de tudo o que se está a passar na mobilidade tem de chegar ao smartphone. O setor dos transportes públicos e da mobilidade urbana comunica pouco. Investe milhões numa nova linha de metro e depois não investe o suficiente na sua divulgação como sendo um produto comercial. Não é possível continuar a achar que as pessoas vão para o transporte público se não fizermos um esforço de comunicar e de chegar às pessoas de uma forma diferente“, concluiu Tiago Farias.
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